Via Campesina reafirma campanha contra trangênicos e por soberania alimentar

Sob o tema da soberania alimentar, a campanha contra os transgênicos ganhou destaque porque, segundo avaliação da Conferência, representa não apenas a maior ameaça à agricultura familiar e sustentável mas também o poder das grandes transnacionais e a perpetuação do modelo agroexportador, imposto pela lógica do mercado global

Via Campesina - IV Conferência Internacional - São Paulo, Brasil

A IV Conferência Internacional da Via Campesina está no seu terceiro dia. Reunidos em Itaici, interior de São Paulo, cerca de 500 delegados de 80 países debatem a conjuntura agrária e política internacional, estratégias de alianças e os rumos da organização que há 11 anos articula os movimentos camponeses de todo o mundo.

No primeiro dia de debates, 15 de junho, os temas centrais foram a análise do contexto internacional do setor agrícola e de novos processos de mobilização e resistência, além da própria história da Via Campesina, avaliando, com mais ênfase, as ações do quatriênio 2000-2004.

As reuniões e debates são iniciados pelas místicas que enaltecem a diversidade cultural em encenações sobre a realidade camponesa dos diversos países. As celebrações retratam situações de exclusão, mas sempre trazendo mensagens de esperança e luta.

Na manhã de 16 de junho, os debates e estudos foram sobre as estratégias da Via Campesina frente a instituições internacionais como OMC, Banco Mundial e FMI. Paul Nicholson, Henry Saragih e Chukki Nanjundaswamy, todos da Comissão Coordenadora Internacional da Via foram os debatedores.

Sob o tema da soberania alimentar, a campanha contra os transgênicos ganhou destaque porque, segundo avaliação da Conferência, representa não apenas a maior ameaça à agricultura familiar e sustentável mas também o poder das grandes transnacionais e a perpetuação do modelo agroexportador, imposto pela lógica do mercado global.

Em uma coletiva de imprensa realizada na quarta-feira (16), integrantes da Comissão Coordenadora Internacional da Via Campesina apresentaram a situação dos camponeses na Europa e nos Estados Unidos, assim como a posição da entidade frente à OMC (Organização Mundial do Comércio), ao Banco Mundial e à FAO (Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação).

Conferência propõe rompimento com FAO

A FAO (principal instituição das Nações Unidas para a agricultura), em seu último relatório sobre a fome no mundo, defendeu os transgênicos como mecanismo de desenvolvimento da agricultura mundial. Essa posição foi condenada pelos integrantes do evento que pretendem cortar relações com a instituição. "A FAO foi colocada a serviço das grandes multinacionais e isto é uma vergonha". Afirmou Rafael Alegria, secretário geral da Via Campesina.

A Conferência aderiu a um documento de repúdio à FAO, assinado por 850 organizações de pequenos agricultores, entregue em 15 de junho, ao seu secretário geral, Jaques Diouf. "A FAO afirma em sua carta de fundação que, entre as suas funções, está o incentivo à pequena agricultura e ao combate à fome. Nos últimos cinco anos, o número de famintos passou de 800 mil para mais de 1 bilhão. Quando passou a aceitar os organismos geneticamente modificados como instrumento de combate à fome, passou para a condição de adversária em nossas lutas, assim como a OMC", disse Rafael Alegria.

Diamantino Nhampossa, representante de Moçambique lembrou que a falta de alimentos não é a causa da fome, e sim a má distribuição de alimentos, com base nas regulamentações impostas pela Organização Mundial de Comércio. "É por isso que nenhuma tecnologia pode resolver o problema da fome", acrescentou Nhampossa.

Quanto à relação com alguns governos latino-americanos, Alegria afirmou que "apesar de Lula ainda não ter impulsionado uma Reforma Agrária como queremos se mantém a expectativa sobre o futuro do Brasil, enquanto o processo da Venezuela sob a presidência de Hugo Chávez é a esperança na América Latina".

Venezuela é principal aliança

A relação com a Venezuela foi abordada como a principal aliança da Via. Desde o ano passado, existe uma forte negociação para fazer do país o primeiro oficialmente livre de transgênicos. Em reunião realizada terça-feira (15/06) entre dirigentes da Via Campesina e o chanceler venezuelano, Jesus Perez, os agricultores discutiam o fortalecimento das relações com o país e a construção de uma escola de formação, nos moldes da elaborada pelo MST no Brasil, e do envio de lideranças venezuelanas ao país para estágios nos centros de formação dos Sem Terra. O representante do governo venezuelano oficializou a idéia de Chávez de criar um banco de sementes nativas para a América Latina.

Na tarde de Quarta-feira (16), as plenárias foram sobre mobilizações e alianças, na qual foram discutidas as campanhas globais de Reforma Agrária e de proteção às sementes, agricultura e comércio e movimentos sociais. Os eventos são intercalados por breves relatos de experiências de luta camponesa de todos o continentes.

Egídio Brunetto, da coordenação nacional do MST afirmou, durante o debate sobre as alianças entre os movimentos sociais e a sociedade, que é preciso pensar em articulações táticas, pontuais, mas também em estratégicas de longo prazo. "As alianças têm duas mãos, e temos que ter responsabilidade ao construí-las. Os camponeses plantam, mas quem come é a sociedade, por isso podemos integrar organizações não governamentais e consumidores à luta contra os transgênicos. Temos que expandir a luta contra este modelo político e econômico para além das questões agrícolas".

A delegada coreana, Yoon Gum Soon, afirmou que o principal desafío das organizações camponesas de seu país é a vinculação com outros setores da sociedade. Ela realtou que no país hove um plebicito sobre as condições de exportação agrícolas. Trabalhos como este, segundo Yoon permite expandir a importância da soberania alimentar para os demais setores da sociedade. No terceiro dia, 17 de junho os delegados se dedicam ao planejamento e ao plano de ação da Via Campesina para os próximos quatro anos. A IV Conferencia termina no próximo Sábado, 19, com a instalação do novo Comitê Internacional, enquanto no próximo domingo, 20, se realiza, também no interior paulista, a comemoração dos 20 anos do MST.

MST, Brasil

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