Brasil: em defensa do III Programa Nacional de Direitos Humanos

O III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), lançado pelo Governo Federal em 21/12/2009, tem sido fortemente atacado por setores conservadores da sociedade. Seu processo de elaboração envolveu grande participação popular, consultas públicas e conferências municipais, estaduais e nacional, com a presença de 14.000 representantes do poder público e da sociedade civil.

Entre outros, muito destaque tem sido dado pela imprensa ao levante dos ruralistas: para o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, “o documento gera ‘insegurança jurídica’ por flexibilizar as regras para reintegração de posse de propriedades invadidas e gera ‘preconceito’ contra a agricultura comercial.” Kátia Abreu, porta voz do agronegócio, presidente da CNA (Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil) e senadora pelo DEM, vociferou críticas no mesmo sentido ( Globo.com, 08/01).

Do outro lado -- mas sem destaque na grande imprensa --, diversas organizações da sociedade civil têm manifestado amplo apoio ao Programa em sua íntegra.

As entidades esclarecem que, ao contrário do que tentam fazer crer os opositores do Programa, seu processo de elaboração envolveu grande participação popular, consultas públicas e conferências municipais, estaduais e nacional, com a presença de 14.000 representantes do poder público e da sociedade civil. O texto preliminar do Programa esteve disponível na internet para consulta e opinião por seis meses (desde julho último). Além disso, o decretoque o criou foi assinado pela maioria dos ministérios -- inclusive o da Agricultura! Só a Defesa não o assinou.

Cabe também destacar que o elemento mais atacado pelos ruralistas no Programa trata-se da iniciativa tida como a mais exitosa para reduzir conflitos no campo: “a utilização da mediação como ato inicial das demandas de conflitos agrários e urbanos, priorizando a realização de audiência coletiva com os envolvidos, com a presença do Ministério Público, do poder público local, órgãos públicos especializados e Polícia Militar”.

O texto prevê a criação de um projeto de lei para institucionalizar a utilização da mediação de conflitos no campo, e diz que ela será utilizada “como medida preliminar à avaliação da concessão de medidas liminares, sem prejuízo de outros meios institucionais para solução de conflitos.”

Embora a mediação seja de longe a melhor forma de conduzir não só estes, mas qualquer tipo de conflito, ela é inaceitável aos latifundiários do agronegócio, que, através de infinitas declarações, demonstram sequer aceitar o conceito de “função social da propriedade”, garantido pelo Art. 186 da Constituição.

Conforme artigo do jurista Fábio Konder Comparato, os PNDHs anteriores, ambos da época de FHC, propuseram leis semelhantes e até mais avançadas, mas curiosamente não geraram a mesma grita nem tiveram o mesmo destaque na imprensa.

Mas há outros elementos importantes no Programa. O texto aborda, de forma progressista e coerente, os transgênicos, os agrotóxicos, as monoculturas e a agroecologia.

Entre outras ações, o texto propõe: “fomentar o debate sobre a expansão de plantios de monoculturas que geram impacto no meio ambiente e na cultura dos povos e comunidades tradicionais” (citando nominalmente o eucalipto, a cana-de-açúcar e a soja); “garantir que nos projetos de reforma agrária e agricultura familiar sejam incentivados os modelos de produção agroecológica”; “garantir pesquisa e programas voltados à agricultura familiar e pesca artesanal, com base nos princípios da agroecologia”; e “fortalecer a legislação e a fiscalização para evitar a contaminação dos alimentos e danos à saúde e ao meio ambiente causados pelos agrotóxicos”.

Especificamente no campo dos transgênicos, o texto propõe “garantir a aplicação do princípio da precaução na proteção da agrobiodiversidade e da saúde, realizando pesquisas que avaliem os impactos dos transgênicos no meio ambiente e na saúde” e “desenvolver e divulgar pesquisas públicas para diagnosticar os impactos da biotecnologia e da nanotecnologia em temas de Direitos Humanos”.

Ao abordar estes temas, o PNDH 3 realça o fato de que os transgênicos, assim como outras tecnologias (novas ou não), estão longe de ser questões meramente científicas: são também de direitos humanos, uma vez que envolvem temas como acesso à alimentação, saúde e meio ambiente. Ou seja, busca-se explicitar as consequências do modelo predominante de ocupação do espaço e de uso dos recursos naturais, que tanto se tenta abafar com a alegação de tratar-se de um “debate técnico”.

É verdade que as ações agora propostas, a maioria prevista em lei ou na própria Constituição Federal, já deveriam estar sendo implementadas há muitos anos. Mas o fato de elas aparecerem articuladas no Programa se apresenta como instrumento importante para que a sociedade siga mobilizada e cobrando das autoridades a efetivação de seus direitos.

- Leia a íntegra do Decreto 7.037/09, que aprova o Programa Nacional de Direitos Humanos, aqui

- Leia abaixo a reprodução dos trechos que tratam dos transgênicos, agrotóxicos, monoculturas e agroecologia:

DECRETO Nº 7.037, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2009

Eixo Orientador II: Desenvolvimento e Direitos Humanos:

a)Diretriz 4: Efetivação de modelo de desenvolvimento sustentável, com inclusão social e econômica, ambientalmente equilibrado e tecnologicamente responsável, cultural e regionalmente diverso, participativo e não discriminatório;

Objetivo estratégico I: Implementação de políticas públicas de desenvolvimento com inclusão social.

Ações programáticas:

g) Fomentar o debate sobre a expansão de plantios de monoculturas que geram impacto no meio ambiente e na cultura dos povos e comunidades tradicionais, tais como eucalipto, cana-de-açúcar, soja, e sobre o manejo florestal, a grande pecuária, mineração, turismo e pesca

Objetivo estratégico II: Fortalecimento de modelos de agricultura familiar e agroecológica.

Ações programáticas:

a) Garantir que nos projetos de reforma agrária e agricultura familiar sejam incentivados os modelos de produção agroecológica e a inserção produtiva nos mercados formais.

c) Garantir pesquisa e programas voltados à agricultura familiar e pesca artesanal, com base nos princípios da agroecologia.

d) Fortalecer a legislação e a fiscalização para evitar a contaminação dos alimentos e danos à saúde e ao meio ambiente causados pelos agrotóxicos.

e) Promover o debate com as instituições de ensino superior e a sociedade civil para a implementação de cursos e realização de pesquisas tecnológicas voltados à temática socioambiental, agroecologia e produção orgânica, respeitando as especificidades de cada região.

Objetivo estratégico III: Fomento à pesquisa e à implementação de políticas para o desenvolvimento de tecnologias socialmente inclusivas, emancipatórias e ambientalmente sustentáveis.

Ações programáticas:

b) Garantir a aplicação do princípio da precaução na proteção da agrobiodiversidade e da saúde, realizando pesquisas que avaliem os impactos dos transgênicos no meio ambiente e na saúde.

c) Fomentar tecnologias alternativas para substituir o uso de substâncias danosas à saúde e ao meio ambiente, como poluentes orgânicos persistentes, metais pesados e outros poluentes inorgânicos.

e) Desenvolver e divulgar pesquisas públicas para diagnosticar os impactos da biotecnologia e da nanotecnologia em temas de Direitos Humanos.

Campanha Brasil Ecológico, Livre de Transgênicos e Agrotóxicos
Boletim Número 473 - 15 de janeiro de 2010
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Temas: Transgénicos

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