CIA mapeia movimentos da América do Sul

MST e cocaleros da Bolívia aparecem no anuário 2005 da agência de inteligência dos EUA. A partir do instante em que estas organizações passam a ser tratadas como "grupos terroristas", os seus recursos financeiros, por tabela, também estariam sujeitos a ser bloqueados em nível mundial

A CIA (sigla em inglês para Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos) prepara terreno para rotular de terroristas os movimentos sociais do continente sul-americano que dão suporte aos seus presidentes eleitos que - ao menos no discurso - se proclamam de esquerda.

É possível dizer que as conclusões da CIA - um órgão do governo estadunidense acostumado a derrubar governos sob o pretexto de serem ditaduras militares ou governos comunistas - permitiriam aos EUA invadir os países da América do Sul que insistirem em manter relações amistosas com tais movimentos ou, numa fase preliminar, pressioná-los com sanções econômicas.

Além disso, a partir do instante em que estas organizações passam a ser tratadas como "grupos terroristas", os seus recursos financeiros, por tabela, também estariam sujeitos a ser bloqueados em nível mundial. Em 2003, por exemplo, algumas entidades de apoio à libertação da Palestina espalhadas pela Suíça, França, Grã-Bretanha, Áustria e Líbano tiveram suas contas rastreadas e bloqueadas por associação ao terrorismo.

Este procedimento está mais detalhado na página da internet do Departamento de Estado dos Estados Unidos ( www.state.gov), sob o tópico "Contendo o Terrorismo no Front Econômico" ( www.state.gov/s/ct/rls/pgtrpt/2003/31750.htm).

MST E COCALEROS

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e os grupos cocaleros da Bolívia, por exemplo, já aparecem nominalmente no anuário mundial da CIA de 2005 no mesmo espaço reservado às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs) e ao Sendero Luminoso. Na lista feita pelo Departamento de Estado, apenas estes dois últimos são tratados abertamente como grupos terroristas. No entanto, o relatório de 2003 das ações terroristas no mundo já inclui ações do movimento indígena boliviano.

A CIA iguala as organizações citadas porque o seu anuário não possui uma entrada específica que identifica quais grupos são "terroristas". Em vez disso, a agência de inteligência coloca todas organizações em um mesmo saco denominado "grupos de pressão política", que atuam fora da ordem institucional, mas podem tumultuá-la.

Nessa mesma categoria, estão: os rastafaris da Jamaica, os estudantes do Chile, os refugiados que vivem na Alemanha, o movimento dos camponeses do Haiti, a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), os grupos de direitos humanos do Quênia, a Igreja Católica, entre outros.

QUINTAL DE CASA

O fato é que os EUA - recentemente mais preocupados com o Oriente Médio - poderão ter no "seu quintal", ao final das eleições previstas para 2006 na América do Sul, 7 dos 12 países do continente se firmando em tons mais avermelhados de "esquerdização" (veja mapa nesta página). Isso, sem contabilizar países como a Nicarágua (na América Central) e o México (na América do Norte), que também têm grandes chances de mudar de cor neste ano.

Um cenário destes faz com que o relatório aprovado pela CPMI da Terra em novembro de 2005 - que considera a ocupação de terra um ato terrorista - possa ser usado pelos EUA como prerrogativa jurídica para considerar o MST um grupo terrorista, se esta nova configuração regional exigir.

No momento, a conjuntura brasileira não inspira maiores preocupações. Mas o mesmo já não pode ser dito em relação à Bolívia e às declarações de seu recém-eleito presidente Evo Morales que, no presente, afrontam os EUA (leia reportagem).
Em relatórios oficiais, o Departamento de Estado dos EUA já relaciona o narcotráfico com os cocaleros e alguns integrantes do Movimento al Socialismo (MAS), partido de Morales. A Casa Branca pressiona para que o plantio da coca seja considerado como uma ação criminosa, o que prejudicaria a cultura milenar dos indígenas da região andina, habituados ao consumo e uso da planta.

Num desses relatórios, datado de 2003, os cocaleros são tratados como "militantes ilegais plantadores de coca que parecem ser os responsáveis por vários eventos de terrorismo doméstico, e há a preocupação que eles possam estar recebendo ajuda estrangeira para tornar os seus ataques mais mortais". Em outra passagem do mesmo documento, "dois integrantes radicais do MAS" são acusados "de espionagem, terrorismo e subversão".

O texto diz ainda que as plantações ilegais de coca são vistas como um risco para que a Bolívia "volte ao seu status de principal fornecedora de cocaína, que é o que sustenta economicamente o terrorismo nos Andes".

TERRORISMO

Esta insistência dos EUA em forjar elos de ligação entre movimentos nacionais e "uma ajuda estrangeira" - como descrito acima no caso dos cocaleros, e quando em 2005, funcionários da Embaixada dos EUA tentaram associar o MST às Farcs, em Pernambuco - encontra sua razão de ser na definição da CIA para "grupos terroristas".

Para a agência estadunidense, este termo é destinado a "qualquer grupo que pratica, ou possui subgrupos significantes que praticam, terrorismo internacional", envolvendo "o território ou os cidadãos de mais de um país".

Fora isso, o termo "terrorismo" acaba recebendo uma definição muito mais indiscriminada: "Violência premeditada, motivada politicamente contra alvos não-combatentes por grupos subnacionais ou agentes clandestinos, normalmente com a intenção de influenciar um público".

Marcelo Netto Rodrigues
da Redação

Fonte: Brasil de Fato

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