Empresa vende DNA de índios de Rondônia

Idioma Portugués
País Brasil

Quadrilhas internacionais de biopiratas (traficantes de recursos genéticos) vêm usando a internet para vender na Europa e nos Estados Unidos produtos retirados ilegalmente da Amazônia

(Rede Norte) - Entre os itens comercializados estão essências de plantas medicinais, animais, insetos e até amostras de sangue que continuam expostas à venda.

As amostras de DNA de sangue são de indígenas das tribos Karitiana e Suruí, em Rondônia. Elas podem ser compradas pelo razoável preço de US$ 85, o equivalente a R$ 242, 25, no site da Coriel Cell Repositories, empresa norte-americana de Nova Jersey especializada em pesquisas de genoma humano. No site é possível ainda encontrar amostras sanguíneas de índios do Peru, Equador e México.

A transação é simples. Basta apenas que a pessoa acesse o endereço http://locus.umdnj.edu, preencha um formulário e o envie, por fax ou por e-mail, para a sede do laboratório nos EUA. No pedido, a pessoa precisa especificar qual o DNA solicitado e enviar o comprovante de depósito. A Coriel Repositories disponibiliza amostras de sangue de crianças, adolescentes e adultos.

O caso está sendo investigado pela CPI da Biopirataria, criada ano passado na Câmara dos Deputados para investigar o contrabando de animais, o roubo de madeira e de recursos genéticos da Amazônia. A comissão apura também se há casos da venda de sangue de índios de outros Estados da região, entre os quais o Acre.

ABSURDO - "Isso é um absurdo, uma afronta à soberania nacional", reconhece o presidente da CPI, deputado Mendes Thame (PSDB-SP). Na próxima semana, a comissão de inquérito vai convocar o presidente da Funai, Mércio Pereira, para explicar quais as providências adotadas pelo órgão para impedir o comércio de sangue dos índios brasileiros.

O dirigente da Funai já foi convidado a depor sobre o caso, mas não compareceu. "Dessa vez, se ele não aparecer, vamos acionar a Polícia Federal para conduzi-lo coercitivamente até à CPI", alerta o presidente da CPI.

Mendes Thame garantiu ao Página 20 que já acionou a Polícia Federal e o Ministério das Relações Exteriores para investigar a fundo a venda das amostras de sangue de índios brasileiros. Também anunciou que a CPI vai propor em seu relatório final a aprovação de leis que estabeleçam penas rígidas para a biopirataria.

Ainda segundo Thame, é inadmissível que hoje o acesso ao patrimônio genético brasileiro seja regulado apenas por uma Medida Provisória, editada em 2000. A CPI deve encerrar as investigações ainda no primeiro semestre deste ano.

CPI da Pirataria

As primeiras denúncias de coleta e venda de amostras de sangue dos índios de Rondônia surgiram em 1996. Um ano depois, a Câmara criou uma comissão externa para investigar esse e outros casos de biopirataria na Amazônia. Na época, constatou-se que era possível adquirir amostras de sangue pela internet de crianças, adolescentes, mulheres, homens e velhos das duas tribos brasileiras. Sete anos depois, o sangue continua à venda no site da Coriell Cell Repositories, apesar das investigações parlamentares.

O delegado Jorge Barbosa Pontes, da Divisão de Crimes Ambientais, da PF, avalia que o oferecimento da venda de amostras de sangue de índios brasileiros pela Coriell Repositories não seria um caso de biopirataria, mas de tráfico de órgãos. Mesmo assim, Pontes afirma que o órgão deverá investigar o caso, por tratar-se de tentativa de comercialização de indígenas. Agentes do setor de crimes de internet da PF já estão monitorando o site.

Além da venda de sangue, a PF está também investigando mais de 100 pessoas suspeitas de biopirataria no Brasil. Da lista de investigados constava o alemão Carten Hermann Richard Roloff, 58, preso ano passado no aeroporto de Brasília. Roloff carregava centenas de ovas de aranha-caranguejeira.

Apesar de ter sido pego em flagrante, o alemão ficou apenas poucas horas atrás das grades. O motivo é que o Brasil não tem uma lei que puna crimes de biopirataria.

A direção da Funai informou que já pediu a abertura de investigação pela Polícia Federal para apurar o caso. Na avaliação do órgão, o caso é "extremamente grave" e que o governo brasileiro vai adotar todas as medidas cabíveis e necessárias para punir os responsáveis pelo comércio ilegal de sangue pela internet.

Em Rondônia, a Procuradoria da República também vem atuando desde o ano passado. O procurador Reginaldo Pereira Trindade determinou a abertura de inquérito civil público por considerar os fatos como "graves e preocupantes". O Itamaraty também anunciou que acionou a Embaixada do Brasil em Washington para pedir a retirada do site do ar.

Médico é acusado

A Procuradoria da República em Rondônia investiga a coleta ilegal de sangue dos Karitiana desde 1996, mas somente em 2002 ingressou com uma ação civil pública na Justiça Federal. Na ação, o MPF acusa o médico brasileiro Hilton Pereira da Silva e a norte-americana Denise Hallak pela prática de biopirataria.

A dupla teria convencido os índios a doar o sangue, sob o argumento de que o material deveria ser utilizado em pesquisas para tratamento de malária, anemia e verminose. O sangue acabou indo parar no banco de dados do laboratório Cell Repositories, que o colocou à venda na internet.

Em depoimento à Comissão da Biopirataria da Amazônia, em 1997, o médico confirmou que coletou o sangue dos Karitiana. De acordo com ele, o material foi colhido "com o propósito de estabelecer um diagnóstico de doenças por eles [índios] sofridas".

Pereira ainda contou à comissão que esteve na aldeia Karitiana, em 1996, acompanhando "uma equipe de televisão britânica, a serviço do Discovey Channel", que, à época, produzia um documentário sobre a lenda do Mapinguari, ser mitológico da Amazônia que se assemelha a um bicho-preguiça gigante. Os produtores do programa acreditavam que o animal estaria na área da aldeia.

Na aldeia, a equipe constatou ser precário o estado de saúde dos índios e propôs que parte do pagamento das filmagens fosse em remédios, o que, segundo ele, foi aceito pelos índios. Ele afirmou que o sangue que coletou ficou no laboratório da Universidade Federal do Pará (UFPA).

SEM LIMITES - Além do sangue de índios, os biopiratas que atuam no Brasil, notadamente na Amazônia, têm levado para o exterior insetos, borboletas, besouros, essências e microorganismos. Todo esse material vem sendo utilizado em pesquisas científicas de laboratórios multinacionais. Essa foi a constatação a que chegou a Comissão da Biopirataria da Amazônia, criada em 1997 para investigar o roubo de materiais genéticos.

Em seu relatório, a comissão cita vários casos de biopirataria praticados no País. Um dos casos envolve a empresa norte-americana Shaman Pharmaceuticals, que já estudou mais de 7 mil plantas em toda a Amazônia. Como resultado dessas pesquisas, o laboratório estaria testando dois novos remédios. Um dos remédios é para a diarréia que ataca portadores do vírus da Aids. O outro medicamento é para a diabetes. Esse remédio tem público de 26 milhões de pessoas na América.

Os deputados se depararam com vários casos de patenteamento de plantas amazônicas. Um deles envolve o químico Conrad Gorinsky, da Fundação para a Etnobiologia, de Londres, que patenteou no Escritório de Patentes Europeu dois compostos farmacológicos originários de plantas da Amazônia.

Nota GTA - O novo segundo-secretário da diretoria nacional da Rede GTA, o líder indígena Almir Suruí, pretende estimular a ampliação das ações dos movimentos sociais amazônicos contra a apropriação indevida de conhecimentos e recursos das comunidades e povos da floresta.

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www.cesupa.br/redenorte

Publicado por GTA - Grupo de Trabalho Amazônico

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