“O povo brasileiro não se alimenta, come algo que acha ser alimento”, afirma líder de movimento camponês

Idioma Portugués
País Brasil

Odair José de Souza, dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores, discute o papel do agronegócio, criticando o uso de agrotóxicos, e analisa os desafios postos para a produção de alimentos saudáveis.

Por José Coutinho Júnior,

De São Paulo (SP)

Segundo Odair José de Souza, dirigente nacional do MPA, a escolha da cidade não foi por acaso. “A relação do alimento com a cidade tem que levar uma mensagem de classe, de luta. Através do alimento a gente abre portas para fazer um debate com os trabalhadores do campo e da cidade, no sentido de que temos de nos unir”.

Paralela ao congresso ocorrerá uma feira com produtos produzidos pelos agricultores e uma mobilização com os trabalhadores urbanos. Em entrevista ao Brasil de Fato, Odair falou da importância do encontro, criticou o modelo do agronegócio e analisou a visão ainda presente na sociedade de que o camponês é atrasado. Confira:

Qual a importância do primeiro congresso do MPA, e porque ele será realizado em São Paulo?

O lema do congresso é “Plano camponês na aliança campo e cidade por soberania alimentar”. Estamos discutindo com os operários, com os metalúrgicos, os trabalhadores, a importância que o tema do alimento tem.

O povo brasileiro não se alimenta hoje, eles comem algo que acham ser alimento. É uma comida que não alimenta o bem estar, a alma, tem uma carga de porcaria.

Temos que fazer a discussão do que está sendo consumido e de quem produz. E quem produz está respeitando a natureza e produzindo sem veneno?

A relação do alimento com a cidade tem que levar uma mensagem de classe, de luta. Através do alimento a gente abre portas para fazer um debate com os trabalhadores do campo e da cidade, no sentido que temos de nos unir.

Escolhemos São Paulo por isso, e para os camponeses virem para cá, conhecerem como é. A nossa feira também vai estar ali, dialogando por meio da produção de todas regiões do país, para mostrar como tem diversidade de alimentos, como o operário pode fazer parte, chegar mais perto disso, para ver que há alternativa para a sociedade, para essa geração futura. Depende da relação entre campo e cidade e um projeto claro para o país.

Como os movimentos camponeses podem fazer frente ao agronegócio?

O agronegócio tem um projeto capitalista para o campo. O modelo de produção do agronegócio não é produzir alimento pro mercado interno, e sim exportar mercadorias.

O objetivo do agronegócio é o lucro, e a consequência desse modelo para a sociedade é o território devastado, devido ao monocultivo, que arrasa a terra e usa grandes quantias de agrotóxicos. Hoje o Brasil consome 5,2 litros de veneno por habitante. Somos o país que mais usa agrotóxicos.

Um modelo desses não se sustenta em nenhum país. O agronegócio é o capitalismo que leva o campo à barbárie.

Quando falamos em agronegócio, visualizamos um inimigo não só dos camponeses, mas da sociedade, que traz doenças como câncer para a sociedade, e esse modelo é capitaneada pelo governo brasileiro.

O produtor de alimentos no país é o campesinato. Hoje com 24% das terras produzimos 70% dos alimentos. Temos que enfrentar e encarar o agronegócio no campo através da nossa produção e da valorização dos nossos territórios, além de conscientizar a sociedade que o alimento que ela está consumindo é contaminado.

Você acredita que a consciência da sociedade em relação aos transgênicos e agrotóxicos está aumentando?

Os meios de comunicação, o Ministério da Agricultura são hegemonizados pelo capital e o agronegócio. Por mais que se saiba dos altos índices de agrotóxicos e dos riscos dos transgênicos, o debate avança pouco.

Mas temos tido êxito. Estamos realizando uma transição agroecológica na nossa base. Então muita gente que produzia com veneno hoje produz sem ou já diminuiu bastante. É uma discussão de médio prazo. Acreditamos que as futuras gerações vão ter outra concepção de agricultura pro campo.

A sociedade tem a visão do camponês como alguém atrasado. Como quebrar essa visão?

Há uma cultura pesada em cima do campesinato, e isso foi intencional, porque tinha que ter uma migração de pessoas para trabalhar nas grandes fábricas e esvaziar o campo, garantindo o domínio do latifúndio.

E não é só pela economia ou política que se esvazia o campo, é pela cultura. Desde o Jeca Tatu já se falava que o campesinato era atrasado, feio, tinha dente quebrado e que o país precisava de uma coisa mais moderna, do progresso.

Mas não puxamos um campesinato saudosista, e sim um que dialogue com esse tempo que vivemos século. As tradições ruins, como o machismo, podem ficar lá pra trás.

O campesinato não vai ter o dente estragado, vai ser médico, jornalista, vai lutar por uma cultura melhor, um bem estar maior para sua família e comunidade, porque ele não quer vir para a cidade disputar as políticas públicas da cidade, que não conseguem atender nem quem já mora aqui.

Eu não vejo atraso em quem quer produzir alimento saudável para o povo brasileiro. O campesinato é uma proposta alternativa de vida frente ao agronegócio, que é a proposta de morte para o campo.

De forma geral, o que o MPA entende por campesinato?

Entendemos que o campesinato é um jeito cultural de ser, de viver e de produzir diversificado. É um modelo de campo onde a gente trabalha com respeito à água, à natureza, com responsabilidade de produzir alimentos para quem come.

A concepção do governo em relação à agricultura familiar é de que se crie uma “classe média no campo”. Como lutar por um modelo alternativo de agricultura nesse cenário?

A cultura de confundir o que é agricultura familiar, camponesa e o agronegócio vem sendo implementada há muito tempo. Nós falamos que agricultura familiar é “agronegocinho”, porque para os produtores só muda a extensão de terra.

O agricultor ainda quer ter trator, silos grandes, plantar monocultivos. O que foi botado na cabeça dele através dos técnicos, agrônomos, da mídia é essa mentalidade, e a agricultura familiar se torna a extensão do agronegócio.

Temos outro entendimento de campo. O monocultivo não é alimento e não se sustenta. Tem que haver uma diversificação de produção, um cuidar do campo.

O monocultivo despreza a água, os recursos naturais, as florestas. Em Rondônia, por exemplo, derrubam babaçu, que dá uma variedade de alimentos, para plantar soja. É uma estupidez.

Como o Plano Safra se insere nessa lógica?

A agricultura familiar adota o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O programa não acode as necessidades do campesinato.

Temos 8 milhões de famílias no campo, e o Pronaf só assiste 700 mil famílias, que ficam endividadas depois de pegar o crédito. O Pronaf, por mais que seja dinheiro do governo, é operado pelos bancos.

Por isso o programa é muito burocrático, faz muitas exigências e não dá para pagar o retorno. Se fala que o Plano Safra tem 30 bilhões de reais para a agricultura familiar. Se 60% disso chegar na ponta é muito.

Tem que haver um tipo de crédito desbancarizado, com planos que beneficiem um modelo de agricultura diferenciada, com dinheiro específico do governo para um programa de fomento à agroecologia.

O Plano Nacional de Agroecologia não avançou na criação de um programa assim?

Avançou pouco, porque o Estado é inoperante. O Estado não foi feito para funcionar pros trabalhadores. Em Rondônia,são realizados diversos seminários para ver linhas para aplicar o plano, mas não sai do papel, e o recurso muitas vezes não chega.

Além disso, com os cortes do ajuste fiscal feitos pelo governo, que caem em cima dos trabalhadores, vai ser mais difícil ainda obter esse recurso.

O plano é bonito, mas não se materializa. Não por falta de vontade política, e sim porque estado é inoperante, ele não é feito para trabalhar para os pobres. Agora para o agronegócio o crédito chega rápido e o estado opera com eficiência.

Fuente: Brasil de Fato

Temas: Movimientos campesinos

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