Brasil: Comissão de Meio Ambiente da Câmara Federal associa carcinicultura à destruição dos manguezais no Nordeste

Idioma Portugués
País Brasil

O relatório final do Grupo de Trabalho instituído pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, para avaliar os impactos sócio-ambientais da carcinicultura (criação de camarões em viveiros), confirmou o que comunidades pesqueiras e ambientalistas já tinham verificado empiricamente: essa atividade econômica contribui de modo significativo para a destruição do ecossistema de manguezais

Apresentados em reunião da Comissão de Meio Ambiente, na quarta-feira passada, os estudos do GT apontaram a carcinicultura como uma das atividades comerciais que mais cresce no Nordeste brasileiro, responsável por 90% da produção de camarões do país. O número de fazendas de camarão na região saltou de 20, em 1985, para 905 em 2003. Em paralelo a esse crescimento, várias localidades do Nordeste observaram drástica redução na oferta de caranguejo-uçá, espécie cujo habitat são os manguezais e que faz parte da cultura culinária da região. A captura e o beneficiamento do caranguejo-uçá tornaram-se inclusive fonte de renda para milhares de famílias no Nordeste.

Desde que se observou o fenômeno de mortandade da espécie, a carcinicultura vem sendo responsabilizada, sem que, no entanto, nenhum fato científico pudesse comprovar essa associação danosa. Agora, os estudos do GT Carcinicultura o fazem de forma inconteste. “A carcinicultura internaliza em seu custo o meio ambiente e não tem nenhuma responsabilidade com ele”, disse a ambientebrasil o deputado federal João Alfredo Telles Melo (PT/CE), relator do trabalho.

Segundo ele, no decorrer das atividades do GT, realizadas por mais de dois anos, foram registrados impactos “impressionantes” ao ecossistema. “Nas proximidades do rio Potengi, em Natal, encontramos todo tipo de crime ambiental”, coloca. “Tanques foram construídos em cima dos manguezais, usaram até a vegetação de mangue para fazer os taludes e flagramos inclusive trabalho infantil”.

O GT deparou-se com viveiros em áreas de preservação permanente – APPs -, registrou desmatamentos de mangue e a inexistência de lagoas de estabilização para a água de despesca. No período de estudos, foram vistoriados onze empreendimentos e realizadas nove audiências públicas com representantes de comunidades litorâneas na Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí e Paraíba. O relatório final se baseou nos laudos dessas visitas e em uma série de outros documentos elaborados com a colaboração do Ibama, de técnicos de universidades e de organizações não governamentais.

Entre os impactos relacionados estão a modificação do fluxo das marés, matando vegetação e fauna associados, sobretudo caranguejos e moluscos; contaminação de água destinada ao consumo humano; destruição da paisagem e conflitos de terra decorrentes da privatização de terras da União (terrenos de Marinha e terras devolutas), além de danos cumulativos ao longo das bacias hidrográficas onde se situam as fazendas. No Ceará, até mortes humanas foram registradas pela DRT como decorrentes da contaminação por metabissulfito, substância usada na conservação dos camarões logo após a despesca.

A falta de licenciamento ambiental na carcinicultura foi freqüente. “É uma atividade totalmente fora de controle”, resume o deputado João Alfredo, que apresentou mais de 30 recomendações administrativas e legislativas, a serem encaminhadas pela Câmara ao Ministério do Meio Ambiente, Ibama, Secretaria de Aqüicultura e Pesca, Ministério Público e governos estaduais dos cinco estados visitados.

Entre essas orientações está uma “moratória” na atividade, ou seja, a interrupção total das autorizações de instalação de viveiros de carcinicultura, até que seja traçado um diagnóstico mais completo da situação, inclusive com os impactos cumulativos sobre o ecossistema de manguezais.

Outras recomendações são a suspensão dos financiamentos públicos para empresas que não venham cumprindo a legislação ambiental e trabalhista e o condicionamento de novas licenças e financiamentos a medidas como a elaboração de planos e programas (com dotação orçamentárias por parte da empresa) de recuperação das áreas degradadas ao fim das atividades produtivas. A Comissão de Meio Ambiente recomenda ainda a instalação de barreiras fitossanitárias, a definição dos impactos cumulativos e análise da disponibilidade de água a partir de projeções de uso a curto, médio e longo prazos.

O relatório do GT propõe também alterações na legislação do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama –, de modo a tornar mais claramente expressa a abrangência do ecossistema de manguezais, que não se limita às faixas de mangues propriamente ditas, mas compreende também as áreas de apicum, de salgado, as redes de canais, os bancos de areia e as dunas. “Tudo que interage com os manguezais tem que ser considerado como o ecossistema”, diz o deputado João Alfredo, lembrando que, como essas definições hoje deixam margem para interpretações subjetivas, os órgãos ambientais dos Estados muitas vezes licenciam a carcinicultura no entorno dos manguezais.

A Comissão de Meio Ambiente da Câmara pretende elaborar duas publicações tendo por base o relatório do GT. Uma, mais técnica, deverá ser encaminhada aos órgãos federais e estaduais relacionados ao tema. A outra, com linguagem acessível, será distribuída junto a sociedade civil organizada, como uma estratégia para que se mobilize e cobre a concretização das medidas propostas. “É fundamental que ONGs, associações de pescadores, marisqueiras e catadores e a comunidade acadêmica pressionem os órgãos públicos no sentido de adotar essas mudanças”, sugere o deputado.

Ambiente Brasil, Internet, 16-6-05

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