Brasil: liberar transgênicos é aventura do governo

Idioma Portugués
País Brasil

No dia 2, a Câmara Federal aprovou a Lei de Biossegurança liberando os produtos transgênicos. Para falar do assunto, o Correio da Cidadania entrevistou Frei Sérgio Görgen, deputado estadual (PT/RS)

Correio da Cidadania: De que forma o PL de Biossegurança libera as sementes transgênicas?

Frei Sérgio: Qualquer empresa que tiver um produto transgênico e quiser colocá-la no mercado terá que passar por avaliações em laboratório, em casa de vegetação (uma estrutura com paredes, teto e piso usada, principalmente, para o crescimento de plantas em ambiente controlado e protegido) e experimentos de campo. Isso será acompanhado e avaliado pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). Concluído esse processo, o produto é submetido a uma decisão acerca do seu uso em escala comercial. Não concordamos com isso, pois a CTNBio é formada por cientistas, em boa parte, ligados a empresas de biotecnologia e com pesquisas destinadas a ela. Além disso, a Comissão não tem estrutura física – são pessoas que se reúnem apenas uma vez por mês –, não tem técnicos em tempo integral e nem o aparato técnico-científico necessário para avaliar os reais impactos ambientais. Assim, fica dependente de informações que a indústria oferece. Na minha opinião, para haver uma liberação comercial, deveria haver um parecer dos órgãos públicos que tratam de cada uma das questões. Por exemplo, no que diz respeito à saúde, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária); sementes e genética animal, o Ministério da Agricultura, etc. Só que, a partir da nova lei, isto não será obrigatório. O que a CTNBio decidir, está decidido. Por isso, o que a Câmara Federal fez, dia 2, foi uma aventura.

CC: Quais serão os impactos imediatos da aprovação da Lei de Biossegurança?

FS: Vamos ter um conflito de legislações. Segundo a Constituição, qualquer atividade com potencial risco de provocar danos ao meio-ambiente deve passar por um estudo prévio de impacto ambiental. Ninguém, em sã consciência, pode garantir que o produto transgênico não oferece riscos ao meio-ambiente. Outro efeito é uma ameaça à segurança alimentar do povo brasileiro. Teremos mais controle nos meios de produção, principalmente as sementes das mudas, e uma avalanche de produtos serão patenteados, cobrando caríssimo pelo seu uso. A Monsanto já demonstra isso no Rio Grande do Sul com a soja. Mas, agora, teremos patente do milho, do algodão, da cana-de-açúcar, do arroz, de trigo... e, como o mercado de sementes já está tremendamente concentrado na mão de poucas empresas, a tendência é termos todo o banco de germoplasma (soma total dos materiais hereditários de uma espécie) nas mãos dessas companhias.

CC: Isso pode refletir na economia brasileira?

FS: Estaremos mais dependentes com relação a, no máximo, seis multinacionais. Elas vão controlar dois fatores de regulação de preços internacionais do nosso produto: os royalties e o valor do herbicida ou inseticida. Isso porque os produtos que serão colocados no mercado fazem uma venda casada, planta-se o transgênico e fica-se obrigado a consumir o agroveneno da transnacional. Nos dois fatores, elas terão um elemento para aumentar artificialmente nossos preços quando quiserem. E somos um país agrícola, com potencial de desenvolvimento agropecuário muito grande. Pior, colocamos esses elementos nas mãos de companhias com interesses contrários aos da população brasileira.

CC: E com relação às exportações?

FS: Se fôssemos um país livre de transgênicos teríamos um nicho de mercado, mas já o estamos perdendo pois os consumidores não querem alimentos geneticamente modificados. A Câmara Federal não perguntou àqueles que vão ao supermercado, ela ouviu só empresas de biotecnologia, transnacionais de agricultura e um grupo de agricultores que plantam soja. No entanto, os consumidores não querem transgênicos e, no mundo, cresce a quantidade de pessoas em busca de alimento natural. A Europa e, provavelmente, a China vão reconquistar esse mercado, pois não permitem o plantio e a comercialização de alimentos transgênicos. A China até produz fumo e algodão geneticamente modificados, mas não alimentos.

CC: Quais são esses problemas para o consumidor?

FS: Ele não tem segurança quanto a esses produtos. As pesquisas indicam que se a maioria tivesse possibilidade de optar compraria produtos não transgênicos. Mas, no Brasil, temos um decreto obrigando a rotulagem dos produtos transgênicos que não é implementado – a indústria está pouco se lixando para ele.

CC: Os organismos geneticamente modificados (OGMs) causam danos à saúde humana?

FS: Não se tem segurança sobre os efeitos que esses produtos podem ter no corpo humano. Por exemplo, se descobriu que uma das proteínas, a Cry9, do milho transgênico produzido nos Estados Unidos StarLink (da Aventis), não era digerida no estômago humano, depois dela freqüentar as mesas de jantar dos norte-americanos. Apesar de retirarem esse milho âmbito do consumo humano, não se conseguiu fazer uma separação completa e ele continua nos mercados e as pessoas consumindo. Não existem pesquisas sérias a respeito do impacto dessas substâncias. O que se diz é que os OGMs têm equivalência substancial com o similar não transgênico. Contudo, hoje, está se provando que eles são muito diferentes. As inserções genéticas para conferir uma determinada resistência alteram o genoma da soja num grau muito maior do que previa. É assim com o milho, com o trigo e por aí vai...

CC: É possível afirmar que os transgênicos são prejudiciais ao meio-ambiente?

FS: O grande risco é a contaminação. O exemplo mais típico é o do milho no México, um importante centro de diversidade do grão e que proíbe a plantação das sementes geneticamente modificadas. Mas, como os Estados Unidos cultivam o milho transgênico, já há contaminação no México. Por sua vez, os estadunidenses possuem três tipos de milho transgênico e os três já foram encontrados no mesmo pé de milho. Ou seja, a alteração no genoma é muito grande. Não dá para ter dimensão das conseqüências disso para o meio-ambiente. Outra ameaça é o surgimento de plantas super resistentes uma vez que a pressão de seleção é brutal. Um herbicida de amplo espectro – que mata tudo menos a planta transgênica –, não elimina apenas a vegetação da área onde é jogado, também atinge o ambiente ao seu redor. Numa região onde se usa herbicida para plantações de soja, já começa a ficar difícil cultivar mandioca, por exemplo. Tenho dito que os transgênicos são uma tecnologia totalitária porque onde entra, só ele sobrevive. Quem não usa sementes geneticamente modificadas mas possui um vizinho que usa, tem seu milho ou soja eliminados pelos herbicidas para transgênicos. E ele não pode processar o vizinho, pois inexiste lei para isso. Então, restam duas saídas: plantar transgênico ou fazer uma barreira de proteção imensa, o que seria muito caro.

CC: O senhor é contra a modificação genética?

FS: A transgenia é um instrumento científico que pode e deve ser usado pela humanidade em situações muito especiais, não de forma massificada, até na agricultura, para adaptar plantas a climas super secos ou algo do gênero. Contudo, massificar a transgenia, com os altos riscos que ela implica, só interessa a meia-dúzia de multinacionais.

Correio da Cidadania, Edição 438 - de 05 a 12 de março de 2005

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