Foro Social Mundial: "Transgênicos no Governo Lula"

Não há no País uma política de Biossegurança e ao mesmo tempo não há um governo que assuma sua postura pró-transgênicos. Essa contradição foi um dos eixos de discussão do seminário "Transgênicos no Governo Lula", realizado no último domingo em Porto Alegre durante o V Fórum Social Mundial

Boletim N° 242 de la Red Por Um Brasil Livre de Transgênicos

Car@s Amig@s,

Mais de 250 pessoas lotaram o plenário e acompanharam, das 12:30 às 19:00h, a realização de dois painéis, revelando o grande interesse do público pelo tema e também a qualidade das exposições feitas.

Representantes de organizações da sociedade civil, de ministérios envolvidos com o tema, do Ministério Público Federal, deputados federais e professores universitários analisaram a (ausência de) política do governo federal para os transgênicos e aprofundaram suas visões sobre a brusca mudança de comportamento do Executivo e sobre as contradições vividas internamente pelo partido do Presidente, pelos ministérios, por setores do Congresso Nacional e por outras esferas da administração pública.

O primeiro painel destacou a fragilidade e a precariedade do processo de avaliação de pedidos de liberação comercial para transgênicos no País, deixando claro que a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança/Ministério de Ciência e Tecnologia) não tem competência nem técnica nem administrativa para centralizar tal papel. Atuais e ex-integrantes da Comissão, a partir das experiências que lá vivenciam e vivenciaram, mostraram que o jogo da Comissão está armado para que suas decisões saiam sempre em conformidade com os interesses dos proponentes da biotecnologia, passando longe da biossegurança.

Essa rede de instrumentos políticos e burocráticos tem em seus nós a indicação de membros para a Comissão, sua composição interna, seus processos de tomada de decisão e sua falta de transparência. De seus atuais 18 membros, apenas 8 são cientistas, sendo os demais representantes de ministérios (Relações Exteriores, Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior...). Isso por si só já mostra que os pareceres da Comissão não são tão técnicos assim. Os cientistas, por sua vez, são especialistas sim, mas em biotecnologia e não em biossegurança (salvo raríssimas exceções). Também tem assento na CTNBio um representante das indústrias, cujo interesse é mais que óbvio. Como as decisões são tomadas por maioria simples, os poucos entendidos em biossegurança podem ser sempre votos vencidos. Esse foi um dos principais motivos que levou a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), do Ministério da Saúde, a deixar a Comissão.

O mesmo grupo de ministérios que faz prevalecer a visão das indústrias na CTNBio quer extinguir o CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético), atualmente secretariado pelo Ministério do Meio Ambiente e aberto a participação de representantes da sociedade civil, e passar ao Ministério de Ciência e Tecnologia a gestão do patrimônio genético. Isso favorecerá a apropriação privada de recursos genéticos e dos conhecimentos a eles associados e impedirá qualquer forma de repartição direta para os povos detentores desses recursos.

Uma grave falha de nossa legislação sobre transgênicos, destacada no segundo painel, é a ausência de um sistema jurídico de responsabilidade e de gerenciamento de risco. Quais mecanismos o Estado está criando para proteger ou indenizar agricultores que tiveram suas lavouras contaminadas por plantas transgênicas ou prejudicadas por herbicidas usados por vizinhos que adotaram sementes transgênicas? Quem se responsabilizará por danos ambientais ou à saúde advindos do uso de transgênicos? No campo do comércio internacional e da Organização Mundial do Comércio, a quais cenários está exposto o País dependendo do posicionamento que assumir em relação aos transgênicos? Esta tecnologia envolve grandes incertezas, tanto que empresas como a Monsanto e outras não encontram seguradoras dispostas a assumir os riscos de suas atividades. Mais ainda, os próprios investidores da Monsanto questionam os procedimentos de avaliação de risco por ela adotados e outros analistas afirmam que este é um negócio de risco. Não é aceitável que os custos e prejuízos derivados da ausência de uma política de biossegurança recaiam sobre a sociedade ou, em última instância, sobre os contribuintes.

No Congresso Nacional, os ruralistas continuam tendo grande poder de pressão sobre o governo e devem grande fidelidade ao ministro da Agricultura. Esta ligação ao líder do agronegócio está acima das divergências entre governo e oposição, já que a bancada ruralista tem dos dois, mas vota de acordo com as orientações do ministro. Este, aliás, foi citado no evento como o grande transgênico do governo, ou seja, tirado de seu lugar e inserido num organismo estranho. Sendo assim, Lula e seu reduzido grupo de informantes do "núcleo duro" têm a patente dessa modificação genética. Mas a impressão que fica é que a cobrança de royalties está se dando às avessas, quer dizer, embora a patente seja de Lula e de seus principais assessores, quem vem recolhendo os benefícios é o próprio ministro transgênico.

Embora houvesse confirmado sua participação e estivesse já com as passagens em mãos, o técnico da Agricultura que atualmente representa o ministério na CTNBio cancelou sua participação na antevéspera do encontro, impedindo que o público presenciasse as contradições e divergências políticas existentes dentro do governo.

Apesar dos conflitos internos no Congresso, no Executivo e na Justiça, esses espaços continuam apresentando uma série de oportunidades para que o País crie de fato uma política de biossegurança que supere e elimine a atual e vergonhosa política do fato consumado. Nessa jornada, as diferentes organizações e movimentos da sociedade civil continuarão desempenhando papel decisivo na busca de articulação entre os setores do governo comprometidos com o bem público, os consumidores e agricultores e no engajamento de cientistas preocupados com a produção independente de conhecimento.

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Neste mesmo domingo (30/01), o plenário do seminário "Transgênicos no governo Lula" aprovou por aclamação uma moção em defesa do Projeto de Lei de Biossegurança aprovado pela Câmara dos Deputados, que mantém as atribuições dos ministérios previstas na Constituição Federal e a exigência de estudos prévios de impacto à saúde e ao meio ambiente como parte do processo de licenciamento de produtos transgênicos. O documento está sendo encaminhado a todos os Congressistas.

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Um grupo de 19 intelectuais, ativistas e personalidades que participaram do Fórum Social Mundial 2005, divulgou no sábado (29) o "Manifesto de Porto Alegre", um conjunto de doze propostas para a construção de um outro mundo possível. Os signatários do manifesto fizeram questão de enfatizar que não pretendem falar em nome do FSM. O texto foi lido pelo Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Perez Esquivel, durante entrevista coletiva. Duas destas propostas, transcritas abaixo, estão diretamente relacionadas à problemática dos transgênicos, revelando ser este um tema de preocupação e impactos globais.

(...) 6) Garantir o direito à soberania e segurança alimentar de cada país, mediante a promoção da agricultura campesina. Isso pressupõe a eliminação total dos subsídios à exportação dos produtos agrícolas, em primeiro lugar por parte dos Estados Unidos e da União Européia. Da mesma maneira, cada país ou conjunto de países deve poder decidir soberanamente sobre a proibição da produção e importação de organismos geneticamente modificados destinados à alimentação; 7) Proibir todo tipo de patenteamento do conhecimento e dos seres vivos, assim como toda a privatização de bens comuns da humanidade, em particular a água; (...) A íntegra do "Manifesto de Porto Alegre" está disponível aquí.

Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos - rb.gro.atpsa@socinegsnartedervil

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