Brasil: Experiência agroecológica fortalece produção de alimentos saudáveis

"A agroecologia não é só pensar no alimento. Não é um projeto pronto ou parecido com o pacote verde que vem desde os anos 1960 com a Revolução Verde que dizia que iria tratar o povo e ser a solução para o Brasil e para a sociedade. Hoje vemos que ela foi o maior estrago que foi implantado. Mas a agroecologia é muito ampla e traz muito conhecimento para nós. A agroecologia é você respeitar a terra e o ser humano."

Produtor orgânico há décadas, Antonio Capitani conta sobre a formação da Cooperativa Terra Livre

Pioneiro no cultivo de orgânicos no Assentamento Contestado, no município da Lapa, interior do Paraná, Antônio Capitani (58) é membro da Cooperativa Terra Livre, criada pelas próprias famílias de agricultores. A iniciativa conta com cerca de 300 associados, entre assentados, pequenos produtores, quilombolas e faxinalenses da região.

 

“No início, enfrentamos críticas porque as pessoas achavam que para fazer roça era preciso mecanizar tudo”, conta Capitani sobre a resistência inicial dos produtores. Hoje, 84 famílias do Contestado possuem hortas orgânicas certificadas.

 

As famílias se dividem nas tarefas da administração da Cooperativa e priorizam, cada uma delas, a produção de cinco itens como frutas, hortaliças, legumes, entre outros. A organização alcançou certo grau de industrialização, que permite o início da produção de embalagens e empacotamento de alimentos a vácuo.

 

Capitani é um dos participantes da 15ª Jornada de Agroecologia em Lapa, sul do Paraná, que se estende até sábado (30). Em entrevista ao Brasil de Fato, ele conta como foi o início da produção agroecológica no Assentamento Contestado, que é uma referência de experiência para o Movimento dos Trabalhadore Rurais Sem Terra (MST), na qual 60 famílias se engajam atualmente. “Para o produtor, a agroecologia não muda apenas a produção, mas as relações humanas. “Se eu botar veneno nos alimentos que saem da minha terra eu sei que vou morrer. Mas eu vou ter coragem de passar esse produto para ouras pessoas comerem? Não, eu não teria coragem”, confessa.

 

Confira a entrevista.

 

Brasil de Fato – Como se deu o início da produção orgânica no Assentamento Contestado?

 

Antônio Capitani- A ocupação do Assentamento Contestado aconteceu no dia 7 de fevereiro de 1999. Inicialmente havia 108 famílias. Hoje, com os filhos dos assentados, já somos 150 famílias que se alimentam daquilo que produzimos. Quando viemos para cá, o Movimento Sem Terra tinha uma proposta que era a de trabalhar a produção orgânica. Ainda não falávamos em agroecologia naquela época. Dentro disso, a ideia era que pudéssemos ir, aos poucos, eliminando os venenos e cuidando da questão ambiental. O assentamento deveria virar uma referência de produção para o MST. E começamos a trabalhar isso com grupos pequenos de famílias. Hoje, somos organizados em dez núcleos familiares, cada um com dez a quinze famílias. E dentro dos núcleos há divisões entre sete setores, como coordenação política, saúde, educação e cultura.

 

Quais as famílias que iniciaram esse processo?

 

Cada uma das famílias, que vieram de dez regiões do estado, de diversos acampamentos, tinham sua forma de pensar e produzir. Mas aqui, tivemos que fazer todo um estudo para recolher dados, porque o clima e o solo eram diferentes. No início, a produção orgânica não se deu com todas as famílias. Começamos com um grupo pequeno que já veio com experiência de outras regiões. Eu fiz parte desse grupo inicial. Entendi a proposta e fui sempre defendendo e ajudando. Começamos com um grupo de nove pessoas, que conseguiram trabalhar com produção certificada por meio da Rede Ecovida. No início, enfrentamos críticas, porque famílias achavam que para fazer roça era preciso mecanizar tudo. Houve um grande confronto de ideias. Mas, aos poucos, conseguimos realizar um projeto de venda de produtos com quinze famílias. Foi então que formamos a Associação Contestado.

 

E a Cooperativa Terra Livre, como surgiu?

 

Primeiro, nós criamos a Associação Constestado com 30 famílias, para ser nossa pessoa jurídica e ajudar na comercialização. E através da associação pudemos fazer a venda dos produtos e trabalhar a ideia de ir incluindo mais famílias. Ampliamos a ponto de termos 80 famílias associadas. Aí começou uma demanda maior em termos de produção e prestação de contas. Então, veio a ideia de criamos uma cooperativa, a Terra Livre, que iniciou com 60 sócios. A ideia era trabalhar só com famílias certificadas que produziam orgânicos, mas também com pequenos agricultores da região, quilombolas e faxinalenses. Hoje, a cooperativa, com cinco anos, tem 300 e poucos associados. Fazemos entrega de produtos para o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], para a merenda escolar [PNAI], e agora estamos organizando cesta de produtos.

 

Como funciona a Cooperativa e que tipo de produtos são cultivados?

 

Através da cooperativa nós passamos a reunir nossos produtos uma vez por semana. Hoje, trabalhamos a semana inteira. A gente recolhe os produtos de casa em casa e leva até a agroindústria. Os alimentos saem lavados das casas e com selo. Na cooperativa, fazemos o controle e, no final do mês, chega o pagamento para famílias. Começamos plantando dez itens por família. Mas chegou um momento em que precisávamos de quantidade e qualidade. Então, decidimos trabalhar em torno de cinco itens por famílias. Aqui em casa eu trabalho cinco itens, mas não me impede de plantar outros. Planto mais de dez itens: salsinha, cheiro verde, temperos, alface, beterraba, cenoura, couve, repolho chicória, almeirão, mostarda, etc. Tudo orgânico. Desde que cheguei no assentamento, nunca usei ureia ou adubo químico. Nunca precisei usar veneno. A única coisa que usamos é adubo certificado, um pouco de calcário para corrigir acidez e pó de rocha. Se não, é tudo aproveitado da própria natureza, que é a capineira, adubo verde, palhada, composto. E agora dentro das agroflorestas estamos ampliando isso. Temos a bananeira, por exemplo, que utilizamos como matéria orgânica

 

O que é e como surgiu a necessidade de ter uma agrofloresta?

 

Da produção orgânica fomos ampliando o debate para a agroecologia. E dentro da agroecologia existe a agrofloresta. Iniciamos a plantar agrofloresta faz quatro anos. Ela não está desligada da horta, pois entra dentro da produção como uma visão de poder fazer o próprio depósito de adubo, que é o aproveitamento da galha da madeira, da palhada, de tudo isso. Ela te dá mais conhecimento porque te traz um elemento muito forte que é você se tornar autônomo sem depender de adubo de fora. E também traz ensinamento de como poder fazer barreiras que ajudam no controle do vento, que é o que mais estraga o solo e prejudica as plantas. Elas traz diversidade de árvores e um conhecimento que não passava pela nossa cabeça. Não imaginávamos que era possível intercalar frutas e plantas. Já são 60 famílias na agrofloresta e 84 famílias com hortas orgânicas certificadas. Outras não fazem, porque ainda não têm conhecimento, mas a gente se desafia. Quem aprende vai ensinando os outros para que venham produzir também.

 

Como o senhor explica o que é agroecologia?

 

A agroecologia não é só pensar no alimento. Não é um projeto pronto ou parecido com o pacote verde que vem desde os anos 1960 com a Revolução Verde que dizia que iria tratar o povo e ser a solução para o Brasil e para a sociedade. Hoje vemos que ela foi o maior estrago que foi implantado. Mas a agroecologia é muito ampla e traz muito conhecimento para nós. A agroecologia é você respeitar a terra e o ser humano. Se eu botar veneno nos alimentos que saem da minha terra eu sei que vou morrer. Mas eu vou ter coragem de passar esse produto para ouras pessoas comerem? Não, eu não teria coragem, porque minha consciente não mandaria eu matar ninguém. Hoje o capitalismo manda matar sem dar um tiro, pois ele já está dando um tiro com veneno. Além de estar explorando e matando a terra. E a agroecologia vem dizer para nós que todos vamos ter que acordar para isso. A humanidade está doente não por culpa dela, mas porque alguém quis ganhar dinheiro em cima disso.

 

Existem investimentos externos ou programas do governo para incentivar esse projeto? Que tipo de incentivo vocês recebem para a produção?

 

A primeira coisa é que tínhamos dificuldade, porque quem fazia a comercialização dos produtos eram comerciantes e atravessadores. Nós fazíamos tudo e, na hora de vendar, ganhávamos pouco. Mas nos desafiamos a fazer a comercialização por nós mesmos. Vendemos os produtos a partir de uma tabela feita pelo próprio governo, dizendo quanto cada produto deve custar. Por parte do governo, entendemos que, através das lutas sociais, pressionamos pela criação do programa da merenda escolar e para que criassem o PAA, que, com a crise, está em risco. A nossa orientação e assistência técnica também é própria nossa. Nossos técnicos, via Cooperativa, trabalham por troca de uma ajuda de custo, mas sabemos que eles merecem mais.

 

Vocês vendem esses produtos também em feiras locais?

 

Nós trabalhamos no início com as ferias, mas quando ampliou o número de pessoas e de produtos, elas não davam mais conta. Já fizemos venda de porta em porta também, mas tivemos que ampliar a entrega. Já chegamos a reunir vinte toneladas semanais em época de verão e no forte da produção. Na Cooperativa temos de 15 a 20 itens, aproximadamente 500 caixas de produtos. Com a câmara fria, começamos a embalar mandioca e abóbora a vácuo para e o outro foi um projeto do Governo Federa, através do Incra, para implementação das maquinas na agroindústria. Estamos indo de passo a passo, não temos pressa, porque aprendemos que a pressa é inimiga de qualquer ser humano. Na produção é a mesma coisa. A natureza é quem ensina a gente.

Camilla Hoshino e Camila Rodrigues
Brasil de Fato, da Lapa (PR)
Fotos internas: Gabriel Dietrich / Vídeo: Camila Rodrigues
Edição: Simone Freire

 

Fonte: Jornada Agroecologia

Temas: Agroecología