Mantida a moratória contra a esterilização de semente transgênica

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O comitê interino da Convenção sobre Diversidade Biológica, que se encontra reunido em Bangcoc, na Tailândia, decidiu-se pela renovação da moratória internacional sobre a utilização da controvertida tecnologia "Terminator", responsável pela esterilização de sementes de produtos geneticamente modificados

Trata-se de um gene utilizado pela indústria de sementes em variedades vegetais transgênicas, destinado a impedir que o grão produzido seja utilizado pelo agricultor como semente, em novo ciclo de produção (veja matéria abaixo), como forma de fortalecer, em proveito da indústria de sementes, a proteção sobre o direito de propriedade.

A proposta de suspensão da moratória havia sido apresentada em Bangcoc pelo Canadá, que foi apoiado pela Nova Zelândia e Austrália, além de representantes da indústria da biotecnologia e de empresas comerciais do ramo, entre elas a Monsanto, Delta & Pine Land, Crop Life International, PHARMA e a Federação Internacional de Sementes, que se manifestaram contra a manutenção de restrições ao desenvolvimento das chamadas (pelos opositores) "sementes suicidas". A delegação dos Estados Unidos acompanhou com interesse a moção canadense, mas não votou porque os EUA não são signatários da Convenção da Diversidade Biológica (CDB).

A CDB - instrumento multilateral considerado de grande valia para a defesa dos interesses dos países em desenvolvimento detentores de mega-biodiversidade - estabelece normas de acesso aos recursos genéticos e assegura às comunidades tradicionais, responsáveis por sua conservação, o direito à participação no benefício econômico resultante de sua exploração. A manutenção da moratória foi atribuída pelos observadores às intervenções da Noruega, Suécia, Áustria, Comunidade Européia, Cuba, Peru e Libéria, este país em nome do grupo africano. Uma nova decisão sobre a questão será tomada na reunião do conselho consultivo da CDB, em março de 2006.

"A comunidade internacional precisa saber que a tecnologia Terminator é uma ameaça real e atual. A indústria da biotecnologia encontra-se a um passo de poder comercializar sementes suicidas, e somente uma proibição definitiva vai impedi-la de chegar aos campos de lavoura", declarou Hope Shand, da organização não-governamental ETC.

Cientistas favoráveis à utilização da tecnologia e que preferem chamá-la de GURT (tecnologia genética de uso restrito) argumentam que a sua eventual contribuição estaria em prevenir a polinização cruzada entre plantas geneticamente modificadas e plantas "normais".

A moratória foi declarada em 1998, com base no princípio de precaução, que recomenda cautela ante o seu possível impacto na biodiversidade agrícola, na cultura tradicional do produtor rural, de habilidade no cruzamento e melhoramento genético das plantas domesticadas, e no risco de que os "genes da esterilização" possam contaminar plantas silvestres.

Uma tecnologia sob o princípio da precaução

A tecnologia Terminator consiste na inserção de um gene em uma semente geneticamente modificada que vai gerar grãos estéreis quando da semeadura destes. Isso obriga os agricultores a renovar a sua dependência na compra de sementes de transgênicos por ocasião do novo plantio, em vez de utilizar como sementes os próprios grãos colhidos, a exemplo do que têm feito há milhares de anos. Terminator, ou "semente suicida", é o nome conferido à tecnologia por grupos de ativistas inconformados com o fato de que a sua utilização poderia impedir os agricultores de prosseguir no seu trabalho milenar de cruzamento e de melhoramento genético de sementes locais.

Defensores dos GURTs argumentam que a tecnologia é útil, entre outras razões por atender aos requisitos da biosegurança e por se constituir como instrumento da "agricultura de precisão", na qual determinadas características da planta - como resposta ao estresse ou desenvolvimento vegetativo -, podem ser ativadas ou desativadas pelo agricultor, de acordo com as suas conveniências. Mas a adoção dos GURTs continua sendo objeto de acirrado debate. Eles são considerados por seus críticos como a mais imoral aplicação da biologia molecular e da engenharia genética até agora conhecida.

A tecnologia GURT é resultado de uma parceria entre o governo dos EUA e a indústria norte-americana de sementes, desenvolvida com o propósito de transferir para o controle da indústria - a título de remuneração do investimento - a capacidade natural de reprodução da semente e impedir dessa forma que o agricultor dela seja um multiplicador, como sempre o foi desde o início da agricultura.

Quando se tornaram conhecidas pela primeira vez em 1998, as "sementes suicidas" desencadearam uma avalancha de protestos, o que obrigou a empresa Monsanto a suspender a sua utilização e levou os 188 signatários da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) - entre eles o Brasil - a promover uma moratória para sustar o seu desenvolvimento.

FAO recomenda cautela

A Organização da ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO) lançou advertência sobre os possíveis impactos negativos do Terminator na biodiversidade e na habilidade natural das plantas domésticas de se adaptar à mudança. A essa tomada de posição, Sutat Sriwatanapongse, presidente da Biotechnology Alliance Association, que congrega as indústrias de sementes, responde: "Trata-se de uma questão de tecnologia; é apenas uma alternativa para os agricultores. Se acharem que estão sendo explorados, eles podem não utilizá-la".

A pergunta que fazem os cientistas holandeses Derek Eaton, Frank van Tongeren, Niels Louwaars, Bert Visser e Ingrid van der Meer - em ensaio intitulado "Economic and policy aspects of terminator technology" - é se é possível parar com a pesquisa sobre a utilização dos GURTs. Atualmente, respondem eles, são poucas as opções à disposição dos governos para isso. Legislação sobre biosegurança não pode ser facilmente utilizada para proibi-los, uma vez que os GURTs, em si mesmos, na sua maioria não representam uma ameaça específica à segurança alimentar nem ao meio ambiente.

A conclusão dos cientistas holandeses é que não há informação suficiente para se fazer uma valiação dos potenciais impactos econômicos e sociais dos GURTs. Na sua opinião, a tecnologia pode oferecer incentivos valiosos para incrementar a inovação na indústria biotecnológica de sementes, mas com limitada repartição de custos e benefícios. Tudo sopesado, concluem os cientistas, as implicações do desenvolvimento dos GURTs tornam-se objeto de preocupação, especialmente na perspectiva dos agricultores mais pobres, os mais vulneráveis.

A exemplo do que ocorre no caso de muitas inovações tecnológicas, são o agronegócio e os agricultores de renda mais elevada os seus mais prováveis beneficiários. Considerados os riscos potenciais, a simples proibição dos GURTs pode ser desejável para muitos países em desenvolvimento, mas a sua implementação será difícil de um ponto de vista legal.

A saída poderia residir no recurso ao mecanismo de resolução de controvérsia no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Muitos países em desenvolvimento, no entanto, poderão sentir-se livres para adotar legislação com vistas à redução dos custos e dos riscos - concluem.

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OBS: A tradução da Gazeta para a sigla GURTs ("tecnologia genética de uso restrito") está errada.

A tradução mais correta, mesmo mantendo um vocabulário calcado no inglês ("Genetic Use Restriction Technologies") é "Tecnologias Genéticas de Restrição ao Uso", ou seja, a planta transgênica é programada geneticamente para ser usada sob condições restritivas, determinadas pelo "dono" da semente.

Também é bom esclarecer o equívoco da alegação favorável ao Terminator/GURTs citado aqui, segundo a qual determinadas características da planta poderiam ser ativadas ou desativadas "pelo agricultor, de acordo com as suas conveniências". Não existe pesquisa neste sentido pelas empresas detentoras da tecnologia. O único objetivo destas é ativar ou desativar tais características de acordo com seu próprio interesse, tipicamente através do uso de produtos químicos como adubos ou agrotóxicos, também patenteados e monopolizados por elas.

Em geral, no entanto, a matéria é equilibrada, didática e útil. Pena que o CIB não identifique os autores das melhores matérias que reproduz em seu site.

David Hathaway
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Gazeta Mercantil, Brasil, 16-2-05

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