Brasil: a Via Campesina no Pará requer posicionamento do Governo do Estado sobre as questões que afetam diretamente o campesinato paraense

Idioma Portugués
País Brasil

Doze anos de governo, sob a liderança do PSDB no Pará, deixaram graves problemas para a sociedade paraense. Dados do próprio governo dão conta que a pobreza e a miséria são mais intensas no campo. O PSDB trabalhou efetivamente para consolidar a cadeia produtiva do gado colocando o Pará como o segundo estado brasileiro em rebanho bovino; articulou e implantou o agronegócio de grãos em três micro-regiões do estado; regularizou milhares de hectares de áreas griladas beneficiando o latifúndio conservador e violento do estado. Considerando a situação, a Via Campesina no Pará requer um posicionamento do Governo do Estado, sobre as seguintes questões, que afetam diretamente o campesinato paraense

I. Identidade da Via Campesina

A Via Campesina é um espaço de articulação e mobilização de movimentos sociais camponeses e entidades de apoio a luta dos trabalhadores e trabalhadoras que vivem no campo. É um espaço de articulação internacional, latino-americano, nacional e regional. Assume perfis diferenciados, conforme o espaço de atuação e a diversidade das realidades locais dos movimentos que a compõem. No Pará e na Amazônia a Via congrega os seguintes movimentos: MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), MMC (Movimento de Mulheres Camponeses), PJR (Pastoral da Juventude Rural), Associações e comunidades indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e ribeirinhas; CPT (Comissão Pastoral da Terra), Cáritas, CRB (Conferência dos Religiosos do Brasil), CPP (Conselho Pastoral dos Pescadores) e CIMI (Conselho Indigenista Missionário).

No contexto de construção da Via Campesina foram assumidas algumas diretrizes orientadoras para a atuação nas diversas realidades camponesas: respeito à biodiversidade do nosso planeta, que inclui os bens naturais, os ecossistemas, as culturas e os conhecimentos tradicionais dos seus povos; a democratização do acesso e uso da terra, na construção de uma genuína reforma agrária; a soberania alimentar como direito dos povos e países a definirem a sua própria política agrícola; o direito dos camponeses produzirem as suas próprias sementes com a melhor forma de preservar a biodiversidade; promoção efetiva de igualdade de gênero, combatendo os preconceitos cultural e sexual; e a promoção da justiça e dos direitos humanos, em todos os contextos.

No campo político partidário a Via Campesina atua mantendo sua independência, não participando de blocos de alianças para a condução política do Estado. Mantém-se fiel ao papel histórico do movimento social camponês de ser um instrumento de proposição de demandas imprescindíveis para o combate à pobreza e à miséria que assolam o campo, bem como de denúncias de todas as formas de injustiças e de negação de direitos sociais, econômicos, ambientais e culturais aos povos tradicionais. É importante destacar que a Via Campesina como instrumento de articulação protagoniza espaços de diálogo na esfera pública, não se comprometendo efetivamente com programas de governo, mas apresentando demandas e pressionando práticas que promovam a construção de políticas públicas que possibilitem a inclusão social, o fim da violência, a partilha de riquezas e a preservação do espaço natural de reprodução das comunidades tradicionais.

II. A Amazônia

Cada vez mais fica evidente que a estratégia de ocupação da Amazônia se pauta sob a lógica do capital, fortalecido pelas políticas de incentivos fiscais e de subsídios públicos oferecidos pelo governo federal e pelos governos estaduais. Estamos presenciando na Amazônia um processo de consolidação de infra-estrutura portuária, rodoviária e de produção de energia que têm a função de criar e consolidar essa “nova” fase de ocupação do capital. Esse processo é acompanhado pela tática governamental, principalmente no Pará, de zoneamento e ordenamento fundiários com a capacidade de mapear as áreas de expansão capitalista, centrada nos produtos comodites.

A partir da década de 90 do século XX, com a hegemonia dos governos neoliberais no Brasil e na Amazônia e com o amplo processo de globalização, a região ganha mais destaque, no patamar internacional, pelo seu potencial agro-exportador de produtos primários para as grandes economias capitalistas. Para consolidar esse processo o governo brasileiro privatizou as empresas públicas que atuavam na exploração dos recursos naturais, entregando ao capital, a responsabilidade do desenvolvimento. Tal paradigma gerou exclusão, pobreza, miséria, expropriação e degradação do meio ambiente. O re-aquecimento do mercado de terras na região, impulsionado pelo modelo de desenvolvimento nacional, centrado no ideário do agronegócio, permitiu que territórios pertencentes ainda a comunidades tradicionais, a saber, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, extrativistas se tornassem alvos da cobiça e da rapina dos grupos organizados que se apropriam ilegalmente de terra na Amazônia, tendo como modelo de invasão a grilagem. Similar ao que ocorrera a partir dos anos 70 do século XX, onde grandes extensões de terras foram ocupadas sob a conivência do estado, para apropriação indébita de recursos públicos via SUDAM, hoje órgãos de terra na Amazônia, como INCRA e ITERPA continuam regularizando ilegalmente terras e águas de comunidades tradicionais em nome do tal desenvolvimento que até então mais dilacerou do que manteve o ambiente e as sociabilidades das comunidades tradicionais.

III. O Pará

Doze anos de governo, sob a liderança do PSDB no Pará, deixaram graves problemas para a sociedade paraense. Dados do próprio governo dão conta que a pobreza e a miséria são mais intensas no campo. “O Estado tem uma população de 6.2 milhões e desses 2.7 milhões vivem em estrema pobreza. A pobreza rural é mais profunda que nas áreas urbanas. A pobreza urbana ocupa 38% e as áreas rurais 58%. As disparidades urbano-rural na educação e emprego possuem diferenças acerbadas”(Projeto de Desenvolvimento do Pará Rural, 01/06/2006). A marca do governo do PSDB foi ignorância completa à economia e ao modo de vida das comunidades tradicionais e dos agricultores familiares. Tivemos doze anos de um governo que não dialogava com o movimento social camponês, centralizador (capital) e autoritário. As questões que envolveram a luta e a organização camponesa foram sempre tratadas como caso de polícia. Todo sistema de segurança pública foi capacitado e idealizado para reprimir com violência toda e qualquer manifestação social e legitima do campesinato paraense.

O PSDB trabalhou efetivamente para consolidar a cadeia produtiva do gado colocando o Pará como o segundo estado brasileiro em rebanho bovino; articulou e implantou o agronegócio de grãos em três micro-regiões do estado (sul, nordeste e oeste); regularizou milhares de hectares de áreas griladas beneficiando o latifúndio conservador e violento do estado; projetou o Pará rural como forma de regular e mapear as áreas para expansão produtiva do agronegócio e da cadeia mineral; beneficiou as empresas madeireiras e criou possibilidades de regulação da exploração madeireira em reservas e áreas preservadas por comunidades tradicionais. Em síntese o modelo de desenvolvimento imprimido pelo PSDB centrado no agronegócio, na expansão da pecuária, na exploração madeireira e na consolidação de infra-estrutura rodoviária, portuária e energética para permitir a produção e a exportação de produtos comodites agravou ainda mais a pobreza, a exclusão e a violência no campo.

Considerando a situação exposta, a Via Campesina no Pará requer um posicionamento do Governo do Estado, sobre as seguintes questões, que afetam diretamente o campesinato paraense:

1. Modelo de Desenvolvimento

Como já destacamos, durante os 12 anos de governo tucano, aprofundou-se no Pará a implementação de um modelo de desenvolvimento predatório, provocando a destruição do meio ambiente, a exclusão do campesinato e, por outro lado, a garantia do lucro, a qualquer custo, para madeireiros, latifundiários, mineradores, sojeiros, etc.

Os movimentos sociais da Via Campesina defendem: o rompimento definitivo com esse modelo de submissão ao capital, potencializando investimentos na agricultura de base ecológica, na economia agro-extrativista que valoriza os recursos da floresta e diversas outras atividades produtivas, desenvolvidas pela base familiar.

2. Democratização do Estado

O Estado tem servido apenas para viabilizar os interesses dos setores ligados ao agronegócio e ao grande capital. Os investimentos públicos tem sido direcionados a esses setores, marginalizando os segmentos sociais, principalmente, as forças ligadas ao campesinato. A administração do Estado também tem sido centralizada na capital, desconsiderando a dimensão geográfica e as diferentes realidades de nossas microrregiões.

Os movimentos sociais da Via Campesina defendem: a democratização e descentralização da administração do Estado, com a participação dos movimentos sociais na definição das políticas públicas e re-ordenamento do Estado.

3. Direitos Humanos e Segurança Pública

Os sucessivos governos do Estado sempre trataram a questão da reforma agrária com caso de policia. Apenas em 2006 mais de 4 mil famílias foram despejada pela Polícia Militar e mais de 50 camponeses presos, num processo de criminalização comandado pelas Delegacias de Conflitos Agrários – DECA.

Os movimentos sociais da Via Campesina defendem: a suspensão imediata das operações de despejo comandadas pela polícia militar. A redefinição do papel das DECAs, dando-lhes a atribuições de investigar as ameaças contra defensores de direitos humanos, prender pistoleiros e mandantes com prisões decretadas pela justiça por assassinato de trabalhadores e garantir a proteção aos ameaçados de morte.

4. Reforma Agrária e papel do Iterpa

O Estado nunca apoiou e nunca teve uma política de reforma agrária. Sempre se negou a investir nos assentamentos em parceria com o governo federal. O Iterpa foi sucateado e nunca teve uma política efetiva de combate à grilagem e de arrecadação das terras de patrimônio do Estado em poder dos grileiros.

Os movimentos sociais da Via Campesina defendem: a implementação de uma política estadual de reforma agrária, que priorize o combate efetivo da grilagem; a titulação de terras do Estado até o limite de 500ha, de acordo com a lei federal; a regularização das terras das comunidades quilombolas e ribeirinhas, o combate à invasão das terras indígenas, a reestruturação e descentralização do ITERPA.

5. Grandes projetos e a agressão ao meio ambiente

As grandes obras projetadas para o Estado do Pará, obedecem a interesses do Agronegócio do grande capital, sua implementação tem provocado impactos ambientais e prejuízos incalculáveis para as populações ribeirinhas, povos indígenas e comunidades quilombolas.

Os Movimentos Sociais da Via Campesina são contra: a construção da hidroelétrica de Belo Monte e demais hidroelétricas projetadas para o Estado do Pará e a continuidade das obras da hidrovia Araguaia-Tocantins, bem como, a pesca predatória e a exploração dos recursos pesqueiros, principalmente em áreas de reprodução.

6. Mineração e produção de carvão

A atuação da Companhia Vale do Rio Doce e ALCOA no Estado do Pará, tem sido marcada por uma violenta exploração de nossas riquezas minerais visando apenas o lucro, causando sérios problemas para as populações tradicionais e contribuindo para o aumento da pobreza em nosso Estado. Em seu projeto expansionista, a CVRD tem financiado o pólo siderúrgico de Marabá e Barcarena, o mineroduto de Paragominas a Barcarena, provocando a devastação da floresta para produção de carvão e agravando ainda mais o trabalho escravo nas carvoarias.

Os movimentos sociais da Via Campesina defendem: o fim do financiamento público para plantação de eucalipto na região, a suspensão da licença ambiental para as siderúrgicas envolvidas no trabalho escravo, o combate à produção ilegal de carvão de floresta primária e a re-estatização da CVRD.

8. Programas: Pará Rural e Macro-zoneamento

Esses programas foram elaborados sem a devida participação dos movimentos sociais. O Pará Rural, dentre outras questões, reproduz o modelo do Banco da Terra que inviabiliza a reforma agrária.

Os movimentos sociais da Via Campesina defendem: a rediscussão, com a participação dos movimentos sociais, desses programas e a adequação destes à realidade do campesinato.

9. Educação

Percebemos uma ausência de políticas públicas voltadas para a educação dos trabalhadores/as do campo. Existe um alto índice de analfabetismo e ou baixa escolaridade em função dentre outras coisas, da precariedade do ensino maior (5º a 8º séries e nível médio), inexistência de infra-estruturas e materiais didáticos adequados para o ensino e a realidade do campo, assim como educadores/as efetivamente preparados para trabalhar numa realidade tão complexa que é o campo.

Essas e outras questões são fatores que influenciam na desagregação familiar, uma vez que, a juventude é obrigada se deslocar para a cidade para a continuar os estudos.

Ressaltamos que existem inúmeras iniciativas educacionais desenvolvidas pelas comunidades e Organizações sociais do campo com vistas a consolidar uma educação voltada para os sujeitos do campo. Ações estas que nunca tiveram efetivo apoio do Estado paraense.

Neste sentido, a Via Campesina PA, defendem: maior participação do Estado no combate ao analfabetismo no campo, assim como potencializar as iniciativas de escolarização e incentivos a permanência na escola. Ampliar e instrumentalizar a Universidade Estadual do Pará para estabelecer parcerias com as organizações dos camponeses para escolarização nos diferentes níveis.

10. Partilha dos recursos: Energia

As decisões da Eletronorte são centralizadas em Brasília-DF dificultando a participação direta dos movimentos sociais atingidos.

A Via Campesina propõe que o Estado pressione as instâncias federais pela descentralização das decisões da Eletronorte, rediscussão da aplicação dos Royats e discussão da taxa de energia diferenciada para a área rural.

11. Questões emergenciais do Baixo Amazônas

A região sofre uma pressão violenta de grileiros, sojeiros e madeireiros, causando sérios problemas para as populações tradicionais que, há séculos habitam àquelas terras.

Defendemos a criação imediata da Resex da Renascer no município de Prainha para neutralizar a ação desses grupos, bem como, a regularização fundiária das áreas contínuas à reserva, ocupadas por posseiros.

Defendemos também que o Estado intervenha junto ao governo federal para demarcação imediata da terra indígena “Terra Maró”, localizada na gleba Nova Olinda, no Município de Santarém. A demarcação beneficiará diretamente as comunidades indígenas: Novo Lugar, Cachoeira do Maró e São José 3. Necessário também criar o projeto de assentamento Agro-extrativista na área contínua à reserva, visando garantir os direitos das comunidades ali existentes e evitar a ações de grileiros e madeireiros.

Belém, 06 de janeiro de 2007.

MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)
MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores)
MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens)
MMC (Movimento de Mulheres Camponeses)
PJR (Pastoral da Juventude Rural)
Associações e comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas
CPT (Comissão Pastoral da Terra)
Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB
Cáritas Brasileira Norte 2
CPP (Conselho Pastoral dos Pescadores)
CIMI (Conselho Indigenista Missionário).

Fonte: MMC - Brasil

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