Desmontando mitos que alimentam os preconceitos contra a ocupação humana da Amazônia

Idioma Portugués
País Brasil

A Rede GTA considera que a revisão da pré-história amazônica não é apenas um assunto acadêmico, mas também político ao mudar os preconceitos formados sobre as comunidades da floresta e que permanecem vivos até hoje na atitude de muitos setores dos governos e da sociedade

(GTA) - O arqueólogo James Brant Petersen, do projeto Amazônia Central, foi assassinado na noite de sábado durante um assalto a um restaurante de beira de estrada em Iranduba (AM), cidade a vinte quilômetros de Manaus. Considerado um dos líderes da revisão histórica sobre as civilizações indígenas existentes antes da chegada dos homens brancos, estava trabalhando com uma equipe de mais de 30 pessoas na principal pesquisa arqueológica sistemática na floresta. Em parceria com Eduardo Neves e Michael Heckenberger, o projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e era desenvolvida em dois sítios novos de cerâmicas pré-históricas no Lago do Limão.

A relevância do trabalho dos arqueólogos é destacada por entidades comunitárias e técnicas ligadas à Rede GTA. "Foi uma perda estúpida", afirma Sila Mesquita, coordenadora do coletivo regional GTA Médio Amazonas.

O trabalho arqueológico desenvolvido por essa equipe vem desmontando mitos que alimentam os preconceitos contra a ocupação humana da Amazônia desde, pelo menos, 12 mil anos atrás. Ao contrário da noção de uma selva de solos pobres, onde comunidades não poderiam sobreviver em populações muito grandes e popularizada nos anos 50 pela estadunidense Betty Meggers (que via as belíssimas cerâmicas do Marajó como resultado de migrações frustradas dos Andes), os novos trabalhos arqueológicos têm apontado em uma direção totalmente diferente.

As cerâmicas do Tapajós e do Marajó, por exemplo, indicam que sociedades indígenas desenvolveram organizações avançadas. Até mesmo na Terra Indígena do Xingu, em Mato Grosso, uma parceria entre pesquisadores científicos e indígenas mostrou que existem vestígios de largas "avenidas" e ruínas no meio da mata. Essa parceria com pesquisadores nativos do povo Kuikuro é uma amostra também do avanço ético desse grupos de pesquisadores na relação com as comunidades locais.

O mistério ainda permanece: o modelo de ocupação antes da chegada dos europeus ainda não está claro e sua destruição pode ter relações com limites naturais (como outras do recente livro Colapso) ou com a própria violência das armas e dos vírus trazidos pelos europeus de outro ecossistema.
Essa colaboração entre especialistas acadêmicos do Brasil e dos Estados Unidos que contestaram as teses tradicionais vem virando de cabeça para baixo a arqueologia na Amazônia, como descreve Cláudio Angelo na Folha de São Paulo.

Alguns estudiosos chegaram a propor que os assentamentos humanos amazônicos eram densos e duraram centenas de anos. A alta densidade demográfica foi demonstrada pelos três, confirmando as suspeitas antigas de que as "terras pretas de índio" (solos bastante férteis na floresta, e presentes também em Iranduba) eram vestígios de acúmulo de material orgânico utilizado em aldeias, vilas ou cidades indígenas. Mas a permanência prolongada das aldeias ainda não foi comprovada.

Para Heckenberger, o trabalho vai continuar mesmo exigindo novos cuidados. "Estou cada vez mais cauteloso. Não é só o Brasil. Hoje você pode ser explodido até em um metrô em Londres ou Nova York, por exemplo. O mundo está muito maluco".

A Rede GTA considera que a revisão da pré-história amazônica não é apenas um assunto acadêmico, mas também político ao mudar os preconceitos formados sobre as comunidades da floresta e que permanecem vivos até hoje na atitude de muitos setores dos governos e da sociedade.

Edição: José Arnaldo de Oliveira - GTA

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