Solo da Amazônia está na mira de biopiratas

Idioma Portugués
País Brasil

Os biopiratas internacionais não contrabandearam apenas sangue de índios de Rondônia. Além da venda do DNA dos índios Karitiana e Suruí, eles passaram a contrabandear até amostras de solo de algumas regiões da Amazônia

Em vários países da Europa e nos Estados Unidos, os biopiratas chegaram a ponto de mapear, com a ajuda de satélites, extensas áreas da região de grande concentração da TPA - Terra Preta Arqueológica, de alto índice de fertilidade. A revelação é do pesquisador Frederico Arruda, do Departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade Federal do Amazonas.

Segundo Arruda, o material está sendo levado da Amazônia por pesquisadores europeus e norte-americanos. Rica em nutrientes de cálcio, carbono, magnésio, manganês, fósforo e zinco, o que a torna mais fértil, a espécie de terra amazônica vem sendo testada na Espanha e na Áustria, entre outros países europeus, para aumentar a fertilidade dos solos destinados à agricultura.

“Isso é um roubo que precisamos coibir, e logo”, diz Arruda. Ele acrescenta que a retirada desse tipo de amostras de solo “é mais uma prova de que a Amazônia tornou-se porteira aberta à pirataria”. Ainda de acordo com o pesquisador, isso só ocorre por falta de uma lei que puna com rigor os crimes de biopirataria.

Arruda ainda revelou que extratos de plantas, microorganismos e insetos diversos, além dos conhecimentos indígenas, estão sendo roubados de forma indiscriminada da Amazônia. “Ou seja, estão praticando um verdadeiro assalto ao nosso patrimônio genético”.

De acordo com o pesquisador, a maioria dos casos de biopirataria são praticados com a ajuda de ONGs e movimentos religiosos que atuam na região, ou por meio da camuflagens legais, os chamados convênios de cooperação na área de pesquisa. Por meio desses acordos, diz, os materiais de pesquisa, como fármacos, por exemplo, saem legalmente, como sai o DNA humano ou qualquer coisa.

Investigação - Para evitar o que chama de “sangria da biodiversidade”, o professor Frederico Arruda defende uma investigação rigorosa do teor dos convênios assinados no Brasil com instituições de ensino internacionais. Ele diz que essa investigação deve ser feita porque, na maioria das vezes, esses convênios transformam os pesquisadores brasileiros em meros coletores de materiais. Arruda reconhece que, muitas vezes, parte de amostras (essências farmacológicas, por exemplo) é mandada ilegalmente para laboratórios internacionais.

Arruda cita como exemplo o caso das rãs do gênero Phyllomedusae existentes no sudoeste da Amazônia. Essas espécies de rãs são verdadeiras fábricas de substâncias biologicamente muito ativas, incluindo alucinógenas e analgésicas, e muito ativas na área cardiovascular. Em 1977, o laboratório Simens propôs uma parceira com a Universidade Federal do Amazonas. O acordo previa que os pesquisadores amazonenses fariam a coleta das substâncias e seriam incluídos apenas como co-autores da pesquisa.

Na proposta, segundo Arruda, o laboratório até sugeria como as substâncias coletadas deveriam ser enviadas. “Eles diziam, na maior cara-de-pau, que as amostras deveriam ser colocadas em envelopes fortes e enviadas pelos Correios para São Paulo”, lembra. De acordo com o pesquisador, esse caso do laboratório Siemens retrata fielmente a prática da biopirataria que ocorre no País por meio dos acordos de pesquisas.

Perdas - O tráfico de plantas, animais e outros recursos genéticos do País, ou biopirataria, como o negócio é popularmente conhecido, movimenta uma fábula de dinheiro: US$ 60 bilhões anuais. O valor é quase 10% do PIB - Produto Interno Bruto brasileiro de 2004, de R$ 1,514 trilhão. O PIB é a soma de tudo que o País produz.

Segundo o deputado Mendes Thame, a biopirataria é a terceira atividade ilegal mais rentável do mundo. Só perde para o tráfico de drogas e de armas. Ele explicou que, no Brasil, não há cálculos exatos de quanto o País perde com essa atividade. Mas o Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis estima que em apenas um dos ramos da biopirataria, o tráfico de animais, o País perde cerca de US$ 1 bilhão. Mendes Thame avalia que isso só acontece porque o Brasil não dispõe de uma legislação que puna com rigor a biopirataria.

Durante as investigações, Thame afirmou que a CPI da Biopirataria está contando com a ajuda da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. A atuação dos dois órgãos, segundo ele, tem contribuído para impedir que o patrimônio genético brasileiro seja dilapidado como está sendo atualmente. Thame explica que uma das ações que a CPI está trabalhando é o controle da entrada de pesquisadores estrangeiros no Brasil. “Sem isso, o País vai continuar sendo roubado”, ressalta. (Chico Araújo - Página 20/AC)

Ambiente Brasil, Internet, 24-3-05

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