Brasil: liberação de transgênicos consolida tendência conservadora do Congresso e do governo

Idioma Portugués
País Brasil

Aprovação do PL da Biossegurança e a composição das comissões parlamentares permanentes são exemplos do espaço aberto para grupos e políticos conservadores a partir da eleição de Severino Cavalcanti para presidente da Câmara

Não apenas os ambientalistas dentro e fora do governo, mas todo o movimento social parece ter sofrido uma derrota no Congresso Nacional muito maior e mais séria do que faria supor a liberação do uso e do comércio de transgênicos decidida, no último dia 2 de março, com a aprovação do Projeto de Lei (PL) da Biossegurança. A definição da composição das comissões parlamentares permanentes, no mesmo dia, consolidou a inclinação conservadora do Parlamento. Presente desde o início das alianças firmadas pelo governo Lula, a tendência havia ganhado fôlego ainda maior com a eleição, algumas semanas antes, do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara.

A aprovação do PL de Biossegurança foi conquistada sob orientação do governo, que acatou o poderoso lobby da bancada ruralista e das grandes empresas transnacionais de biotecnologia. Por outro lado, um parlamentar acusado de corrupção e figuras políticas associadas historicamente à luta contra a defesa do meio ambiente, os direitos indígenas e a reforma agrária conquistaram as presidências em comissões temáticas estratégicas, sobretudo na Câmara dos Deputados. Ambos os processos podem ser associados ao que já está sendo chamado na imprensa, fazendo referência à ascensão de Cavalcanti, de “efeito Severino”. A eleição do deputado pernambucano fragilizou a posição do governo na Câmara e abriu mais espaço para grupos e parlamentares identificados com o conservadorismo.

As propostas defendidas pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, mais uma vez, foram desconsideradas pelo governo em favor de outras pastas, principalmente da Agricultura (MAPA), da Ciência e Tecnologia (MCT) e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). O sucesso do grupo ministerial foi possível depois de o Palácio do Planalto ter sinalizado, no ano passado, que atenderia à reivindicação de Marina de rejeitar a proposta de PL que voltara do Senado retirando poderes do MMA. O projeto aprovado agora transfere o controle sobre o uso e o plantio dos transgênicos à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão subordinado ao MCT e que poderá, inclusive, dispensar a realização do Estudo de Impacto Ambiental nos casos que julgar conveniente.

Completando o retrato do conservadorismo, o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), que renunciou à presidência do Senado e ao próprio mandato em virtude de denúncias de corrupção em 2001, assumiu a presidência da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara. Já o deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), líder ruralista e fundador da UDR (União Democrática Ruralista), foi eleito para presidir a Comissão de Agricultura.

A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável será chefiada, a partir de agora, pelo deputado Luciano Castro (PL-RR), enquanto que a Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional será comandada pela deputada Maria Helena (PPS-RR). À frente da Comissão de Minas e Energia, ficará o deputado Nícias Ribeiro (PSDB-PA). No Senado, a Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor, Fiscalização e Controle será coordenada pelo senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO).

Líderes atuam para aprovar projeto

Apesar da bancada do PT ter sido liberada na decisão sobre o PL da Biossegurança com a alegação de que se tratava de questão de foro íntimo, o governo agiu deliberadamente para aprovar a projeto e sequer apoiou os destaques propostos por deputados do próprio PT atendendo as reivindicações do MMA. O substitutivo aprovado no Senado, em outubro de 2004, já fora negociado diretamente pelo líder governista, senador Aloísio Mercadante (PT-SP). Também os líderes do governo e do PT, na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP) e Paulo Rocha (PA), defenderam abertamente a aprovação do texto sem alterações. “Foi uma vitória completa. Hoje nós enlouquecemos a área conservadora e medieval do governo”, ironizou o relator do texto, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), referindo-se ao grupo de Marina Silva.

Apesar disso, houve uma rebelião na base aliada. Dos 60 deputados que votaram contra a proposta, 27 eram do PT e seis do PCdoB. Em relação ao ponto mais importante do PL, a regulamentação das atribuições da CTNBio, grande parte dos parlamentares insistiram em apoiar a ministra do Meio Ambiente – dos 82 deputados petistas presentes à votação, 46 votaram contra o projeto. Dos 6 deputados do PCdoB que estavam na sessão, cinco votaram contra.

Um dia depois, o MMA divulgou uma nota criticando a aprovação do PL. O texto afirma que a proposta cria “sério desequilíbrio no processo de tomada de decisão a respeito dos OGMs [Organismos Geneticamente Modificados], em prejuízo das precauções necessárias para lidar com tecnologias cujas conseqüências nos ecossistemas brasileiros ainda não estão devidamente identificadas” (confira íntegra do texto, clicando aqui). Integrantes do governo ouvidos pela imprensa desautorizaram a nota, mas afirmaram que Marina continuaria a receber a confiança do presidente Lula.

“É óbvio que a ministra mereça a confiança do presidente, afinal, trata-se de uma de suas aliadas mais fiéis, coerentes e dignas. O que é preciso dizer é que é o presidente que cada vez mais deixa de merecer a confiança de grupos da sociedade civil que contribuíram para que ele chegasse à presidência”, avalia Adriana Ramos, coordenadora do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA.

Saiba quem são os parlamentares que assumiram postos-chave no CongressoSeverino Cavalcanti (PP-PE), Presidência da Câmara – Tem mandatos consecutivos há mais 40 anos, quando iniciou sua carreira na União Democrática Nacional (UDN). Depois militou na Aliança Renovadora Nacional (Arena) e no seu sucessor, o Partido Democrático Social (PDS), as duas agremiações que deram sustentação à Ditadura Militar instalada em 1964. De lá para cá, trocou de partido seis vezes, tendo integrado também o PDC, o PL e o PFL. Cavalcanti é conhecido por suas posições conservadoras em relação a temas como o aborto e o homossexualismo.

Jáder Barbalho (PMDB-PA)/presidência da Comissão de Ciência e Tecnologia – Teria chegado à presidência da Comissão por um acordo feito entre a ala oposicionista e a ala governista do PMDB. O deputado é considerado como pertencente a esta última. Em 2001, foi obrigado a renunciar, primeiro, da presidência do Senado, e, depois, do próprio mandato de senador para não ser cassado. À época, o parlamentar foi acusado de desviar dinheiro da antiga Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Um processo ainda corre no STF sobre o caso.

Ronaldo Caiado (PFL-GO)/presidência da Comissão de Agricultura – É médico, professor e produtor rural. Em 1989, ganhou visibilidade nacional quando concorreu à Presidência da República pelo PSD. Este é seu terceiro mandato. Ano passado, foi o relator da Reforma Política na comissão especial criada na Câmara. Presidente do PFL de Goiás, combate de forma contundente as invasões de terra e é reconhecido como uma das maiores lideranças ruralistas do País. Foi fundador e presidente nacional da União Democrática Ruralista (UDR).

Luciano Castro (PL-RR)/presidência daComissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Economista e administrador, está em seu 4º mandato federal. Político experiente, foi secretário de Planejamento de Boa Vista (RR). Já pertenceu a cinco partidos diferentes: antes do PL, integrou o PFL, o PPR, o PPB e o PSDB. Castro foi aceito como “terceiro interessado” na Ação Popular proposta por fazendeiros de Roraima e acatada em pedido de liminar contra a homologação em área contínua da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol. A decisão judicial foi uma das primeiras a paralisar o processo de homologação da TI, que ainda não foi concluído.

Maria Helena (PPS-RR)/presidência da Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional – Advogada, está em seu primeiro mandato. Já foi chefe de gabinete, procuradora-geral e secretária de Trabalho de Boa Vista. Foi uma das patrocinadoras da Ação Popular que paralisou a homologação da TI Raposa-Serra do Sol. A deputada faz parte do grupo político do senador Mozarildo Cavalcanti (PPS-RR), uma das principais lideranças antiindígenas do Congresso. Em artigo publicado recentemente, ela afirma que, “no Brasil, por enquanto, a política tem sido de criação de infinitas reservas indígenas e unidades de conservação. Todas com o viés do imobilismo e do esvaziamento”.

Nícias Ribeiro (PSDB-PA)/presidência da Comissão de Minas e Energia – Está em seu quarto mandato federal. Foi vereador de Belém e três vezes deputado estadual. É autor de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que delega ao Congresso Nacional a atribuição de autorizar a demarcação de Terras Indígenas. Como vários outros, o projeto pretende, na prática, dificultar a criação de novas TIs.

Leomar Quintanilha (PMDB-TO)/presidência da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor, Fiscalização e Controle do Senado - Bancário e fazendeiro, está em seu segundo mandato. Ex-presidente municipal da Arena e presidente regional do PDC, foi secretário de Estado da Educação e Cultura (1989-90), deputado federal (1989-90 e 1991-1995) e secretário estadual da Indústria, Comércio e Turismo (1996). Aliado do ex-governador Siqueira Campos, admite que sua maior responsabilidade é buscar apoio político e financeiro para ajudar o governo estadual.

Fuente: ISA - Notícias Socioambientais

Comentarios

02/05/2007
Extinção absoluta ., por F R A N C I S C O .
Deveriam ter derrubado todas as leis que permitem invasões .