Brasil: Carta da ANA ao Ministério do Desenvolvimento Agrário

"Estamos mobilizados em defesa das instituições democráticas e dos direitos conquistados nos últimos anos por amplos setores do povo brasileiro, historicamente excluídos das ações do Estado. Temos reiterado em nossos documentos nossas críticas ao atual modelo de desenvolvimento concentrador de riquezas e ambientalmente predatório que privilegia a expansão dos monocultivos com uso intensivo de agrotóxicos e transgênicos, além de mega-empreendimentos de mineração que geram impactos sociais e ambientais negativos em muitas regiões do país..."

Brasília, 23 de fevereiro de 2016.

 

Exmo. Sr. Patrus Ananias, Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário

  • Temos acompanhado com grande apreensão o cenário político no Brasil. A ANA e outros diversos movimentos sociais e redes têm se manifestado em defesa da democracia e contra as investidas golpistas. Estamos mobilizados em defesa das instituições democráticas e dos direitos conquistados nos últimos anos por amplos setores do povo brasileiro, historicamente excluídos das ações do Estado. Temos reiterado em nossos documentos nossas críticas ao atual modelo de desenvolvimento concentrador de riquezas e ambientalmente predatório que privilegia a expansão dos monocultivos com uso intensivo de agrotóxicos e transgênicos, além de mega-empreendimentos de mineração que geram impactos sociais e ambientais negativos em muitas regiões do país. Também reconhecemos os muitos avanços nas políticas direcionadas à agricultura familiar, às mulheres, às comunidades indígenas e aos povos e comunidades tradicionais.
  • O MDA precisa estar vigilante em relação à agenda legislativa, uma vez que há diversos projetos de lei já apresentados ou em elaboração que restringem direitos dos/as agricultores/as e das comunidades tradicionais. Chamamos atenção para os projetos que restringem os direitos dos/as agricultores/as e das comunidades tradicionais ao livre uso da biodiversidade.
  • Para a ANA, é motivo de enorme preocupação cortes de recursos em políticas públicas direcionadas à reforma agrária, à agricultura familiar, às mulheres e à juventude rural, aos povos indígenas e aos povos e comunidades tradicionais, como os que vimos em 2015. Políticas garantidoras de direitos precisam ser priorizadas e ampliadas e isso se expressa em primeiro lugar pela dotação orçamentária a elas alocada.
  • Consideramos de grande importância o destaque da gestão atual do MDA à reforma agrária, à agroecologia, à produção de alimentos saudáveis e à necessidade de enfrentar o uso descontrolado de agrotóxicos, bem como a dinamização dos territórios rurais com fomento à participação social. Os posicionamentos públicos do ministério estão coerentes com a ideia de internalização do enfoque agroecológico no desenho das estratégias e instrumentos de políticas públicas, o que vai além da visão da agroecologia como um nicho de mercado ou um sistema de produção. No entanto, entendemos ser fundamental uma defesa mais firme dos direitos da agricultura familiar e dos povos e comunidades tradicionais frente às ameaças.
  • O MDA e o INCRA precisam ter as suas estruturas fortalecidas e mais recursos orçamentários assegurados, para melhor atendimento às demandas das políticas direcionadas ao público da agricultura familiar e à reforma agrária.
  • Destacamos a importância de realizarmos uma conferência ou uma grande audiência pública sobre a questão da reforma agrária, acesso à terra e direitos territoriais, como tem sido anunciado enfaticamente pelo Ministro. Avançar na efetivação da reforma agrária e na garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas e dos povos e comunidades tradicionais é pré-condição para a promoção da agroecologia.
  • Demandamos que o MDA continue atuando politicamente, no âmbito do governo federal, na defesa da institucionalização doPrograma Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). Este foi um compromisso do governo federal com a sociedade brasileira, anunciado pela Presidenta Dilma na Marcha das Margaridas em agosto de 2015, e ainda não cumprido. É uma questão séria de saúde pública. O MDA deve intensificar diálogos com a Casa Civil e Secretaria de Governo da Presidência da República, bem como com outros ministérios envolvidos, como Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) e Saúde, para que o programa seja, enfim, instituído.
  • Consideramos positiva a proposta de lançamento do II Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (II Planapo)junto ao Plano Safra 2016/2017, conforme discutido na Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO). É preciso o empenho do MDA junto à Presidência da República, Secretaria de Governo, Casa Civil, MAPA e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e aos demais ministérios envolvidos na política, para que este prazo seja cumprido.
  • A ANA participou ativamente, na CNAPO, das discussões sobre o II Planapo. Temos a expectativa de ver as demandas da sociedade civil acolhidas integralmente, com os recursos assegurados. Destacamos a importância do novo eixo “Terra e Território”, que torna a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) mais coerente com os princípios da agroecologia, contemplando nesta metas e iniciativas estruturantes. Destacamos também o interesse dos povos indígenas, quilombolas e extrativistas pela PNAPO, os debates que associam a PNAPO com o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas e com o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
  • Ressaltamos a importância da participação ativa da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) no II Planapo. A SDT deve criar instrumentos para o monitoramento efetivo do Planapo nos territórios rurais, bem como ter a agroecologia como componente central nas suas estratégias, elegendo territórios prioritários em todos os biomas do país, em diálogo com a ANA, que leve em conta a existência de redes ativas de promoção da agroecologia nos territórios.
  • A execução dos projetos das chamadas de ATER vem enfrentando problemas graves de atrasos nos pagamentos às entidades executoras, além de dificuldades com a falta de pessoal do MDA para operacionalização. O MDA precisa resolver urgentemente estes problemas. Além disso, é necessário que permaneçam abertos canais formais de interlocução entre o MDA e a sociedade civil sobre as chamadas de ATER e que o Ministro se empenhe para assegurar recursos para a política de ATER. É preciso garantir o poder decisório do MDA e do CONDRAF na definição da política de ATER. Compreendemos que cabe à ANATER o papel de operacionalizar a política tal como definida pelo MDA. O Ministério deve apoiar, com recursos, as redes estaduais e regionais de ATER para intercâmbio de experiências e formação dos técnicos.
  • Conforme proposta para o II Planapo, demandamos a criação de um fomento destinado aos/às agricultores/as beneficiários/as das chamadas de ATER Agroecologia e ATER mulheres e a ampliação do fomento mulher para assentamentos da reforma agrária.
  • Em relação ao crédito, propomos a instituição de um grupo de trabalho entre o CONDRAF e a CNAPO para a formulação de propostas de aprimoramentos para ampliação do acesso ao Pronaf Agroecologia e ao Pronaf Produtivo e Orientado, a serem inseridas no Plano Safra 2016/2017. Propomos também a realização de uma pesquisa de avaliação do Pronaf em todas as regiões do país.
  • Pedimos ao Ministro Patrus empenho para garantir a continuidade e ampliação do Programa Ecoforte. Trata-se de iniciativa inovadora e recente da PNAPO de apoio às redes territoriais de promoção da agroecologia. É necessário garantir que o comitê gestor do programa funcione com dinamismo, e que sejam alocados recursos dos ministérios, do BNDES e da Fundação Banco do Brasil, para a continuidade do apoio às redes atualmente contempladas e para a ampliação para outras redes.
  • Reivindicamos que o MDA destine recursos (R$ 20 milhões em 2016) para que o CNPq publique edital para continuidade do apoio aos núcleos de agroecologia nas universidades e institutos federais. Trata-se de iniciativa bem sucedida, com resultados bastante satisfatórios, conforme demonstrado na última reunião da CNAPO. Porém, os projetos encerram em julho deste ano.
  • Consideramos importante que o MDA atue politicamente para a convocação de uma reunião do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) para avaliar a situação dos transgênicos no país. A última reunião do CNBS foi em 2008.
  • Consideramos estratégica a efetivação do Programa Nacional de Sementes e Mudas para Agricultura Familiar. O MDA deve assegurar recursos, junto ao MDS e a outros órgãos, para continuidade do apoio aos bancos comunitários de sementes no semiárido e a ampliação para outras regiões, bem como promover chamadas de ATER sobre sementes, da qual possam participar agricultores/as que sejam beneficiários de outras chamadas.
  • Seguimos à disposição para dialogar com o MDA sobre as questões acima levantadas.

Fonte: http://www.agroecologia.org.br/

Temas: Agroecología

Comentarios