Brasil: movimentos sociais rechaçam REDD

Idioma Portugués
País Brasil

Por meio de uma carta, organizações, movimentos sociais, estudantes e representantes de comunidades tradicionais manifestam-se contrários às propostas em curso de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD).

"Rechaçamos os mecanismos de mercado como instrumentos para reduzir as emissões de carbono, baseados na firme certeza que o mercado não é o espaço capaz de assumir a responsabilidade sobre a vida no planeta", diz a carta.

A notícia é de Amazonia.or.br, 114-10-2009.

O documento, escrito após a realização da no seminário "Clima e Floresta - REDD e mecanismos de mercado como solução para a Amazônia?", que ocorreu em Belém em 02 e 03 de outubro de 2009, afirma que as políticas de REDD "não diferenciam florestas nativas de monoculturas extensivas de árvores, e permitem aos atores econômicos - que historicamente destruíram os ecossistemas e expulsaram as populações que vivem neles - encontrarem nos mecanismos de valorização da floresta em pé maneiras de continuar a fortalecer seu poder econômico e político em detrimento dessas populações".

Os signatários da carta acreditam que "para o Brasil, as negociações internacionais sobre clima não podem estar focadas no debate sobre REDD e outros mecanismos de mercado, e sim na transição para um novo modelo de produção, distribuição e consumo, baseado na agroecologia, na economia solidária e numa matriz energética diversificada e descentralizada, que garantam a segurança e soberania alimentar".

Eis a íntegra da Carta.

Carta de Belém

Somos organizações e movimentos sócio-ambientais, trabalhadores e trabalhadoras da agricultura familiar e camponesa, agroextrativistas, quilombolas, organizações de mulheres, organizações populares urbanas, pescadores, estudantes, povos e comunidades tradicionais e povos originários que compartilham a luta contra o desmatamento e por justiça ambiental na Amazônia e no Brasil. Reunimos-nos no seminário "Clima e Floresta - REDD e mecanismos de mercado como solução para a Amazônia?", realizado em Belém em 02 e 03 de outubro de 2009, para analisarmos as propostas em curso de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) para a região à luz de nossas experiências sobre as políticas e programas implementados na região nas últimas décadas. Nesta Carta vimos a público manifestar nossa reivindicação que o governo brasileiro rejeite a utilização do REDD como mecanismo de mercado de carbono e que o mesmo não seja aceito como compensação às emissões dos países do Norte.

Rechaçamos os mecanismos de mercado como instrumentos para reduzir as emissões de carbono, baseados na firme certeza que o mercado não é o espaço capaz de assumir a responsabilidade sobre a vida no planeta. A Conferência das Partes (COP) e seus desdobramentos mostraram que os governos não estão dispostos a assumir compromissos públicos consistentes, transferem a responsabilidade prática de cumprimentos de metas, além do que notoriamente insuficientes, à iniciativa privada. Isso faz com que, enquanto os investimentos públicos e o controle sobre o cumprimento de metas patinem, legitima-se a expansão de mercado mundial de CO2, que aparece como uma nova forma de investimento de capital financeiro e de sobrevida a um modelo de produção e de consumo falido.

As propostas de REDD em debate não diferenciam florestas nativas de monoculturas extensivas de árvores, e permitem aos atores econômicos - que historicamente destruíram os ecossistemas e expulsaram as populações que vivem neles - encontrarem nos mecanismos de valorização da floresta em pé maneiras de continuar com e fortalecer seu poder econômico e político em detrimento dessas populações. Além disso, corremos o risco que os países industrializados não reduzam drasticamente suas emissões pela queima de combustíveis fósseis e mantenham um modelo de produção e de consumo insustentáveis. Precisamos de acordos que obriguem os países do Norte a reconhecerem a sua dívida climática e a se comprometerem com a reparação da mesma.

Para o Brasil, as negociações internacionais sobre clima não podem estar focadas no debate sobre REDD e outros mecanismos de mercado e sim na transição para um novo modelo de produção, distribuição e consumo, baseado na agroecologia, na economia solidária e numa matriz energética diversificada e descentralizada, que garantam a segurança e soberania alimentar.

O desafio central para o enfrentamento do desmatamento na Amazônia e em outros biomas do país é a solução dos graves problemas fundiários, que estão na raiz dos conflitos sócio-ambientais. O desmatamento - resultante do avanço das monoculturas, das políticas que favorecem o agronegócio e um modelo de desenvolvimento voltado à exploração predatória e exportação de recursos naturais - só será evitado com a resolução da questão fundiária, a partir de uma Reforma Agrária e de um reordenamento territorial em bases sustentáveis, e do reconhecimento jurídico dos territórios dos povos e comunidades tradicionais e povos originários.

Temos outra visão de território, desenvolvimento e economia, que estamos construindo ao longo do tempo, articulando o uso sustentável da floresta e o livre uso da biodiversidade. Faz-se necessário um conjunto de políticas públicas que permitam o reconhecimento e valorização dessas práticas tradicionais, baseadas na convivência entre produção e preservação ambiental.

Nos comprometemos a seguir lutando a partir destas premissas, e para que todo e qualquer mecanismo de redução do desmatamento esteja inserido em uma visão abrangente de políticas públicas e fundos públicos e voluntários que viabilizem nossos direitos e a vida na Amazônia e no planeta.

Assinam:

Amigos da Terra - Brasil (cf. nota abaixo)
ANA - Articulação Nacional de Agroecologia
Associação Agroecológica Tijupá
APACC - Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes
APA-TO - Alternativas para a Pequena Agricultura do Tocantins
CEAPAC - Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária
CEDENPA - Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará
COFRUTA - Cooperativa dos Fruticultores de Abaetetuba
Coletivo Jovem Pará
Comissão Quilombola de Sapê do Norte - Espírito Santo
CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CUT - Central Única dos Trabalhadores
FASE - Solidariedade e Educação
FAOC - Fórum da Amazônia Ocidental
FAOR - Fórum da Amazônia Oriental
FEAB - Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil
FETAGRI - Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará
FETRAF - Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil
FMAP - Fórum Mulheres Amazônia Paraense
FORMAD - Fórum Mato-Grossense pelo Desenvolvimento e Meio Ambiente
Fórum BR 163
Fórum Carajás
FUNDO DEMA
GIAS - Grupo de Intercâmbio em Agricultura Sustentável do Mato Grosso
GMB - Grupo de Mulheres Brasileiras
IAMAS - Instituto Amazônia Solidária e Sustentável
Instituto Terrazul
MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens
Malungu - Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará
MAMEP - Movimento e Articulação de Mulheres do Estado do Pará
MMM - Marcha Mundial das Mulheres
MMNEPA - Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense
MMTA-CC - Movimento das Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade
Movimento Xingu Vivo para Sempre
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
RBJA - Rede Brasileira de Justiça Ambiental
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
REBRIP - Rede Brasileira pela Integração dos Povos
RECID - Rede de Educação Cidadã
Rede Cerrado
Rede Alerta contra o Deserto Verde
Reserva Extrativista Marinha Araí-Peroba
Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande de Curuçá
Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns
SDDH - Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
STTR - Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais - Abaetetuba
STTR - Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais - Cametá
STTR - Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais - Lucas do Rio Verde - Mato Grosso
STTR - Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais - Santarém
Terra de Direitos
UNIPOP - Universidade Popular
Via Campesina Brasil

Belém, 02 e 03 de outubro de 2009

Nota de esclarecimento de Amigos da Terra

A OSCIP Amigos da Terra - Amazônia Brasileira recebeu muitos questionamentos a respeito de um documento sobre REDD, adotado recentemente num evento na cidade de Belém, que afirma "rejeitar o uso de mecanismos de mercado".

Esclarecemos que não assinamos este documento e jamais fomos convidados a participar de sua discussão. Nossa entidade guarda um papel de liderança histórica na promoção da valorização das florestas no âmbito das mudanças climáticas, em parceria tradicional com as organizações integrantes da Aliança dos Povos da Floresta, como COIAB, CNS e GTA. Participamos ativamente do Diálogo Internacional sobre Clima e Florestas e do Forum Brasileiro de Mudanças Climáticas.

14-10-2009.

Fonte: Instituto Humanista Unisinos

Temas: Monocultivos forestales y agroalimentarios

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