Transgênicos: direitos e segurança da população

A forma e o teor da recente decisão da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) sobre a contaminação de sementes de algodão com até 1% de transgênicos são mais que suficientes para mostrar que esta não pode ser a instância final de decisão sobre o uso de organismos transgênicos no País

Campanha por un Brasil Livre de Transgênicos
Boletim Número 239

Os poderes e atribuições da CTNBio são objeto de conflito desde sua criação, em 1996. Seus integrantes deveriam ser especialistas em biossegurança, ou seja, em avaliação de risco dos organismos transgênicos. Mas na prática não é isso que se verifica. Há membros da Comissão que desenvolvem transgênicos e são, portanto, diretamente interessados na liberação desses produtos. Ao contrário do que acontece, representantes de indústrias não poderiam ter assento na Comissão, já que seus votos serão sempre balizados por interesses comerciais. Ademais, representantes de determinados ministérios, como o de Relações Exteriores e de Indústria e Comércio, dificilmente serão especialistas em biossegurança, tendendo a votar a partir de orientações políticas. Todos esses fatores vão tirando o caráter ?técnico? da Comissão, que é prejudicado novamente pelo fato de suas decisões serem tomadas por maioria simples, evidenciando, com freqüência, falta de consenso entre cientistas.

A decisão da CTNBio sobre o algodão foi tão comercial quanto o pedido a ela feito para legalização da contaminação, não tendo nada a ver com biossegurança. O requerente não apresentou dados sobre a oferta de sementes de algodão, sobre sua demanda nem sobre a extensão e a localização da contaminação alegada. Tampouco foram apresentadas informações sobre a segurança do produto. A decisão foi ao mesmo tempo ilegal, já que está em curso na Justiça uma ação que trata das atribuições da CTNBio, e enquanto ela não for julgada em última instância, não pode ser atribuído à CTNBio poder de decisão.

Desde abril a imprensa noticia as suspeitas de cultivo de algodão transgênico na região Centro-Oeste. Em agosto o Ministério da Agricultura confirmou a presença clandestina dessas sementes em lavouras do Mato Grosso. O que de fato foi feito pelo Ministério para coibir a dispersão dessas sementes? De onde veio esta contaminação? Seus responsáveis foram identificados? Todas essas perguntas estão no ar, dando-nos a impressão de que a contaminação é uma estratégia bastante eficaz do ponto de vista dos que visam a introdução rápida e desregulamentada dos transgênicos. Aliás, Edílson Paiva, pesquisador da Embrapa e representante da CTNBio, que participou na semana passada de audiência pública sobre o algodão transgênico na Câmara dos Deputados, foi claro ao afirmar que ?se não resolvermos isso [aprovar a lei de Biossegurança] nos próximos um ou dois anos, a confusão será com o milho. Podem escrever?. Paiva trabalha com milho transgênico.

Por outro lado, a Embrapa teria sementes certificadas de algodão suficientes para cobrir 30% da área plantada com algodão, que dispensariam a necessidade das sementes contaminadas.

Esta situação reforça a necessidade de o Estado ter mecanismos de controle que garantam os direitos e a segurança da população. Isso se traduz concretamente na manutenção das atribuições dos órgãos de fiscalização e registro dos ministérios, que foram subvertidas pelo PL de Biossegurança aprovado pelo Senado. Ao mesmo tempo, é fundamental que a CTNBio opere de forma transparente e que a sociedade possa participar de suas decisões. O meio ambiente é, segundo a Constituição Federal, ?bem de uso comum do povo? e por essa razão é direito dos cidadãos participar das decisões atinentes à matéria.

Por mais que os deputados ruralistas tenham pressionado para que o PL de Biossegurança fosse votado esta semana, a decisão ficou para meados de fevereiro, quando a Câmara iniciará suas atividades em 2005. Se o Congresso Nacional tem como objetivo maior aprovar uma nova legislação sobre Biossegurança que de fato garanta a saúde da população e a integridade do meio ambiente, é necessário que a versão anteriormente aprovada pelos deputados seja recuperada em seu turno final de votação. Mas essa decisão ficará para o próximo ano. Até lá desejamos um ótimo período de festas aos leitores deste Boletim, que voltará a ser editado na semana do dia 10 de janeiro.

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O México vive uma situação legislativa tão dramática quanto a nossa. Apesar de todos os esforços da sociedade civil no sentido contrário -- inclusive dos brasileiros que atenderam ao pedido de manifestação ao governo mexicano divulgado através deste Boletim no dia 01/12 --, nesta última quarta-feira os deputados aprovaram um projeto de lei que mais tem a ver com a promoção da biotecnologia do que com a biossegurança, ou a segurança da vida propriamente dita. A decisão não levou em conta o episódio da contaminação de variedades nativas de milho por variedades transgênicas importadas para consumo no País e foi tomada à revelia da oposição de organizações de agricultores, cientistas e ambientalistas.

O projeto de lei aprovado não prevê nenhum mecanismo de monitoramento pós liberação comercial de transgênicos, nem mesmo para controlar ou proteger os alimentos, os cultivos e a diversidade genética do território mexicano. Antes de ser convertida em lei, a proposta precisa ser examinada pelo Senado. Diante da decisão dos deputados, integrantes do Greenpeace México declararam o dia 14 de dezembro como dia Nacional de Luta Contra os Transgênicos.

O único aspecto positivo presente no projeto de lei é que ele reconhece o direito de os cidadãos terem acesso a informações sobre os alimentos que estão comprando, através da rotulagem.

Outras informações sobre a situação mexicana podem ser obtidas em Greenpeace Mexico

Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos: rb.gro.atpsa@socinegsnartedervil

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