Brasil: A terra como direito de todos, o Cerrado como Patrimônio Nacional (Parte 1)

Idioma Portugués
País Brasil

Por que transformar o Cerrado e a Caatinga em Patrimônio Nacional é importante para o equilíbrio ambiental do Brasil e o que isso tem a ver com o acesso à terra e ao território? Para explicar melhor esse tema, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado irá fazer uma publicação semanal ao longo das próximas semanas, ao todo serão três postagens.

Você já conhece os diversos problemas que as e os defensores do Cerrado têm enfrentado por conta da expansão de monoculturas. Mas você sabia que garantir o acesso de povos e comunidades tradicionais à terra e ao território pode ajudar a barrar a devastação do bioma?

O assunto é a transformação do Cerrado e da Caatinga em Patrimônio Nacional. Defender a proteção dos dois biomas, no entanto, vai além das questões ecológicas. Precisamos conhecer e entender que os jogos de poder de governantes e grandes empresas, os esquemas ilegais envolvendo a questão agrária e até mesmo o desconhecimento de parte da população contribuem negativamente para uma luta que deveria ser de todos os brasileiros.e tem muita gente preocupada com o futuro que se desenha: o segundo maior bioma do Brasil, o Cerrado, está sendo desmatado em ritmo acelerado.

A dicotomia brasileira

O Brasil é o 10º país mais desigual do mundo e a 9ª maior economia mundial em PIB (Produto Interno Bruto). Em termos econômicos, estamos à frente, por exemplo, do Quênia, um país da África Oriental cujo PIB gira em torno de 70 bilhões de dólares. Mas em termos de desigualdade social, segundo o Índice de Gini (indicador de disparidade de renda), estamos atrás. O mesmo Quênia ocupa a 20ª colocação no ranking. A ironia: o PIB brasileiro é de 1,7 trilhão de dólares – quase 25 vezes maior que o do Quênia.

Na raiz da desigualdade, dois dados sobre a questão fundiária brasileira se mostram preocupantes:

• apenas 1% dos proprietários de terra no Brasil detém 46% de toda a área cultivável do país;
• cerca de 3% das propriedades rurais do país são latifúndios e ocupam 56,7% das terras agricultáveis.

São inúmeros os fatores que levam o Brasil a ser um dos países mais desiguais do mundo e eles não se limitam apenas à questão agrária. Mas o não-acesso à terra e ao território é um dos fatores para a composição desse cenário.

De acordo com o Atlas Fundiário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a área total ocupada pelos estados de São Paulo e Paraná está nas mãos dos 300 maiores proprietários rurais do país. Enquanto isso, de acordo com esse mesmo Atlas, em torno de 4,8 milhões de famílias estão à espera de terra para conseguir plantar e sobreviver.

Como chegamos a esse ponto?

Muita terra, poucos donos

A origem do latifúndio, no Brasil, está ligada ao processo de colonização portuguesa. Em 1534, foram criadas 14 Capitanias Hereditárias, divididas em 15 lotes. Esses lotes tiveram como beneficiários 12 integrantes da nobreza portuguesa e militares, que tinham o poder de explorá-los economicamente.

Já em 1850, com a extinção da Lei das Sesmarias e com a possibilidade da abolição da escravatura despontando no horizonte, criou-se a Lei de Terras. Essa Lei determinou que quem quisesse ter direito à terra deveria pagar por ela. Grande parte da população brasileira, no entanto, não tinha recursos suficientes para garantir seu pedaço de terra.

Se analisarmos a história brasileira, desde a Colônia, com as “plantations” (os grandes latifúndios monocultores exportadores), o latifúndio se consolidou como um grande sistema de dominação.

A inexistência de um projeto agrário

Apesar de a questão agrária ser um problema brasileiro desde a Colônia, foi só a partir de meados da década de 1940 que os debates se intensificaram. Com os conflitos acontecendo no campo e os problemas sociais se multiplicando, se consolidou a ideia de que a desigualdade social do Brasil estava diretamente ligada à existência do latifúndio.

Desde antes do Golpe Militar de 1964 as comunidades brasileiras do campo já se mobilizavam na luta pelo acesso à terra. Nos anos 1960, as ligas camponesas no Nordeste e a organização dos trabalhadores rurais já reivindicavam uma distribuição mais equitativa das terras.

Com o golpe militar, no entanto, projetos de mudança como as reformas de base propostas por João Goulart, que tinham como objetivo diminuir a desigualdade social, foram retirados do campo de possibilidades.

Nesse período, a reforma agrária, até então vista como uma alternativa viável para a diminuição da desigualdade social, passou da pauta para o esquecimento. Muitos assentamentos foram criados nessa época, mas o intuito era claro e objetivo: fixar mão de obra barata perto de fazendas. Incentivos fiscais e empréstimos do governo para que os latifundiários ocupassem as chamadas fronteiras agrícolas foram distribuídos e as grandes propriedades – e seus poucos donos – foram os beneficiados.

Confira na próxima semana a continuação desse assunto!

Créditos

Coordenação: Campanha Nacional em Defesa do Cerrado
Texto: Bruna Toscano/Estúdio Massa
Ilustração: Mauro LTJr/Estúdio Massa
Design: Letícia Luppi/Estúdio Massa

Fonte: semcerrado.org.br

Temas: Biodiversidad, Tierra, territorio y bienes comunes

Comentarios