Brasil - Agrotóxicos: consumo desenfreado de venenos afeta cada vez mais brasileiros

Idioma Portugués
País Brasil

Uso frequente de pesticidas agrícolas nas lavouras brasileiras ameaça saúde humana. Diariamente, toneladas de alimentos são consumidos ao redor do mundo. Boa parte dessas comidas têm agrotóxicos em sua composição.

No Brasil, frutas, verduras, hortaliças, legumes e grãos entram na lista de alimentos que recebem generosas borrifadas de venenos agrícolas e são disponibilizados para os consumidores.

Alvo de discussões, o uso de agrotóxicos no país é tratado como “indispensável” pela indústria agrícola, sendo essencial para a produção de larga escala das lavouras. Estudiosos da área da saúde questionam a utilização de pesticidas de forma tão indiscriminada, afetando a saúde humana.

A professora do curso de Nutrição da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Islandia Bezerra explica que os agrotóxicos são substâncias químicas com a função de eliminar fatores indesejáveis para determinada cultura agrícola. Para ela, apesar da finalidade ser voltada para o controle de pragas, o poder nocivo dos agrotóxicos também pode ser sentido no organismo humano.

De acordo com levantamento feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), o contato com agrotóxicos pode provocar problemas neurológicos, motores e mentais, distúrbios de comportamento, infertilidade, impotência e câncer de diversos tipos. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) também reforça os efeitos sobre à saúde humana associados à exposição aos agrotóxicos. Entre os maiores problemas estão desregulação hormonal, malformações e abortos.

Os dados são preocupantes também quando mostrados na prática. Registros do Datasus, do Ministério da Saúde, apontam que no Brasil, morrem em média 790 pessoas por ano por causa da intoxicação por agrotóxicos. E mais de 5.500 pessoas são intoxicadas pelo produto.

Segundo o médico do Ministério Público do Trabalho do Paraná (MPT-PR) Elver Moronte existem duas formas de intoxicação: a aguda, quando existe contato com uma grande quantidade de agrotóxicos por ingestão, respiração ou pela pele; e a crônica, quando há o contato continuado, independente da quantidade, com o material. Segundo o médico, este último caso é o mais preocupante. Além de ser responsável por graves doenças, os tratamentos para pacientes crônicos são complicados.

Foto: Reprodução Viva Sem Veneno

Lídia Maria Bandacheski do Prado, de 42 anos, carrega em suas feições a tristeza causada por anos de forte exposição aos agrotóxicos. A fraqueza é evidente. O olhar é cabisbaixo. Em sua voz, é possível perceber o peso dos impactos de uma série de doenças que a acometeu ao longo dos anos.

Nascida e criada na roça, aos 6 anos de idade começou a trabalhar na aplicação de pesticidas em plantações de fumo no Paraná. Segundo Lídia, na época não existiam orientações sobre os riscos que o manuseio desses produtos poderia causar à saúde dos trabalhadores. A única informação que recebia era sobre o cuidado que deveria existir com as plantações. Por causa disso, ela lembra que problemas de saúde eram frequentes.

“Quando era criança, eu tinha diarreia e vômito. Os médicos diziam que era virose. Na adolescência, tive um quadro depressivo muito grande em que passava mal sempre, principalmente quando manipulava o agrotóxico. Já adulta, os problemas continuaram, e os médicos não conseguiam saber o que era ao certo. Não eram doenças comuns. Alguma coisa muito estranha estava acontecendo.”

Lídia só recebeu o diagnóstico em 2010. Os médicos e pesquisadores constataram que os anos de exposição direta com os agrotóxicos provocou a ela uma intoxicação crônica. Doenças como paralisia e o agravamento da depressão foram inevitáveis. O consumo de remédios dos mais variados é frequente e faz parte do seu cotidiano.

Hoje, ela faz parte da luta pelo banimento dos agrotóxicos no Brasil. Lídia integra a Associação Paranaense dos Expostos ao Amianto e Agrotóxico (APREAA) e faz questão de conscientizar a população sobre os malefícios que esses produtos podem trazer.

“Os agrotóxicos matam aos poucos, e eu não posso ficar calada em uma situação dessa. A vida precisa ser saudável e não dessa maneira. E eu quero contribuir para que as pessoas saibam o mal que esses venenos fazem, e não paguem com a vida como eu estou pagando.”

Além de ser o maior consumidor, o Brasil aumentou nos últimos 10 anos o mercado de agrotóxicos em 190%. Esses números expressivos podem ser explicados pelo modelo de agricultura adotado pelo país.

A produção brasileira nos campos é voltada para a produção de commodities – produtos em sua maioria matérias-primas, que são produzidas em larga escala e comercializadas internacionalmente – como a soja e o milho. Esse tipo de cultura agrícola utiliza muitos agrotóxicos na sua produção e isso faz com que o Brasil se destaque nesse meio mundialmente.

São técnicas voltadas ao lucro e prosperidade econômica, o que tem surtido efeito e representado uma importante fatia da economia nacional. Em 2017, o PIB, Produto Interno Bruto, registrou aumento de 1%, fruto da agricultura – um dos poucos setores que cresceu. Mas o preço para tudo isso pode custar caro. Para o professor do curso de Enfermagem Paulo Perna, um dos responsáveis pelo Observatório do Uso de Agrotóxicos da UFPR , já existem dados que comprovam a associação da causa de doenças graves pelo contato com agrotóxicos.

O surgimento de novas doenças atrelado ao uso de agrotóxicos também é alvo de pesquisas. Segundo o médico Elver Moronte, existem estudos comprovando que a aparição e o agravamento de doenças estão diretamente ligados ao consumo de agrotóxicos.

Em Curitiba, no Observatório do Uso de Agrotóxicos – grupo de extensão que procura estudar, por meio de pesquisas, e monitorar o uso de pesticidas – já existem avanços quanto as consequências que os agrotóxicos podem trazer para a saúde humana.

De acordo com o professor de Farmácia da UFPR e também membro do Observatório Marcelo Silva, apesar do andamento das análises, o maior desafio dos pesquisadores é justamente comprovar os malefícios dos agrotóxicos, já que na maioria dos casos as consequências surgem anos após o contato com os produtos.

LEGISLAÇÃO

Está em discussão na comissão especial da Câmara dos Deputados, em Brasília, o Projeto de Lei 6299/02, que trata da regulação, distribuição e controle do uso de agrotóxicos no Brasil. O texto prevê alterações na atual legislação e vem gerando debate entre pesquisadores, indústria e agências regulatórias. Entre as propostas estão mudanças na aprovação de registros de novos produtos, e até mesmo na denominação dos agrotóxicos.

Diante das possíveis modificações, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estão entre os maiores questionadores do projeto. Segundo eles, com as mudanças tanto a Agência quanto o Instituto perderiam autonomia e competência da regulação dos agrotóxicos.

Entre as propostas, uma nova nomenclatura para os agrotóxicos está sendo discutida. O texto da nova lei prevê que o termo “produto fitossanitário” comece a ser usado para denominar os produtos químicos usados na agricultura. Para o professor Marcelo Silva, essa proposta é preocupante.

“Trocando o nome, as pessoas vão acabar comprando esses produtos de forma ainda mais indiscriminada e nem vão ter ideia do que estão levando para casa. Além disso, outros problemas podem surgir como testes com outros produtos já proibidos em vários países”, encerra.

Questionada pela reportagem sobre o projeto de lei, a assessoria de imprensa do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) defende que a alteração na legislação é importante para a modernização do setor e para a preservação da saúde do trabalhador rural.

“Um dos aspectos que norteia a revisão da lei é a Avaliação do Risco. Trata-se de uma técnica regulatória para o registro de defensivos agrícolas que avalia os produtos em condições de uso, e que tem como foco a segurança do trabalhador no campo, a saúde do consumidor e os aspectos ambientais.” O sindicato ainda destacou que a alteração não exclui o rigor científico e a transparência no processo de registros, essenciais para a segurança e o desenvolvimento da indústria nacional.

Por Leonardo Gomes

Fonte: Capital da Noticia

Temas: Agrotóxicos, Salud

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