O planeta marcha à catástrofe e os políticos só observam

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"A próxima data importante para a agenda do clima é a 21a Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP21), que se realizará em Paris em 2015 e onde se devem dar passos decisivos, depois da COP20 que será em Lima em dezembro. Nossos dirigentes políticos desperdiçarão novamente a oportunidade de fazer algo concreto? Continuarão a esperar e ver como o tempo se esgota para o planeta e para a humanidade?"

7 de outubro de 2014

Neste artigo Roberto Sávio, fundador da agência IPS e editor de Other News, analisa a falta de respostas concretas e o abuso de lugares comuns na Cúpula sobre o Clima, transcorrida em 23 de setembro em Nova York. Também sobre a decisiva Conferência sobre Mudança Climática, em 2015, pergunta: Nossos dirigentes políticos desperdiçarão novamente a oportunidade de fazer algo concreto? Continuarão a esperar para ver como o tempo se esgota para o planeta e para a humanidade?

Por Roberto Sávio*

Se fosse necessário demonstrar que estamos diante da total ausência de uma governança global, a Cúpula sobre o Clima, convocada excepcionalmente pelo inerte secretario geral da Organização das Nações Unidas, Bank Ki-Moon, em 23 de setembro, em Nova York, seria um exemplo muito bom.

Parece claro que finamente pousou nos líderes políticos a evidencia de que há um problema muito urgente, a mudança climática em nosso planeta.

Não obstante, a falta de respostas concretas, além do uso e abuso de lugares comuns generalizados sobre o tema, tem sido impressionante.

Sem deixar de reconhecer o problema, muitos líderes encontraram a maneira de esquivar sua responsabilidade indicando limitações em seus países.

Essa foi a fórmula a que recorreu o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, para deixar claro que o Congresso legislativo de seu país não estaria disposto a ratificar um tratado internacional sobre o clima.

Essa posição obedece neste caso a que o Congresso não aceita a vinculação dos EUA ao tratado devido a seu destino excepcional, que não lhe permite ser objeto de escrutínio ou controle por parte de outros que não seus próprios cidadãos.

Estados Unidos se converteu em um país disfuncional, onde o poder judicial, legislativo e executivo não logram cooperar, inclusive em temas cruciais.

Anant Geete, ministro indiano da Industria Pesada e Empresas Públicas, afirma que o crescimento de seu país tem prioridade absoluta, e por isso, Índia seguirá o caminho da industrialização e da energia fundada no carvão, enquanto que outras energias renováveis se incorporarão progressivamente, ainda que isso provoque que o país se converta no maior contaminador mundial.

A União Europeia não pode fazer nenhum tipo de compromisso ja que uma nova Comissão deve assumir no próximo mês e a pessoa designada para o posto de Comissário para a Ação Climática e Energia é o conservador espanhol Miguel Arias Cañete, que era um dos principais acionistas em duas empresas petroleiras espanholas, até que vendeu suas ações para garantir sua candidatura.

Nenhum problema, já que membros de sua família não seguiram seu exemplo e se mantém como acionistas e inclusive ocupam postos nos conselhos de administração das empresas. De acordo com esta mesma sensibilidade política, a nova e mais conservadora Comissão Europeia deu a carteira de Serviços Financeiros ao bem conhecido lobista da City de Londres, lorde Jonathan Hill.

Tal procedimento de compromissos políticos é como designar o conde Drácula administrador de um banco de sangue, uma nomeação que dificilmente atrairá doadores. O triste é que não faltaram documentos de base para a Cúpula do Clima.

Além de um informe elaborado pelo Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre as Mudanças Climáticas, que reúne a 3.200 cientistas de todo o mundo, existia, por exemplo, um documento do governo da Espanha, fundado em um detalhado estudos das áreas costeiras desse país, que conclui que em 2050 o nível do mar Mediterrâneo subirá um mínimo de 30 centímetros (se tomam agora as medidas de controle climático) até um máximo de 60 centímetros (se não tomam as medidas).

Isso significará que a costa litorânea retrocederá entre 20 e 40 metros com efeito evidente sobre o turismo, os portos e os assentamentos humanos costeiros. Há 100 anos, só se utilizava 12 por cento da costa, chegando a 20 por cento em 1950, a 35 por cento em 1988 e a 75 por cento em 2006. Na Espanha, 15 milhões de pessoas vivem na zona que será afetada pelas mudanças climáticas.

Obviamente, França, Grécia, Itália, Tunísia e os demais países mediterrâneos compartilharão o mesmo destino.

Outro estudo mais global, do grupo estadunidense de investigação Climate Central, estima que aproximadamente um de cada 40 habitantes no mundo, cerca de 177 milhões de pessoas, vive em áreas suscetível de inundações nos próximos 100 anos.

Isso, inclusive se forem tomadas medidas imediatas para o controle climático, 1,9 por cento da população dos países litorâneos seria afetada. No pior dos casos, a cifra seria de 3,1 por cento.

Para dar um exemplo concreto, quatro por cento da população chineza – 5- milhões de pessoas – poderiam ser atingidas. Oito dos dez grandes países com maior risco se encontram na Ásia.

A voz de Abdulla Yameen, presidente de Maldivas, passou maiormente despercebida quando recordou aos líderes na Cúpula que os pequenos países insulares, que seriam os primeiros a sofrer qualquer aumentos nos níveis do mar, constituíram uma federação para defender seu direito a existir.

Toda uma nova geração nasceu desde que se iniciou o debate sobre as mudanças climáticas, porem, não ha sinais de que a situação está melhorando.

Na década 2002-2012, as emissões globais de dióxido de carbono (CO2) aumentaram em média 2,7 por cento. Em 2013, as emissões eram as mais altas dos últimos 30 anos. Mesmo assim, o setor da energia está montando uma grande campanha para negar que haja qualquer mudança climática. Os negadores das mudanças climáticas dizem que o que acontece é parte de um ciclo histórico normal, não resultado da atividade humana.

Todos os dados que demonstram o contrário estão sendo ignorados e o resultado dessa campanha é que muitas Talvez o que passou há alguns dias entre o Google e o Conselho Estadunidense de Intercâmbio Legislativo (Alec) é sintomático deste “ciclo histórico normal”.

Em 22 de setembro, o presidente do Google, Eric Schmidt, anunciou que essa empresa de alta tecnologia se retirava da Alec, argumentando que “todo o mundo entende que se está produzindo uma mudança climática e as pessoas que o negam estão realmente provocando danos a nossos filhos e a nossos netos e contribuindo para fazer do mundo um lugar muito pior”

Alec é uma organização conservadora que provocou a derrogação das normas de energia renovável estatais e outras políticas pro renováveis. Este conselho elabora as propostas de regulamentação que apresentam aos políticos com pedidos de que se esforcem para convertê-los em leis.

O porta-voz de Alec respondeu: “É lamentável saber que o Google decidiu se desfilhar do conselho como consequência da pressão pública de indivíduos e organizações de esquerda que intencionalmente confundem as perspectivas da política de livre mercado com a negação da mudança climática”.

Em palavras simples, se uma pessoa está preocupada com as mudanças climáticas é qualificada de esquerdista que está contra o mercado.

Os executivos de muitas grandes empresas estão na frente dos líderes políticos. Eles podem tomar decisão sem travas de restrições políticas e descobrir que trabalhar em favor do controle climático pode ser útil não só em termos de relações pública, mas também economicamente.

Por exemplo, 40 grandes empresas, entre elas l’Oreal e Nestlé, emitiram uma declaração, em 23 de setembro, em que se comprometem a ajudar a reduzir o desmatamento tropical à metade para o ano 2020 e liquidar completamente até 2030. Algumas dessas empresas trabalham com óleo de palma, uma produção rendável a custas dos bosques tropicais, especialmente na Indonésia.

Porém só algumas corporações assumiram alguns compromissos concretos na Cúpula de Nova York. Por exemplo, o máximo dirigente da Apple, Timothy Cook, disse que sua empresa se comprometera a centrar-se nas emissões de seus principais fornecedores, que representam em torno de 70 por cento dos gases de efeito estufa proveniente da produção e uso de produtos da companhia.

Cook rechaçou a ideia de que a sociedade deve eleger entre o crescimento econômico e a proteção do ambiente, dando como exemplo uma enorme granja solar que a Apple construiu na Carolina do Norte, EUA, para ajudar a operar uma central de dados.

“Pessoas disseram que isso não poderia acontecer, que não era possível, mas fizemos. É muito bom para o ambiente e por certo também é bom para a economia”, afirmou.

Entretanto, muitas vozes não permaneceram caladas no planeta. Salvaguardar o ambiente tem sido durante muito tempo uma bandeira de luta para uma grande parte da sociedade civil em todo o mundo e uma das principais causas de preocupação entre as gerações mais jovens.

Centenas de milhares de pessoas que saíram às ruas em todo o mundo antes da Cúpula de Nova York, para destacar a urgente necessidade de fazer algo sobre o clima, não era um mero produto da imaginação dos meios.

Porem, porque foram tão claramente invisibilizados para os que tomam decisões no planeta?

A próxima data importante para a agenda do clima é a 21a Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP21), que se realizará em Paris em 2015 e onde se devem dar passos decisivos, depois da COP20 que será em Lima em dezembro.

Nossos dirigentes políticos desperdiçarão novamente a oportunidade de fazer algo concreto? Continuarão a esperar e ver como o tempo se esgota para o planeta e para a humanidade?

*IPS de Roma para Diálogos do Sul – Roberto Savio, fundador da agência IPS e editor de Other News – Editado por Pablo Piacentini.

Fuente: Dialogos do Sul

Temas: Crisis climática

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