E agora, o que fazer com a confirmação de dano à saúde causado pelo milho Bt?

Ainda mais grave que a informação sobre o dano causado pelo consumo de milho transgênico é imaginarmos o que mais podem nos revelar os arquivos da Monsanto e daqueles que obtiveram licença para pesquisar organismos com patentes da empresa

s@raC s@gima,

Aa "ausência de evidência de risco" sempre foi usada como "sinônimo de segurança" para o lobby pró-transgênicos promover seus produtos. Aqui essa história colou, tanto é que a nova Lei de Biossegurança requer processos sumários de avaliação de riscos para a liberação comercial de um organismo transgênico. Não fosse assim, a CTNBio, após avaliação científica, não teria concluído em seu parecer técnico que justificou e autorizou a importação de milho transgênico da Argentina que "Não há indicações de que os grãos de milhos geneticamente modificados, comercializados mundialmente, objeto deste parecer, tenham efeitos danosos quando usados como alimentos em ração animal". E agora, o que fazer com a confirmação de dano à saúde causado pelo milho Bt? Quanto vale essa ciência de cientista lobista?

Um agricultor que planta uma variedade transgênica é obrigado a assinar um acordo para usar sementes patenteadas. Da mesma forma, pesquisadores, sejam eles de uma universidade ou de uma empresa pública de pesquisa, devem estabelecer um contrato com a empresa para estudar as plantas patenteadas. Entre as cláusulas está a garantia da manutenção do sigilo dos resultados dos testes apresentados pelas empresas produtoras de transgênicos, chamada de "confidencialidade da informação", prática também adotada pela CTNBio. O jornal britânico Independent teve acesso a informações confidenciais da Monsanto, dando-nos uma idéia do tipo de informação que é mantida em sigilo sob a alegação da defesa de interesses comerciais.

Ainda mais grave que a informação sobre o dano causado pelo consumo de milho transgênico é imaginarmos o que mais podem nos revelar os arquivos da Monsanto e daqueles que obtiveram licença para pesquisar organismos com patentes da empresa. De sigilo em sigilo é construída a "ausência de evidência de riscos".

A matéria a seguir, publicada hoje na Folha de São Paulo, traz a tradução do artigo do Independent.

Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos
rb.gro.atpsa@socinegsnartedervil

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Folha de São Paulo, 23/05/2005

Estudo da Monsanto é mantido em segredo; companhia alega razões comerciais para não divulgar dados

Milho transgênico causa alteração em rato
GEOFFREY LEAN
DO "INDEPENDENT"

Ratos alimentados com uma dieta rica em milho geneticamente modificado desenvolveram anormalidades em seus órgãos internos e alterações em seu sangue, segundo um estudo. Os resultados trazem à tona os velhos temores de que a saúde humana possa ser afetada pelo consumo de alimentos transgênicos.

O jornal britânico "The Independent" obteve detalhes de um estudo secreto realizado pela companhia Monsanto, uma gigante no ramo de alimentos geneticamente modificados, que mostra que ratos alimentados com o milho alterado tinham rins menores e variações na composição de seu sangue.

Segundo o relatório confidencial de 1.139 páginas, esses problemas de saúde não apareceram em outro conjunto de roedores, alimentados com produtos não-modificados para servir de grupo de controle para comparação dos resultados.
As revelações surgem em meio a pedidos para que os resultados sejam tornados públicos, enquanto os países europeus se preparam para votar sobre se o milho modificado deve ou não ser colocado no mercado para consumo por seres humanos.

Impasse na Europa

Uma votação conduzida na semana passada pela União Européia não conseguiu chegar a um acordo sobre se o produto deveria ou não ser comercializado no continente. O Reino Unido e outros nove países votaram a favor da liberação.

No entanto, a revelação dos efeitos médicos sobre os ratos da Monsanto intensificou o debate sobre se é possível dizer que o milho é seguro para consumo sem mais pesquisas. Médicos dizem que as mudanças no sangue dos roedores indicam que o sistema imunológico do rato foi danificado ou que uma doença como um tumor havia surgido e o sistema lutava para combatê-la.

Preocupação

Vyvyan Howard, especialista em anatomia humana e biologia celular da Universidade de Liverpool, pediu a publicação completa do estudo, dizendo que o sumário da pesquisa dava "motivos para preocupação".

Michael Antoniu, especialista em genética molecular na Escola Médica do Guy's Hospital, no Reino Unido, descreveu as descobertas como "muito preocupantes do ponto de vista médico", complementando: "Eu fiquei impressionado pelo número de diferenças significativas que eles encontraram [no experimento de ratos]".

Embora a Monsanto descarte as anormalidades observadas nos ratos como insignificantes e aleatórias, uma fonte no governo britânico disse que os ministros estavam tão preocupados pelas descobertas que estavam requisitando mais informações.

Os ambientalistas encaram as descobertas como confirmação de um estudo britânico de sete anos atrás, que sugeria que ratos alimentados com batatas transgênicas sofriam danos à saúde. Aquela pesquisa, severamente criticada pela comunidade científica britânica, foi interrompida, e Arpad Pusztai, o cientista que liderou o estudo, foi forçado a se aposentar. Pusztai também reportou uma "enorme lista de diferenças significativas" entre ratos alimentados com milho convencional e modificado.

Produto antigo

O novo estudo da Monsanto é feito com um milho, com codinome MON 863, que foi modificado para se proteger contra uma larva de besouro, que a companhia descreve como "uma das pragas mais perniciosas a afetar plantações de milho ao redor do mundo".

Agora, no entanto, qualquer decisão de permitir que o milho seja comercializado no Reino Unido irá causar alerta generalizado. Os detalhes completos da pesquisa com os ratos estão no relatório principal, que a Monsanto se recusa a divulgar por considerar que ele "contém informações confidenciais de negócios que poderiam ter uso comercial por nossos competidores".

Um porta-voz da Monsanto disse no final da semana passada: "Se algum desses conhecidos críticos antibiotecnologia tinha dúvidas sobre a credibilidade desses estudos, elas deveriam ter sido apontadas aos [órgãos] reguladores. Afinal, o MON 863 não é novo, e já foi aprovado como tão seguro quanto o milho convencional por nove outras autoridades globais desde 2003".

Leia o texto original publicado neste domingo no "Independent"

Em 2002, um grupo de pesqusiadores italianos identificou danos causados ao fígado e pâncreas de ratos alimentados com soja transgênica ( Malatesta et al., 2002).

Conheça o Parecer Técnico da CTNBio sobre o milho transgênico

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