Nanotecnologia exige urgente controle e regulamentação de riscos

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Não falta entusiasmo em relação à tecnologia desenvolvida em escala de um bilionésimo do metro (nano)

Todas as 500 maiores corporações do mundo investem em pesquisa e desenvolvimento nessa ciência que lida com o infinitamente pequeno, mas que promete lucros na casa de um trilhão de dólares para 2011, segundo a Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos. Tantos elogios escondem, no entanto, os riscos e impactos que as mudanças de propriedades da nano matéria podem causar na saúde, meio ambiente, economia e, sobretudo, na sociedade. Não existe no mundo qualquer regulamentação de uso e risco dessa tecnologia. “Está na hora das Nações Unidas olharem para as novas tecnologias antes que elas causem impactos”, pediu Pat Mooney, da ONG Grupo ETC, durante a 8ª Reunião da Convenção das Partes (COP-8), que acontece em Curitiba (PR).

A sugestão é que se crie uma Convenção Internacional de Tecnologia como um meio de colocar as questões, desde o início, em discussão nas Nações Unidas. A preocupação justifica-se uma vez que os produtos gerados a partir da nanotecnologia já estão à disposição do consumidor e podem, potencialmente, atingir todos os setores da economia, do farmacêutico ao alimentício, do militar ao meteorológico.

“Nessa escala já não há diferença entre a matéria viva e inerte”, explicou Hope Shand, cientista social e diretora executiva da ETC. Isso porque os novos produtos e materiais que estão surgindo possuem comportamentos químicos, físicos e biológicos distintos daqueles equivalentes na escala original e, portanto, necessitam de testes de riscos e controle próprios. O cobre, por exemplo, torna-se cerca de 50 vezes mais flexível, os cabos feitos de nanotubos de carbono podem conduzir até dez vezes mais eletricidade, partículas de 50 nanômetros já não são reconhecidas pelo sistema imunológico das células e a potencialidade da toxicidade de partículas é amplificada.

O grande problema, segundo o Grupo ETC, é que a tecnologia em escala nano está fugindo da capacidade dos governos a compreenderem. De janeiro a maio do ano passado, já havia o registro de 726 patentes nos Estados Unidos, Japão, Alemanha e Austrália. Em 2004, foram 2.498 apenas no escritório de patentes norte-americano. “Os custos de transação de uso e dependência dessas patentes é enorme”, alertou Shand.

Um dos maiores impactos às populações mais pobres é que a nanotecnologia já cativou indústrias como a têxtil, com seus tecidos que não amarrotam ou sujam e podem mimetizar a qualidade de fibras como o algodão. Já são hoje 80 empresas mundiais do setor desenvolvendo produtos com a nova tecnologia. Desta forma, a cientista social teme que a produção de commodities em países em desenvolvimento seja colocada em cheque, aumentando ainda mais o fosso entre pobres e ricos.

Nano-organismos
A biotecnologia deve encontrar novas alternativas quando combinada à escala nano. Craig Venter, responsável pela conclusão do genoma humano antes do governo norte-americano, ganhou a corrida, patenteou inúmeros genes de interesse e agora olha a nanotecnologia como fonte de grandes descobertas e possibilidades de negócios. Venter fundou a empresa Synthetic Genomics e, com financiamento de US$ 3 milhões do Departamento de Energia de seu país, promete que “a capacidade de construir genomas sintéticos deverá resultar em avanços extraordinários em nossas habilidades de planejar microrganismos para muitos propósitos ligados à energia e meio ambiente”. O objetivo é sintetizar novas formas de vida a partir da manipulação de átomos e do genoma. No ano passado, sua equipe obteve a primeira conquista: sintetizou um vírus, chamado de phiX174, em apenas 14 dias a partir dos mesmos 5.386 pares base de DNA da forma natural, sendo tão ativo quanto ela. Com isso em vista, as possibilidades da nanotecnologia tornam-se infinitas.

Em 1959, um artigo do físico Richard Feynman já previa que “há muito espaço lá em baixo”, referindo-se a possibilidade de um dia os engenheiros poderem manipular átomos como bem entenderem. Em 1991, a empresa IBM divulgou a primeira imagem de átomos, que juntos formavam o logotipo da empresa (resultado do posicionando de 35 átomos de xenônio sobre uma superfície de níquel), um indicativo do que a nanotecnologia se tornaria.

Se há cerca de cinco anos não se falava sobre os riscos da nanotecnologia, hoje em dia Hope Shand está mais otimista com a reação da própria comunidade científica, que começa a levar essas questões em consideração. “Não estamos pedindo que permaneça o status quo, mas queremos alertar que não estamos preparados para seus impactos profundos”, disse em meio a uma platéia composta, entre outros, por delegados de algumas das 188 nações membros da Convenção de Diversidade Biológica das Nações Unidas.

Com Ciência, Internet, 24-3-06

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