Brasil: carta do MST e CUT ao Presidente sobre Protocolo de Cartagena

Idioma Portugués
País Brasil

Os argumentos veiculados pela grande mídia, favoráveis ao “pode conter”, caracterizam-se por seu conteúdo estritamente econômico, suas preocupações exclusivamente corporativas e pela ausência de qualquer discernimento acerca dos graves problemas e questões de ordem socioambiental. São argumentos que se baseiam numa perspectiva puramente mercantil

Ao Exmo. Sr.
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República

CC:
Exma. Sra. Marina Silva
Ministra de Meio Ambiente (MMA)

Exmo Sr. Celso Amorim
Ministro de Relações Exteriores (MRE)

Exmo. Sr. Sergio Rezende
Ministro de Ciências e Tecnologia (MCT)

Ref: Protocolo de cartagena sobre biossegurança

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

Entre os dias 13 a 17 de fevereiro teremos o privilégio de sediar em nosso país a Terceira Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança – MOP3. Será um encontro de grande importância, no qual serão debatidos temas vitais à saúde humana e ao meio ambiente, com o objetivo de avançar rumo a uma versão mais definida do Protocolo de Cartagena. O Brasil, na sua condição de anfitrião, está numa posição ímpar para contribuir nesse processo, e temos certeza que irá cumprir um papel importante e destacado.

Entre os vários temas em pauta, está a questão decisiva e polêmica da identificação e rotulagem do conteúdo das commodities agrícolas, indicando a presença ou não de OVMs (Organismos Vivos Modificados). Duas alternativas têm estado no centro dos debates. Uma delas propõe a indicação da presença de OVMs nas commodities pela fórmula “pode conter OVMs”, enquanto outra propõe a indicação categórica de que “contém OVMs”. A diferença entre as duas é evidente. Uma não afirma de forma clara a presença de OVMs, apenas indica que pode haver. A outra é transparente na indicação da presença de OVMs.

Pode parecer uma questão menor, sem maiores incidências, mas não é. É tão relevante que tem suscitado uma polêmica acirrada. No Brasil, entidades como a Abag (Associação Brasileira do Agrobusiness) e a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) têm argumentado veementemente pela fórmula do “pode conter”, enquanto que movimentos sociais, ONGs ambientalistas e outras tantas entidades da sociedade civil têm se posicionado pelo “contém OVMs”.

Até este momento, o governo brasileiro não se posicionou a respeito, e sabemos que uma das razões é a dúvida que paira com respeito às duas formulações distintas.

Por considerarmos que esse debate é de crucial importância, não poderíamos deixar de apresentar as nossas posições e argumentos, contribuindo para o esclarecimento necessário acerca das implicações e conseqüências subjacentes às alternativas em questão, sob o ponto de vista do mundo do Trabalho.
A identificação do conteúdo das commodities diz respeito ao direito inalienável de qualquer pessoa ou população poder escolher os produtos que consome. Um direito de proteger a sua saúde de produtos que podem causar danos, neste caso os produtos transgênicos sobre os quais não há ainda conclusões científicas definitivas.

A liberdade de escolha, porém, requer informações claras que possibilitem a qualquer cidadão ou cidadã escolher e saber o que está consumindo. Este é um princípio básico cuja importância é ainda maior quando se trata de produtos agrícolas que serão ingeridos e que, portanto, se integrarão aos nossos organismos de várias formas possíveis.

Não há portanto, qualquer intenção de “segregação” de produtos com OVMs, mas tão somente a defesa da saúde humana a partir do princípio da precaução e do direito à informação que garanta o exercício da escolha. E neste sentido, não resta dúvida alguma de que a identificação e a rotulagem devem ser transparentes e claras, sem deixar margem a quaisquer dúvidas.

Nas últimas semanas, a grande mídia tem veiculado muitas matérias e artigos, com o claro intuito de influenciar a posição oficial do governo federal, refletindo e expressando as opiniões de entidades como a Abag e Anbiove e outros defensores dos setores do agronegócio que têm no Sr Ministro Roberto Rodrigues um lídimo representante de seus interesses.

Argumenta-se que o “contém OVMs” implicaria em um padrão de exigência de realização de análises e testes adicionais que acabariam encarecendo a mercadoria e, em conseqüência, prejudicando a competitividade das empresas brasileiras. Tais argumentos merecem ser discutidos seriamente.

A tese do encarecimento das commodities é apresentada de forma exagerada. No caso da produção de transgênicos, deve-se considerar que para a soja Roundup Ready já há um sistema de rastreabilidade implementado no país que visa o recolhimento de royalties. Ou seja, o uso de sementes patenteadas traz consigo a lógica da rastreabilidade, seja para a venda da semente, seja para o controle do destino da produção.

No caso da identificação exigida pelo Protocolo de Cartagena, os custos para a realização de testes significariam, certamente, um aumento no preço das commodities, mas uma análise cuidadosa nos mostra que o acréscimo, no caso da soja, seria pequeno, algo em torno de 0,02% por tonelada. Se a preocupação principal dos defensores do “pode conter” é o custo, acreditamos que seria mais eficiente realizar esforços para se impedir as perdas, no caso da soja brasileira, que ocorrem no transporte entre as zonas produtoras e os portos, estimadas em cerca de 20% do volume deslocado.

Os argumentos veiculados pela grande mídia, favoráveis ao “pode conter”, caracterizam-se por seu conteúdo estritamente econômico, suas preocupações exclusivamente corporativas e pela ausência de qualquer discernimento acerca dos graves problemas e questões de ordem socioambiental. São argumentos que se baseiam numa perspectiva puramente mercantil, que tem como princípio e fim a lógica dos custos e dos lucros.

Contudo, para nós, dos movimentos sociais, é a questão vital da saúde humana que está em jogo. É o bem estar da maioria da população, não de poucos. Afinal, não somos apenas um país de exportadores. Aliás, estes compõem uma parcela ínfima da população do país. Somos, antes de mais nada, um país com mais de 170 milhões de consumidores que se alimentam todos os dias, e que para tanto necessita também importar alimentos. E o mesmo pode ser dito dos nossos irmãos e irmãs de tantos outros países. A vida humana não cabe nas planilhas de cálculos das empresas agroexportadoras. E a saúde e o bem estar do povo brasileiro são bens cujo valor transcende qualquer superávit na balanças comercial, por maior que seja.

Como poderemos ficar tranqüilos quanto ao bem estar e saúde da população brasileira se a identificação das commodities, cujo destino é a mesa de trabalhadoras e trabalhadores, for um vago “pode conter OVMs”? É sempre bom lembrar que casos como o ocorrido há pouco no México, quando houve a contaminação de milho para consumo humano pelo transgênico Starlink destinado à ração animal, não estão descartados. E uma definição frouxa e vaga que não exija os exames e testes necessários, coloca em risco a saúde da população ao torná-la vulnerável diante de situações que podem ser danosas e mesmo catastróficas.

Ao governo brasileiro caberá um papel destacado na definição desta que será a principal questão durante a reunião do Protocolo, pois sabemos que seu posicionamento, qualquer que seja, terá repercussão e influência imediata em toda a comunidade internacional e nacional.

Por todas essas razões nos dirigimos à Vossa Excelência solicitando um posicionamento do governo brasileiro, que esteja em sintonia com os interesses da população brasileira e dos seus movimentos e organizações sociais. Um posicionamento, portanto, categoricamente favorável à fórmula “contém OVMs”.

Atenciosamente,

João Antonio Felício
Presidente da CUT nacional

João Pedro Stédile
Direção Nacional do MST

Artur Henrique da Silva Santos
Secretário Geral da CUT

Altacir Bunde
Direção Nacional do MPA

Temístocles Marcelos Neto
Comissão Nacional do Meio Ambiente – CUT

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