Governo do Acre fala em sustentabilidade só para obter empréstimos, diz indígena

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Há cerca de três anos, o Estado do Acre serviu como garoto-propaganda do governo federal na Rio+20. Usado como exemplo de experiência bem sucedida de desenvolvimento sustentável, o conceito de "economia verde", implantado na terra de Chico Mendes e Marina Silva, virou vedete para estrangeiro ver e é hoje um dos principais trunfos políticos da família Viana, grupo que está no poder desde o fim dos anos 1990.

Poucos sabem explicar exatamente do que se trata, mas o modelo foi empregado durante as sucessivas administrações petistas. A retórica, no entanto, caiu por terra após a apresentação do “Dossiê Acre”, no qual representante de organizações sociais criticam e denunciam o atual modelo de economia para Amazônia.

 

O que desmistifica o conceito de "economia verde" no Acre, segundo o documento, é que o governo acreano maquia dados e é complacente com os madeireiros e com o avanço do agronegócio na região. De acordo com denúncia na Procuradoria da República, retiram-se árvores em terras da União, griladas por fazendeiros, em assentamento do Incra, e ainda se obtém o "selo verde" do governo. Muitas comunidades extrativistas, indígenas e ribeirinhas estão sofrendo com essa ‘cortina verde’.

 

Outro dado controverso a respeito do desenvolvimento sustentável no Estado está na qualidade de vida da população. Quase metade é beneficiária de programas sociais. Ao mesmo tempo, a concentração de terras na região aumentou. Em 2003, 67,1% do território pertenciam a grandes proprietários; em 2010, o índice saltou para 78,9%. Em compensação, os minifúndios e pequenas propriedades caíram de 27,1%, em 2003, para 17,1% em 2010, segundo dados do Incra.

 

A tal florestania sentenciou os acreanos há quase duas décadas de atraso econômico e social. O modelo, principalmente nas reservas extrativistas, impediu as populações tradicionais de melhorar de vida. O governo estadual tenta vender uma ideia de desenvolvimento baseada no manejo florestal com o intuito de obter investimentos de bancos e linhas de créditos internacionais, como o Banco Mundial.

 

Apropriado indevidamente, o termo florestania é uma metáfora alusiva à história bonita do povo acreano, que começou com os nossos ancestrais povos indígenas, passando pelos revolucionários nordestinos, e terminando com resistência dos seringueiros (empates) nas décadas de 70 e 80.

 

À frente dessa resistência está o presidente da Federação do Povo Huni Kui do Acre, Ninawá Inú Pereira Nunes Huni Kui. Na avaliação dele, o processo de destruição em larga escala da Amazônia foi acelerado. E cita como exemplos disso as hidrelétricas no Rio Madeira, em Rondônia, e a possibilidade de prospecção de gás de xisto no Vale do Juruá, no Acre. “O desenvolvimento sustentável apregoado mundo afora é uma mentira, um acinte à inteligência das pessoas”, afirma.

 

Embora não esteja filiado a nenhum partido, o líder indígena acredita e luta por um “projeto de nação, cujo povo soberano deve incansavelmente buscar a justiça social, a democracia e felicidade”. Defensor da autonomia dos movimentos sociais, Ninawá Huni Kui propõe a cooperação e parceira nas relações com os trabalhadores e demais segmentos sociais. “Se lutamos para fazer parte do Brasil e, anos depois, autônomos, lutaremos agora para sermos um Estado verdadeiramente desenvolvido e com um povo feliz”.

 

Veja entrevista com o líder indígena:

 

ContilNet – O sr. afirma que nas últimas décadas a destruição foi triplicada no Acre. Pode explicar?

 

Ninawá Huni Kui - No auge do desenvolvimento sustentável eu dizia que era insustentável. Isso foi reproduzido no Acre e os resultados estão nas estatísticas do IBGE. Quase 50% da população vive de bolsa miséria, o rebanho bovino saltou de 800 mil cabeças para quase 3 milhões agora. A exploração madeireira quadriplicou, entre outras atividades predatórias, sem contar que estamos ameaçados pela possível exploração de gás de xisto e pela construção de uma estrada de ferro para servir somente ao agronegócio.

 

O sr. e outras pessoas escreveram um documento, o Dossiê Acre, no qual criticam, denunciam e alertam sobre o atual modelo de economia para Amazônia, o chamado desenvolvimento sustentável.

 

Desenvolvimento sustentável é a promessa, feita desde 1992, de que as coisas mudariam se fossem adotadas um conjunto de técnicas no modelo produtivo. O grande bordão era que podíamos suprimir as necessidades do presente sem comprometer as gerações futuras. Passados 23 anos, eles esconderam a cereja do bolo. Muita propaganda e o mundo ficou mais destruído de lá pra cá. A pecuária e a exploração irracional cresceram vertiginosamente nas últimas décadas. Esses setores ganharam muito dinheiro destruindo. E o que é ainda pior: sem gerar divisas para a nossa combalida economia. Trata-se de um desenvolvimento econômico fantasioso e danoso.

 

O sr. acredita que o governo pague royalties pelo uso dos recursos naturais? E o REDD+?

 

Não. A lógica do capitalismo é explorar e acumular riquezas sem distribuí-las. Ganhar dinheiro destruindo a gente já conhece: são os atuais planos de manejo madeireiro. Agora ganhar supostamente conservando são os projetos de captura de carbono, os chamados REDD+. Os países poluidores compram cotas de carbono nossas, impedindo que o extrativista sequer faça uma coivara. A lógica de tudo isso é ganhar destruindo. Os países ricos vão continuar poluindo e engessando qualquer possibilidade das populações tradicionais melhorarem de vida. Quem vai ganhar dinheiro são os que tiverem a propriedade das terras, além dos negociadores dos créditos de carbono. Caso o governo do Acre consiga regulamentar esse comércio, tornar-se-á o principal negociador de carbono. Por que ainda não demarcaram as 21 terras indígenas do Acre? Estão vendendo tudo, inclusive o ar. Chamo isso de neocolonialismo.

 

A Agência Nacional de Petróleo autorizou a exploração de petróleo e gás natural na região do Vale do Juruá. Qual é a sua opinião sobre isso?

 

Trata-se de uma exploração predatória e contaminante, que ameaça o Aquífero Juruá, a segunda maior reserva de água subterrânea da Região Norte. Existe uma preocupação grande porque, por onde passou, houve danos ambientais por causa do arriscado método de produção do gás de xisto, conhecido como fraturamento do solo. Essa exploração é considerada altamente arriscada para o meio ambiente e com consequências sociais e econômicas nefastas, que só agora começam a ser mensuradas em países como Estados Unidos, Argentina, França, Peru e Equador. Após explodir as rochas, é utilizada uma enorme quantidade de água com milhares de produtos químicos para liberar o gás. É certo o risco trazido pela injeção dessa água misturada no subsolo, com a possibilidade de se contaminar os aquíferos. Ah, sim, os relatórios de impactos socioambientais não foram apresentados às comunidades afetadas.

 

Alguns setores da sociedade querem tirar as atribuições da Funai e transferi-la para o Congresso Nacional. O sr. é contra. Por quê?

 

Porque a Proposta de Emenda Constitucional 215, articulada pela bancada ruralista, alega que as terras indígenas e das comunidades quilombolas prejudicam o "progresso" do país. Esse projeto, infelizmente, conta com o apoio da grande imprensa, do agronegócio, dos evangélicos, das mineradoras e dos megaprojetos, que defendem um tipo de "desenvolvimento", que será danoso não só aos povos indígenas e outras comunidades tradicionais, como também ao meio ambiente e, ao longo prazo, à população brasileira. A bancada forte no Congresso Nacional responde pela junção das letras BBB (Boi, Bíblia e Bala). O movimento indígena defende uma Funai estruturada, dotada de todas as condições para cumprir a sua missão, que é estar ao lado dos povos indígenas na luta pela demarcação de suas terras e ascensão político-cultural na sociedade brasileira.

 

Diz o relatório anual O Estado dos Direitos Humanos no Mundo, divulgado pela Anistia Internacional, que “vivemos em um país sob um déficit de justiça muito grande” em vários setores, principalmente indígenas e de moradores de favelas. Apesar de a Constituição garantir direitos, na prática isso não acontece. Como está a vida e a cultura dos povos indígenas?

 

Com sabedoria milenar, a cultura indígena valoriza e celebra a vida com rituais, festas e manifestações de amor e cuidado com a natureza. A crença na espiritualidade vem da dimensão da vida criada por ser superior contando com a ajuda dos elementos da natureza, como árvores, animais, rios e matas. Todavia, com a proximidade com a ‘cultura do branco’, amargamos uma gradativa degeneração e perda de identidade. São assustadores os índices de suicídio e alcoolismo nas aldeias, sem falarmos dos assassinatos e preconceitos que enfrentamos, principalmente no sul do país. No Brasil e, principalmente no Acre, existe muita propaganda e poucas políticas públicas para melhorar a vida dos povos indígenas.

 

Como o sr. analisa as políticas públicas de saúde indígena no Acre e Sul do Amazonas?

 

É uma das principais bandeiras de luta dos povos indígenas. Também é uma das politicas mais atrasadas frente a aumento descontrolado de doenças, que afeta os povos indígenas, inclusive, levando muito há óbitos, não só no Acre e Sul da amazonas, mas em todo Brasil. Sem contar que terceirização trouxe a precarização dos serviços. As atuais ações de prevenção do Ministério da Saúde são feitas nas comunidades indígenas de formas precária, sobretudo por falta de logística, materiais e equipamentos suficientes para fazer um trabalho de qualidade. Embora seja reconhecida pelos povos indígenas, os servidores até tentam fazer um serviço de qualidade, mas não dispõe de condições adequadas pela gestão. As superlotações das CASAI’s (Casa de Apoio a Pacientes Indígenas), as grandes listas de esperas de exames, cirurgias, medicamentos nas unidades de saúde, de media e alta complexidade, retratam essa realidade. Falta, principalmente, a prevenção das doenças, ou seja, a atenção básica.

 

Por que o sr. chama o governo petista de nazifascista?

 

A longevidade do PT acontece por vários fatores. O grupo se aproveitou da seguinte conjuntura favorável: os desgovernos de seus antecessores, a incompetência da atual oposição e a apropriação de um discurso político-ideológico, que encontrou ressonância na sociedade. Depois disso, formou alianças com políticos e empresários inescrupulosos. Além disso, amordaçou a imprensa e perseguiu os seus profissionais, investindo maciçamente em propaganda para promover as imagens de seus líderes. Tudo isso com a condescendência de membros do Ministério Público Estadual e setores do Poder Judiciário.

 

Os petistas criaram um regime autoritário jamais visto: instituíram marcas e símbolos; criaram e articularam uma rede de agentes políticos em todos os seguimentos socais; iludiram e cooptaram as lideranças de grande prestígios nos movimentos sociai; grampearam adversários; usaram o aparato do Estado para perseguir quem não submetesse aos seus ditames; lavaram dinheiro de corrupção; e enriqueceram ilicitamente. Em síntese, implantaram o “estado do medo”, no qual quem não se enquadrasse era acusado de não gostar do Acre, numa alusão ao ufanista “Ame-o ou deixe-o”, de triste memória, legado pelo regime militar. Adolfo Hitler e Benito Mussolini fizeram escolas por estas paragens.

 

Um instituto fez uma pesquisa e uma das era para saber o que é política. Nove de cada 10 entrevistados disseram que era “coisa de bandido”. Como o sr. interpreta isso, levando em consideração os escândalos da Petrobrás e a possibilidade de impeachment da presidente Dilma Rousseff?

 

Estamos vivendo uma crise de representatividade na classe política, no movimento social e na maioria das instituições. A política é intrínseca ao ser humano. Surgiu da necessidade de dialogar e de equacionar interesses. Para participar da política é preciso ter grandeza, espírito público e causas para defender na sociedade. A maioria dos políticos não defende a coletividade. Estão na política com outros propósitos. Daí a frustração e indignação das pessoas. O PT nivelou a política por baixo. Era o partido da esperança e justiça social, porém se transformou num partido de burgueses.

Fuente: ContilNet

Temas: Economía verde, Pueblos indígenas

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