O papel do ISAAA: “promover o lucro das corporações em nome dos pobres”
Uma vez por ano o ISAAA (Serviço Internacional para a Promoção de Produtos da Biotecnologia Agrícola, na sigla em inglês) divulga um relatório sobre a difusão dos cultivos transgênicos pelo mundo. Em sua última edição, de uma semana atrás, o relatório destaca o fato de o aumento da área plantada com transgênicos nos países em desenvolvimento ter sido maior que o aumento ocorrido nos países desenvolvidos. Apesar disso, os países ricos continuam plantando transgênicos em uma área que é mais de duas vezes maior que a dos países pobres. Os EUA respondem sozinhos por 59% do total de transgênicos cultivados no mundo.
A Índia é citada no relatório como um caso de destaque, onde a área cultivada com algodão transgênico do tipo Bt cresceu 400%, atingindo 500 mil hectares. Vendo assim, parece que toda a Índia está tomada pelo algodão transgênico. No entanto, a comercialização de sementes de duas variedades de algodão Bt (letal a insetos) foi autorizada em seis estados do país para um período de avaliação de três anos. Nenhum outro transgênico é permitido na Índia. Além disso, esses 500 mil hectares representam cerca de 11% da área cultivada com algodão híbrido e menos de 5% do total destinado ao cultivo do algodão. No relatório de 2004, os números do ISAAA eram 10% maiores que os do governo indiano.
Enquanto isso, o algodão Bt na Índia revelou-se um fracasso pelo terceiro ano consecutivo. Revoltados com os prejuízos que tiveram, centenas de agricultores promoveram uma série de manifestos no estado de Andhra Pradesh, inclusive com a ocupação das lojas que lhes venderam as sementes transgênicas. Eles reivindicam indenização pelos prejuízos que tiveram e responsabilização por parte dos comerciantes, empresas e governo. Os agricultores prejudicados relatam que as plantas cresceram pouco, praticamente não produziram e continuaram sendo atacadas por insetos, apesar de terem sido modificadas para resistir a lagartas. Muitas plantas murcharam e os agricultores tiveram que desembolsar dinheiro para comprar inseticidas.
Alguns cientistas disseram que o problema foi ocasionado pelas condições climáticas, no entanto, as lavouras não-transgênicas vizinhas às atacadas não foram prejudicadas. Em nota, a Monsanto, responsável pelas sementes, alegou que os problemas foram causados por um fungo e que eles não são responsáveis pelo problema, já que as sementes Bt são resistentes a apenas determinados tipos de lagartas. A revolta dos agricultores foi tema dos principais jornais do país por praticamente uma semana. Situação essa bastante diferente da que os números do ISAAA procuram transmitir.
Os relatórios do ISAAA são usados com freqüência por organismos oficiais e governos, inclusive no Brasil. Apesar disso, quando questionada sobre as metodologias adotadas para produzir seus dados, a organização é vaga e afirma que "se baseia em bancos de dados consolidados a partir de um grande número de fontes, inclusive de agências governamentais e outras organizações dos setores público e privado".
O professor Aaron deGrassi, do Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento da Universidade de Sussex, questiona a validade dos dados da organização norte-americana. Os dados do ISAAA indicam que pequenos agricultores sulafricanos estejam usando algodão transgênico em 100 mil hectares. Já a Agricultural Biotechnology in Europe, uma coalizão das indústrias, sugere que esse valor seja de 5 mil hectares. Uma equipe de pesquisadores da Universidade inglesa de Reading fala em 3 mil hectares. Ou seja, as estatísticas do ISAAA multiplicaram por 20 os números da própria indústria e por mais de 30 os do levantamento da universidade.
O ISAAA é financiado pelas indústrias de biotecnologia, entre elas Bayer, Monsanto, Syngenta e Pioneer Hi-Bred. Ou seja, sua missão é clara e seus dados não podem ser considerados de fonte independente. Nas palavras da ONG Grain, o papel do ISAAA é "promover o lucro das corporações em nome dos pobres".
Leia mais sobre o assunto em http://www.gmwatch.org/archive2.asp?arcid=4802
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