Carta final da II Tenda Multiétnica – Povos do Cerrado: “A maior violência é a negação do nosso direito de existir”

Idioma Portugués
País Brasil

"Nós teremos a oportunidade de ajudar a enterrar esse sistema e ajudar a criar outro. Não é um momento de desespero, mas sim de esperança. Seguiremos em luta, em defesa de nossos povos, de nossos saberes, contra toda e qualquer violência, repudiando e combatendo o genocídio, seguindo no modelo do bem viver, pela autonomia de nossos territórios e por alimentos saudáveis e livres de venenos, e em defesa do Cerrado e de suas águas. Fora Temer!"

Nós, povos tradicionais, indígenas, quilombolas, camponeses e camponesas, reunidos na II Tenda Multiétnica – Povos do Cerrado, realizada de 20 a 24 de junho durante o 19º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA) na cidade de Goiás (GO), que traz em cada pedra de seu calçamento o suor dos homens e das mulheres escravizadas, em suas ruas símbolos dos bandeirantes, que mataram tantos irmãos indígenas, e banhada pelo rio Vermelho, que já teve em suas águas o sangue de nossos povos, reafirmamos o nosso direto de existir, de manter nossa cultura, nosso modo de produção em sintonia com a natureza, e por nossas terras e territórios livres. Mais uma vez denunciamos as constantes ações de violência contra nossos povos e contra nossos territórios, contra o meio ambiente, atuando na destruição do Cerrado, nossa casa. E reafirmamos que, mesmo diante dessa violência, vamos permanecer na luta, junto aos nossos encantados, carregando os saberes de nossos antepassados, e a memória de nossos mártires, que não tombaram em vão!

O momento político conturbado que nosso país está vivendo, com o governo ilegítimo de Temer, tem intensificado a investida do capital contra nossas comunidades. Acirrou-se a violência no campo. Estão caçando nossos povos, os e as militantes das nossas causas e tantos apoiadores e apoiadoras, que caminham conosco em busca da Terra Sem Males. A CPI da FUNAI e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que irá indiciar companheiros e companheiras de luta, indígenas e antropólogos, tentando dessa forma enfraquecer e amedrontar quem comunga dos mesmos ideais que os nossos e que acreditam num modelo de sociedade diferente, em que o capital não reina e os povos vivem em harmonia entre si e com o meio ambiente, são exemplos concretos disso. Bem como os constantes assassinatos, que têm aumentado nos últimos anos, matando 61 pessoas em 2016, conforme denunciou a Comissão Pastoral da Terra (CPT), e que já registrou 41 assassinatos em 2017.

A tentativa de massacre dos indígenas Akroá Gamella, no Maranhão, que sofreram um ataque que deixou 22 feridos e dois indígenas tiveram suas mãos decepadas, revela que o latifúndio, o Estado e o capital estão à vontade na sua ação genocida, tendo a certeza de que não serão punidos.

Mesmo diante desse cenário, reafirmamos que não iremos fraquejar. Cada militante sabe que suas escolhas têm um custo, cada lutador e lutadora sabe dos riscos que corre, mas sabemos, também, que estamos do lado certo, “porque nossa luta é justa e vale a pena”.

O campesinato e os povos originários nunca foram uma prioridade para o Brasil, e nem para o governo brasileiro. As ações do Estado sempre foram em prol do agronegócio. Porém, sabemos que a produção camponesa é a única alternativa para a produção de alimentos saudáveis e para a preservação do meio ambiente. Sabemos que o modo de vida dos povos tradicionais é a única saída para a preservação do que ainda resta da natureza e para o equilíbrio do nosso planeta. Diferentemente do agronegócio, que destroi tudo e todos, que envenena tudo, que escraviza os trabalhadores e trabalhadoras, o campesinato se consolida e fortalece a partir da diversidade. A lógica é completamente diferente.

Pensar um modelo de produção no campo implica pensar que modelo de país nós queremos, se queremos ser exportador de mão de obra barata ou ser um país soberano, independente? Se o agronegócio só produz visando o lucro, contaminando as terras, as águas e as pessoas, o campesinato produz alimentos saudáveis capazes de alimentar a população brasileira.

Terra para nós, povos tradicionais, não é negócio. A terra é nossa mãe. Para o homem branco, comprometido com a acumulação de riqueza, ela é negócio, por isso ele a queima e a envenena. Nós não fazemos isso. Nós queremos a nossa mãe, a terra, viva! Nós queremos o cerrado, nossa casa, em pé!

A crise nos aponta a esperança de mudanças. Toda crise nos leva à reflexão, a repensar o caminho que estamos seguindo. Esse momento de crise civilizatória se mostra como uma oportunidade para que nós, brasileiros, questionemos o modelo hegemônico imposto pelo capital e encontremos nisso a esperança para a construção de uma nova sociedade.

Vivemos uma crise mundial e sistêmica, é o modo de produção capitalista que está entrando em colapso, e não há mais solução dentro desse modelo. Esse sistema está falido, ele ainda é forte, é perigoso, mas é uma fera ferida, e uma fera quando está ferida é perigosa. Ele está dando sinais concretos de que não vai mais prevalecer. Isso significa que nós vivemos um momento histórico oportuno, nós vivemos o fim e o começo. Nós teremos a oportunidade de ajudar a enterrar esse sistema e ajudar a criar outro. Não é um momento de desespero, mas sim de esperança. Seguiremos em luta, em defesa de nossos povos, de nossos saberes, contra toda e qualquer violência, repudiando e combatendo o genocídio, seguindo no modelo do bem viver, pela autonomia de nossos territórios e por alimentos saudáveis e livres de venenos, e em defesa do Cerrado e de suas águas. Fora Temer!

Cidade de Goiás (GO), 24 de junho de 2017.

Povos tradicionais II Tenda Multiétnica

Fonte: CPT

Temas: Crisis capitalista / Alternativas de los pueblos, Pueblos indígenas

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