Brasil: para que a lei de biossegurança não seja piorada

Lei de biossegurança: pressionada pelos ruralistas e por demais setores pró-transgênicos, a Casa Civil mostrou estar disposta a abreviar o debate em torno do decreto e cancelar a reunião do CNBS que definiria pontos centrais do texto, como a definição do processo de escolha de cientistas para a comissão e o quorum necessário para liberação comercial de produtos transgênicos

Car@s Amig@s,

Diversas organizações da sociedade civil enviaram em junho deste ano um ofício ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) solicitando a revogação integral do parecer 530/2005 da CTNBio que autorizava a importação, pela Associação Avícola de Pernambuco (Avipe), de milho transgênico para fabricação de ração para aves. Este parecer foi parcialmente revogado pelo Conselho Nacional de Biossegurança em razão de a CTNBio ter liberado a importação de uma variedade de milho transgênico que sequer havia sido solicitada pela Avipe e de ter previamente autorizado pedidos de importação de mesma natureza.

Entre outros pontos, as organizações argumentaram que uma notícia publicada no jornal Folha de São Paulo no dia 23 de maio de 2005 (traduzida do jornal inglês The Independent) relatou que estudos comprovaram que "Ratos alimentados com uma dieta rica em milho geneticamente modificado desenvolveram anormalidades em seus órgãos internos e alterações em seu sangue". Este fato deveria dar ensejo a uma nova avaliação pela Comissão, já que a variedade do estudo é cultivada experimentalmente e para produção de sementes na Argentina e pode estar presente nas importações daquele país.

As organizações também argumentaram que não havia no Brasil falta de milho convencional - motivo usado na justificativa "técnica" da CTNBio - sendo desnecessária a importação de milho transgênico da Argentina. Ademais, à CTNBio não compete decidir sobre matéria comercial.

Em resposta às organizações, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança elaborou uma "Nota Técnica" com uma série de impropriedades e demonstrando uma postura profundamente antidemocrática no que se refere às decisões sobre Biossegurança.

A "Nota Técnica", assinada pelo sr. Jairon do Nascimento (ex-coordenador geral da CTNBio) contém expressões como "... o argumento apresentado é desprovido de fundamentação técnica compatível com o nível científico dos membros da CTNBio", "Ora, o método científico, ao que parece desconhecido pelos autores da carta, é considerado o meio mais seguro para se chegar a conclusões."

Além disso, a "Nota Técnica" em uma argumentação absurda, atribui ao IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor -, a introdução ilegal de soja no país, nos seguintes termos:

"(...) No entanto, sua comercialização foi impedida por uma ação judicial que demorou mais de seis anos para ser resolvida e, cansados de esperar, os agricultores, vizinhos da Argentina, decidiram plantar essa soja em suas terras. Portanto, fica claro que a introdução ilegal de soja no país deve-se grandemente à ação impetrada pelo Instituto de Defesa do Consumidor (grifo nosso) - IDEC, que no mínimo atrasou a avaliação pós-comercial da variedade de soja epsps. Todavia, mesmo o uso ilegal desta tecnologia revelou não haver quaisquer efeitos deletérios ao meio ambiente e à saúde humana. Desta forma, o IDEC contribuiu indiretamente para o avanço da ilegalidade no país (grifo nosso) e de outro revés, para provar que a tese de risco por ele defendida estava errada. (...)"

A postura autoritária em relação à sociedade civil é claramente expressa na resposta: "... é lamentável que instituições de patriotismo duvidoso (grifo nosso) tentem ameaçar o desenvolvimento científico e tecnológico e as inovações do país."

O mais surpreendente é que o Ministério da Ciência e Tecnologia, através do sr. Jairon do Nascimento, desqualifica o papel do CNBS, no qual o próprio MCT tem assento, afirmando que "o Conselho, formado por Ministros e não por cientistas, tomou sua decisão desconhecendo os aspectos técnicos da matéria". As decisões sobre transgênicos devem ser de exclusividade de pesquisadores?

Esta não é a opinião do Ministério da Saúde, que, na resposta às organizações da sociedade civil deixou claro que "o CNBS tomou as providências cabíveis em relação à presente situação e de acordo com o recurso apresentado pelo Ministério da Saúde e Meio Ambiente". O recurso apresentado ao CNBS por estes dois ministérios pediu a revogação integral do parecer da CTNBio.
Para uma comissão intitulada "técnica" e de "biossegurança", a aprovação de matérias que desconsideram as preocupações e os argumentos levantados pelos órgãos da Saúde e do Meio Ambiente é, no mínimo, temerária. Manobrando ou mesmo ignorando o regimento interno da Comissão, esse tipo de situação se repete desde que a CTNBio aprovou, sem quorum suficiente, o pedido da Monsanto para "desregulamentar" o uso de sua soja resistente a herbicida.

Com a aprovação da nova lei de biossegurança (11.105/05) a CTNBio será ampliada e recomposta. Isso por si só não garante que ela deixará de ser uma câmara de promoção da biotecnologia para passar a avaliar a segurança de produtos transgênicos com maior rigor e isenção. Uma possível reorientação desta comissão dependerá dos termos que ganhar o decreto de regulamentação da lei, que a Casa Civil negocia a portas fechadas (pelo menos para a sociedade civil) com os ministérios.

Pressionada pelos ruralistas e por demais setores pró-transgênicos, a Casa Civil mostrou estar disposta a abreviar o debate em torno do decreto e cancelar a reunião do CNBS que definiria pontos centrais do texto, como a definição do processo de escolha de cientistas para a comissão e o quorum necessário para liberação comercial de produtos transgênicos. Do que depender da Agricultura, da Casa Civil e do ministério de Ciência e Tecnologia, não deverá sair a prometida consulta pública. Para que a lei de biossegurança não seja piorada, será fundamental agora a atuação de ministérios alinhados ao princípio da precaução, como o do Meio Ambiente, o do Desenvolvimento Agrário e a Secretaria de Aqüicultura e Pesca.

Documentos para consulta:
Carta das Organizações ao Conselho Nacional de Biossegurança - 25/05/2005

Resposta do Ministério de Ciência e Tecnologia/CTNBio - 03/08/2005

Resposta das organizações ao Ministério da Ciência e Tecnologia - 10/10/2005

Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos
Boletim Número 275 - 20 de outubro de 2005
E-mail: rb.gro.atpsa@socinegsnartedervil

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