Brasil: José Alencar assina MP para liberar transgênicos. Mas... ¡¡MP não livra agricultores da ilegalidade!!, por Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos

"O agricultor será responsabilizado por qualquer dano ambiental provocado pela soja transgênica, inclusive pela contaminação da lavoura do vizinho. E fica ainda sujeito a pagar os já anunciados royalties da Monsanto, ou pior, pagar indenização em valor muito superior ao que seria pago como royalty"

Boletim Número 178 - 26 de setembro de 2003

Levantamo-nos todos a manhã do 26 com a tão indesejada notícia de que, enfim, o presidente interino José Alencar assinou a Medida Provisória 131, que autoriza o plantio de soja transgênica no Brasil na safra 2003/2004.

Antes de seguir com a análise da MP, gostaríamos de agradecer o empenho de todos os que mandaram e-mails a José Alencar, ao presidente Lula e aos ministros e flores à ministra Marina Silva. Se por um lado não conseguimos impedir que a MP fosse publicada, por outro conseguimos pressionar e constranger o governo como jamais se havia visto neste campo e fomos capa dos principais jornais do País, chamando a atenção para a complexidade do tema e para tantos problemas que o governo insistiu em esconder.

E, acreditem, tudo isso não foi em vão. A sociedade está agora mais sensibilizada para o problema dos transgênicos e já temos mais força para enfrentar os importantes processos que se seguem: a finalização do projeto de lei do governo sobre o tema e sua posterior tramitação no Congresso, além da tramitação da própria MP 131 no Congresso.

Mais que isso, toda a mobilização alcançada ao longo desta semana e o esforço da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, apoiada por outros ministros em complicadas negociações, resultaram em enormes transformações no texto da Medida Provisória assinada ontem à noite. Sabemos que era incomparavelmente pior o texto proposto há uma semana, quando Lula convocou o governador Germano Rigotto (RS), quatro parlamentares favoráveis aos transgênicos e o secretário-executivo do Ministério da Agricultura para decidir a questão. Diga-se de passagem, aquele texto só não foi assinado naquele dia por pressão de Marina Silva.

Analisando o texto da MP 131, publicada no Diário Oficial de hoje, 26 de setembro, encontramos aparentes absurdos que, quando analisamos com cuidado, chegamos à surpreendente constatação: a MP não livrou da ilegalidade os agricultores que decidirem plantar soja transgênica este ano!

Vejam: a Medida Provisória permite que agricultores plantem sementes guardadas por eles próprios a partir do cultivo ilegal de soja transgênica na safra passada. Ou seja, fica proibido comercializar sementes transgênicas ou adquiri-las de qualquer forma. O agricultor só poderá utilizar a semente própria, por ele multiplicada.

Para comercializar a soja oriunda dessa semente transgênica, o agricultor terá que assinar um Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta, popularmente chamado de TAC (abreviação de Termo de Ajustamento de Conduta). O TAC exigido pelo governo foi também publicado hoje no Diário Oficial da União como anexo ao Decreto que regulamenta a MP e deverá ser firmado pelos agricultores que utilizaram ou vierem a utilizar as sementes transgênicas num prazo de até 30 dias da publicação do Decreto (ou seja, 30 dias a partir de hoje).

O agricultor que plantar a semente transgênica e não assinar o TAC estará ?ilegal?, ou seja, cometendo ato ilícito.

Isto está ressaltado no próprio TAC, que traz em seu primeiro ?considerando? a frase: ?Considerando ser proibido o plantio de sementes de soja que contenham organismo geneticamente modificado sem o cumprimento das exigências dispostas na Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995 (a Lei de Biossegurança); (...)?.

Mais adiante, aparece o seguinte:
?O Compromissado (o agricultor) declara a ciência de que o plantio de sementes de soja geneticamente modificada sem o cumprimento das exigências dispostas na Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, constitui ato ilícito administrativo, sujeito às cominações da lei?.

Porém, para assinar o TAC e poder plantar sua semente transgênica ?legalmente?, o agricultor declara estar usando semente obtida de sua própria lavoura da safra 2002/03, plantada ilegalmente com soja transgênica.

Mas a MP 131 não anistia crimes passados -- e nem poderia (pois medida provisória não pode tratar de Direito Penal)

Ou seja, a MP não libera o agricultor do crime cometido anteriormente. Na prática isto significa que o agricultor poderá ser processado por ter descumprido a lei no ano passado. E como ele terá confessado o crime na assinatura do TAC, ele sequer poderá voltar atrás e tentar dizer que não havia plantado soja transgênica. Ele poderá ser julgado por descumprimento da Lei de Biossegurança, da Lei de Crimes Ambientais, da Resolução 305 do Conama, da decisão judicial, enfim pelo descumprimento de toda a legislação vigente. Isto envolve até processo penal.

Há ainda um aspecto mais absurdo desta situação: como o governo estará ciente de que o agricultor cometeu crime -- pois ele terá confessado isso perante a União Federal --, em tese, o Ministério Público estaria obrigado a processar o agricultor. E as pessoas do governo, especialmente os funcionários do Ministério da Agricultura, que tiverem acesso a estas informações poderão incorrer em crime de prevaricação caso não informem o Ministério Público sobre a ocorrência dos ilícitos.

Compreendam então o resumo da ópera: o agricultor que decidir plantar a semente transgênica e não assinar o TAC estará cometendo crime -- não estará protegido pela lei. E o agricultor que assinar o TAC para plantar a soja transgênica estará se confessando criminoso e sujeito a todas as penalidades previstas em lei.
Esta MP 131 é ?chave de cadeia?!

O resultado é que a única decisão de juízo dos agricultores que estiverem planejando usar sementes transgênicas este ano é mudar de idéia e comprar sementes convencionais em qualquer casa agropecuária -- à disposição em quantidade mais do que suficiente no estado do Rio Grande do Sul.

Em verdade, os riscos para o agricultor que quiser plantar soja transgênica não param por aí.

O texto da MP também traz em seu oitavo artigo:
?Sem prejuízo da aplicação das penas previstas na legislação vigente, os produtores de soja que contenha organismo geneticamente modificado que causarem danos ao meio ambiente e a terceiros, inclusive quando decorrente de contaminação por hibridação, responderão, solidariamente, pela indenização ou reparação integral do dano, independentemente da existência de culpa?.
E na cláusula nona diz que ?O Compromissado responderá por perdas e danos se der causa à contaminação de soja convencional por organismo geneticamente modificado?.

No artigo nono, a MP determina que:
?É de exclusiva responsabilidade do produtor ou fornecedor de soja o eventual pagamento de indenização ao titular do direito de propriedade industrial relativo à exploração indevida de sementes de soja que contenham organismo geneticamente modificado protegido pela legislação em vigor?.

Vejam: o agricultor será responsabilizado por qualquer dano ambiental provocado pela soja transgênica, inclusive pela contaminação da lavoura do vizinho. E fica ainda sujeito a pagar os já anunciados royalties da Monsanto, ou pior, pagar indenização em valor muito superior ao que seria pago como royalty. E o TAC é a prova de que houve violação da patente, não só nesta, como na safra passada.

A Medida Provisória determina ainda uma série de outras restrições, como a proibição das sementes transgênicas a serem plantadas cruzarem fronteira de estado, ainda que para plantio em propriedade do mesmo agricultor que as produziu, o prazo para a comercialização da safra até dezembro de 2004 e a necessidade de informar ao comprador/consumidor a possibilidade ocorrência de transgênicos.

O descumprimento do disposto no TAC implicará ao agricultor multa de R$ 16.110,00, acrescida de 10% por tonelada ou fração de soja produzida, limitada ao dobro do valor da safra estimada (sem prejuízo de outras cominações civis, penais e administrativas previstas em lei).

O Ministério da Agricultura ficou obrigado a publicar, no prazo de 180 dias, ato identificando as regiões do País em que se tenha verificado a presença de transgênicos. Ou seja, em tese, teremos um mapa da soja transgênica no Brasil.

Próximos passos

Uma vez publicada no Diário Oficial, a MP tramitará no Congresso Nacional (da mesma forma como tramitou a MP 113) e tem um prazo de 60 dias para ser votada e convertida em lei ou derrubada. No processo de tramitação os parlamentares também podem alterar o texto, votando um projeto de lei de conversão desta MP.

Mas, muito antes disso, a MP será questionada na Justiça.

Segundo declararam ao longo desta semana o Ministério Público Federal, a Associação dos Juízes Federais, a Associação Nacional dos Procuradores, o Desembargador Antônio Prudente -- autor da sentença que proibiu a liberação de transgênicos no País sem a realização dos estudos de impacto à saúde e ao meio ambiente --, entre outros juristas, a Medida Provisória é ilegal sob vários aspectos.

Ela viola uma decisão judicial vigente no País, viola a Resolução 305 do Conama, que determina a necessidade do Licenciamento Ambiental previamente a qualquer liberação de transgênicos, e a própria Constituição Federal, que em seu artigo 225 determina a necessidade do EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto no Meio Ambiente) para empreendimentos potencialmente degradadores do meio ambiente.

Diante disso, o Ministério Público Federal já declarou que ajuizará uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), visando à impugnação da MP. O Partido Verde também declarou que ajuizará sua ADIN. E a Associação de Juízes Federais estuda se fará o mesmo. É possível que ainda outras entidades queiram segui-los (não são todas as organizações que têm legitimidade na Constituição Federal para ajuizar ADINs). Quem avaliará estas ações é o Supremo Tribunal Federal (STF).

O Greenpeace já está avaliando o caso e deverá adotar outras medidas judiciais para exigir o cumprimento das decisões judiciais que estão em vigor.

Enfim, diante deste cenário jurídico-legal, podemos dizer que somente agricultores loucos deveriam se dispor a plantar sementes transgênicas este ano.

Veja o texto da MP 131 e o Decreto 4.846, que apresenta o TAC, no site www.in.gov.br

Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos
E-mail: rb.gro.atpsa@socinegsnartedervil

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