Brasil: vazamento da barragem de Campos Novos: Fiasco da Engenharia ou Irresponsabilidade dos Investidores Privados?

Idioma Portugués
País Brasil

Algo gravíssimo aconteceu em Campos Novos (SC), com a Barragem do consócio Enercan - formado pelo Banco Bradesco, Votorantim e Camargo Corrêa - que construiu a Usina Hidrelétrica Campos Novos, no Rio Canoas. Gravíssimo e inédito. Um vazamento gigante na estrutura da barragem obrigou o consórcio a esvaziá-la para realizar o concerto

Antes disto, por vários dias, o desespero tomou conta das famílias que residiam à jusante da barragem que vertia água aos borbotões. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) denunciou sistematicamente, mas a empresa sempre negou até que o império dos fatos se impôs. Neste meio tempo, ficou patente a omissão comprometedora da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), que deveria acompanhar, fiscalizar e checar as denúncias que poderiam ter levado a região a uma catástrofe sem precedentes. Ao invés de agência reguladora, a ANEEL agiu como agência encobridora. Da mesma forma deve-se questionar o IBAMA que concedeu a Licença de Operação, apesar da graves denúncias que pesavam sobre a Enercan, sem perceber em suas vistorias o problema que vinha sendo denunciado.

A Enercan celebrizou-se, na construção da barragem, por negar os direitos dos atingidos e perseguir suas lideranças. Operou de forma brutal, desumana e policialesca por todo o tempo da construção da dita barragem. Por longas semanas agricultores atingidos pela construção daquela hidrelétrica amargaram na prisão por lutar por seus direitos mínimos. Depois encheu o lago sem derrubar a mata, o que provocará graves problemas ambientais em futuro próximo. E agora apresenta ao país o maior vexame de engenharia que o Brasil jamais presenciou na construção de uma Usina Hidrelétrica, além de colocar em risco um número incalculável de vidas e de promover o abalo psicológico em inúmeras famílias vizinhas do vazamento de água que viveram amedrontadas durante vários dias antes da decisão de esvaziar o lago.

Diante do fato, cabem algumas perguntas:

- Por que nenhuma providência foi tomada pelos órgãos competentes, apesar das denúncias?
- Que providências o Ministério Público Federal vai tomar em relação à ANEEL e seu presidente pela omissão diante de fato tão grave?
- Que providências o Conselho Regional de Engenharia vai tomar diante do fiasco e do risco de desastre? Será aberto algum tipo de expediente ou processo de apuração de responsabilidades? Que dirão os responsáveis técnicos da obra?

Mas cabe uma análise mais profunda. Pode-se creditar o fiasco à engenharia brasileira e talvez seja esta a conclusão que se divulgará à imprensa. Mas sua história de competência já demonstrada - e que é referência internacional - não corroboram esta conclusão apressada. Então precisamos buscar as explicações em outras causas.

Uma boa linha de raciocínio pode ser a privatização da geração de energia promovida pelo Governo Fernando Henrique Cardoso e ainda não estancada, infelizmente. Os investidores privados, já conhecidos por suas práticas, trabalham com a seguinte lógica: menor custo possível e retorno dos investimentos no período mais curto possível. Isto pressiona, na prática, à uma lógica de redução de custos que sacrifica as questões ambientais, a qualidade dos reassentamentos e o preço justo das indenizações e, por derradeiro, a qualidade e a segurança das obras de construção civil. A lógica do retorno rápido do capital investido transforma-se em irresponsabilidade social, ambiental e, com o caso de Campos Novos, em ameaça à vida das populações ribeirinhas à jusante da barragem.

As empresas públicas sempre foram acusadas de lentas, ineficientes, corruptas e caras. Hoje podemos afirmar que os capitalistas privados com dinheiro público do BNDES na construção de barragens é que são lentos (terão que consertar uma barragem pronta), são ineficientes, o barato custará caro e fazem parte do rol dos corruptores que sustentam a corrupção no sistema público. Em contrapartida o sistema público de geração e distribuição de energia no Brasil tem demonstrado competência tanto no sistema Eletrobrás como na Petrobrás, que, acima do tudo, é do povo brasileiro e é infinitamente mais seguro. E quando apresenta problemas de qualquer ordem o povo, através do voto democrático, tem o poder de trocar seus gestores.

Reestatizar o sistema elétrico nacional e construir no debate nacional um modelo mais justo de geração (inclusive priorizando fontes alternativas), transmissão e distribuição de energia elétrica se impõe no debate nacional do futuro do Brasil. Porque as águas, os rios, os ventos, as riquezas do subsolo e a energia do sol são de todo o povo brasileiro e devem ser usados por ele e em seu favor, para resolver seus problemas do dia-a-dia e não para engordar as contas bancárias de meia dúzia de investidores privados.

Para que se previnam e não se reproduzam desastres como o de Campos Novos e tantos outros cuja informação sequer chega ao conjunto da população.

Frei Sérgio Görgen é Frade Franciscano e Deputado Estadual (PT-RS)

Fonte: MST, 7-7-06

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