Brasil: FRACKING e o canto da Sereia

Idioma Portugués
País Brasil

Técnicos da ANP percorrem o país ‘vendendo’ o fraturamento hidráulico como uma alternativa energética viável sem considerar seus impactos ambientais, econômicos, sociais e para o clima do planeta.

Reza a lenda da Mitologia Grega que em alto mar, os marujos desavisados eram atraídos pela beleza e o canto irresistível das Sereias, seres mitológicos – metade mulher, metade peixe – que usavam esses artifícios para atrair suas inocentes presas, puxá-las para as profundezas e matá-las sem dó nem piedade. Ainda segundo a mesma lenda, somente sobreviviam a esse ataque mortal aqueles que sabiam dos riscos e perigos desse sedutor chamado, tampavam seus ouvidos para se livrar do fim terrível.

A analogia nos parece perfeita quando se compara a lenda da Sereia à estratégia da indústria do fraturamento hidráulico, método não convencional para extração do gás de xisto do subsolo, também conhecido como FRACKING da sigla em inglês, para seduzir as pessoas. O único argumento apresentado é o econômico, como se o alto custo ambiental, econômico e social que a tecnologia impõe fosse irrelevante diante do lucro que alguns poucos podem aferir.

Para se ter uma ideia do ‘potencial’ apresentado pelos técnicos da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP) como se o Fracking fosse o novo ‘Eldorado’, estimativas da Agência Internacional de Energia (AIE) já colocam o Brasil entre os 10 países com as maiores reservas nacionais de gás de xisto. De acordo com a AIE, o país possui reservas recuperáveis de 6.9 trilhões de m³ de gás de xisto e de 5.3 bilhões de barris de óleo leve de xisto, em pelo menos três bacias sedimentares.

Para tornar mais atraente, a ANP anuncia que as reservas brasileiras podem ser o dobro das estimativas da AIE. Sem medir esforços para vender seu produto, a agência está intensificando os testes para aquisição sísmica em vários estados e preparando a próxima rodada de licitações. Ao mesmo tempo, seus técnicos estão percorrendo o país defendendo a exploração do gás de xisto para que tenhamos a tão sonhada autossuficiência energética. Fazem isso sem entrar nos detalhes perigosos e contaminantes da tecnologia propriamente dita e sem comunicar as comunidades que estão na rota do Fracking, pregando que devemos ‘correr o risco’.

“Pelo que temos presenciado nos últimos meses, a ANP e seus técnicos estão ‘vendendo’ o Fracking como um caixeiro viajante que tenta empurrar um elixir para curar todos os males. Nesse caso, o que é vendido como um remédio é na verdade um veneno que irá nos matar a todos, contaminar nossa água, impedir a produção e comercialização de alimentos e tornar o planeta inabitável para todas as formas de vida”, alerta Juliano Bueno de Araujo, coordenador de Campanhas de Climáticas da 350.org e fundador da COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida.

Quando o argumento econômico não se sustenta

Juliano e integrantes da COESUS participaram recentemente em Curitiba, no Paraná, de um debate promovido pela Associação de Geólogos do Paraná (Agepar) para exaltar os ‘benefícios e maravilhas’ do Fracking.

Convidada, a representante da ANP, Marina Abelha, falou somente do potencial energético do Paraná, sem entrar em detalhes perigosos da tecnologia. Para ela, as principais vantagens do uso do fracking para essa extração “são o volume desse gás existente nas rochas e a demanda por energia, pois há regiões que necessitam e não têm a produção de gás”. Através de dados de estudos do solo ela explicou que há possibilidade do uso do fraturamento hidráulico no Brasil nas Bacias do Parnaíba, Parecis, São Francisco e Paraná.

O geólogo e professor aposentado Paulo C. Soares minimizou os impactos ambientais como a contaminação da água e do solo e a possibilidade de terremotos nos locais onde o Fracking é feito. “Quanto à utilização de grande volume de água, em regiões como o sul do Brasil, onde o recurso está disponível, não é um problema, mas que isto precisa ser analisado em cada região”, comentou o geólogo.

Com uma visão mais crítica à tecnologia, o professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Fernando Scheibe, falou dos potenciais impactos às águas subterrâneas e superficiais da explotação de gás de folhelho por fraturamento hidráulico. “Uma das preocupações são os grandes volumes de água necessários, sendo que desse volume 40% retornam à superfície, poluídos por hidrocarbonetos e outros compostos e metais presentes na rocha e nos próprios aditivos químicos utilizados, exigindo técnicas de purificação e de descarte, incluindo nova injeção na rocha, que pode causar terremotos”, diz Scheibe.

Ele explicou ainda que há necessidade de mais estudos de impacto ambiental nas áreas onde a ANP poderá indicar a possibilidade de fraturamento hidráulico. Mostrando a situação no Brasil, ele citou processos que suspenderam os efeitos de concessões da ANP nas Bacias do Paraná, Piauí, Recôncavo Baiano e Acre. Ele comentou ainda sobre a venda e participação de empresas estrangeiras na exploração de recursos naturais no Brasil, em detrimento do trabalho desenvolvido pela Petrobrás.

Campanha Não Fracking Brasil alerta para os perigos do Fracking

Desde 2013, a campanha Não Fracking Brasil desenvolvida pela COESUS está chamando atenção para os riscos e perigos do Fracking. A mobilização começou quando em novembro daquele ano, a ANP realizou a 12ª Rodada e leiloou 240 blocos exploratórios terrestres com potencial para gás natural em sete bacias sedimentares: Acre, Parecis, São Francisco, Paraná, Parnaíba, Recôncavo e de Sergipe-Alagoas, todas com potencial para gás convencional e não convencional (gás de xisto).

“Agindo de forma sorrateira e quase clandestina, a ANP vendeu o subsolo de 372 cidades em 15 estados brasileiros para a indústria do fraturamento hidráulico, atingindo os nossos principais aquíferos, áreas de floresta e de preservação, territórios de comunidades tradicionais e povos indígenas e regiões de grande performance agrícola”, relembra Juliano.

A reação foi imediata. No Oeste do Paraná, na região de Toledo, Foz do Iguaçu e Cascavel, a campanha Não Fracking Brasil mobilizou lideranças da comunidade, políticas, religiosas, e gestores públicos, sindicatos rurais de agricultores e patronais, empresários academia e movimentos ambientais e sociais. “Começamos a informar a população dos riscos de contaminação para a água, solo e saúde das pessoas que a exploração deste combustível fóssil acarreta e conseguimos aprovar leis municipais que proíbem o Fracking nesses municípios”, conta.

Além de impedir que o fraturamento hidráulico aconteça no Brasil e avance na América Latina, a campanha Não Fracking Brasil defende o abandono dos combustíveis fósseis, poluente e injustos por natureza. “O Brasil tem um grande potencial para geração de energias renováveis, solar, eólica e de biomassa. Devemos investir na produção de energia livre, onde todos possam ganhar realmente, em dignidade para viver num ambiente saudável e num planeta seguro”, enfatiza Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina e coordenadora nacional da COESUS.

“Um absurdo a manipulação de informações”

Para a produtora rural e engenheira agrônoma Rosemary Zillmer, que acompanhou o debate transmitido ao vivo pela internet para Toledo, a superficialidade da argumentação focada no dinheiro revela a insensibilidade com a terra, as pessoas, com a vida e a clara intenção em manipular as pessoas.

“Um dos palestrantes mostrou completo desconhecimento da pujança econômica de nossa região, usando como argumento o baixo IDH de um município a ser impactado. Mais de 90% dos municípios do Oeste têm esse índice muito elevado, demostrando a clara intenção de manipular dados e as pessoas. Um absurdo isso, uma vez que cada cidade, por menor que seja, merece ter o direito a decidir sobre o seu futuro”, asseverou.

Rosemary disse ainda que “temos que nos mantermos unidos, informar o maior número de pessoas e pressionar os gestores nas esferas municipal e estadual para banirmos o Fracking de uma vez por todas do Brasil e desse planeta”.

Voluntária da campanha Não Fracking Brasil, Rosemary acredita que somente com informação poderemos vencer a luta contra a indústria dos combustíveis fósseis, “que tenta vender a ideia falsa de que todos ganharão com a exploração do gás de xisto. Sabemos que onde essas empresas se instalaram, há apenas destruição e morte. Não queremos isso para a nossa terra”.

Por Silvia Calciolari

Fotos e vídeo: COESUS/350Brasil

Fonte: Não Fracking Brasil

Temas: Petróleo

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