Protocolo de Biossegurança: discussão sobre rotulagem fracassa por conta de preocupações comerciais

Por IDEC
Idioma Portugués

As posições mais extremadas foram claramente baseadas em preocupações sobre os impactos das exigências no comércio internacional

Após discussões longas e difíceis, as negociações sobre exigências de documentação para carregamentos de transgênicos para uso como alimento, sementes, ou processamento (LMO-FFPs, na sigla em inglês) acabaram em impasse no último dia de reunião das Partes do Protocolo de Cartagena Sobre Biossegurança (MOP-2). O evento aconteceu em Montreal, no Canadá, entre os dias 30 de maio e 3 de junho. As posições mais extremadas foram claramente baseadas em preocupações sobre os impactos das exigências no comércio internacional.

O Artigo 18.2(a) do Protocolo pedia às partes que finalizassem dentro do prazo de dois anos a partir de sua entrada em vigor, em setembro de 2003, as exigências de documentação necessários para o comércio de commodities que contenham transgênicos, o que, na prática, levou essa discussão ao MOP-2 (ver aquí o semanário Bridges de 3 de março de 2004). Por enquanto, o protocolo requer que rótulos de organismos geneticamente modificados (OGMs) digam que o conteúdo “pode conter” transgênicos. Refletindo os debates que ocorreram durante a negociação do Protocolo, foi novamente o uso de “pode” que dividiu profundamente as partes. Várias sessões extras, à noite – assim como uma última tentativa da representação Suíça de lançar um texto de compromisso no último dia – não foram capazes de diminuir as diferenças entre as partes, e a decisão foi adiada para o terceiro encontro (MOP-3).

Lideradas pela Etiópia, as nações africanas batalharam fortemente para que a linguagem do “pode conter” fosse eliminada, insistindo que qualquer carregamento deveria ser claramente rotulado se “contém” transgênicos; todo carregamento deveria, também, listar quais transgênicos fazem parte da composição. Dadas as capacidades limitadas de regulação e monitoramento de muitas nações africanas, elas consideram que mais adequado seria se o ônus da verificação sobre o conteúdo do carregamento ficasse com o exportador.

A União Européia adotou uma posição mais flexível sobre o “pode conter”, desde que a possível presença de OGMs fosse claramente especificada. A União Européia, porém, insistiu em referências aos limites que poderão ser adotados nacionalmente para a presença inesperada ou tecnicamente inevitável de OGMs – tais limites já existem na região, dentro de regulamentos sobre rotulagem e rastreamento.

A maior resistência partiu da Nova Zelândia e do Brasil, e, em menor escala, do Peru. Esses países defenderam que o elemento desencadeador da rotulagem deveria ser o conteúdo pretendido do carregamento, e não o conteúdo em si, o que excluiria presenças acidentais. O Brasil, um firme defensor da liberalização do comércio agrícola na OMC, há tempos combate o plantio ilegal de transgênicos em seus território. Apesar de não exportá-los no momento, a Nova Zelândia também procurou defender seus interesses como exportador agrícola (e membro do Grupo de Cairns nas negociações da OMC).

Muitas delegações expressaram seu desapontamento com a falta de acordo. Durante a plenária final, Tewolde Egziabher, da Etiópia, conclamou os delegados dos países em desenvolvimento a não ceder às pressões “que querem escapar ilesas de causarem poluição genética global”. “Vamos voltar aos nossos paises e impedir esse objetivo por meio de nossa legislação nacional”, ele recomendou.

A União Européia lamentou que as propostas tenham sido rejeitadas sem explicações de por que foram inaceitáveis, e expressou temor de que o fracasso possa impedir o mundo de atingir os objetivos que levaram à criação do Protocolo.

O Brasil também lamentou a falta de acordo, mas indicou que houve progresso e que ele poderia ajudar a construir o consenso no próximo encontro das partes. O país gostaria de ver uma abordagem realista do problema, passo a passo, que levasse em conta a ampla variedade de visões. A Nova Zelândia refutou as acusações de que estaria debilitando o Protocolo. O Ministro do Meio Ambiente do país, Marian Hobbs, reforçou a necessidade de obter-se um regime de rotulagem que seja realista e não imponha um peso desmedido nos exportadores.

Grupos de ambientalistas responsabilizaram diretamente Brasil e Nova Zelândia pelo fracasso. “As ações do Brasil e da Nova Zelândia são desavergonhadas”, disse Doreen Stabinsky, do Greenpeace. “Eles evitaram que a vasta maioria dos países concordassem sobre regras que protegeriam o meio ambiente”, completou. Juan Lopez, do Friends of the Earth International, acusou os dois países de “hipocrisia e falsidade”, de servirem aos interesses da indústria de teconologia e aos países exportadores que não são signatários do Protocolo. Ele também apontou que mais de 100 países expressaram seu comprometimento em implementar fortes exigências.

Apesar desse contratempo, as partes tomaram uma série de decisões importantes, em assuntos que incluem vigilância pública, capacitação, compensação e estudos de risco. Os participantes não puderam, no entanto, decidir sobre as regras de votação do comitê que determina se as partes estão seguindo o Protocolo.

A terceira reunião das partes (MOP-3) será realizada em Curitiba, entre os dias 13 e 17 de março de 2006, junto com a 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica. Até 8 de junho de 2005, 119 nações ratificaram ou assinaram o Protocolo.

Para consultar uma cobertura diária da MOP-2 (em inglês), ingrese aquí (Fonte: Tradução livre do International Centre for Trade and Sustainable Development)

Fuente: IDEC , Notícias do Consumidor, 15 de Junho de 2005

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