Os limites do capital e crise ambiental en Karl Marx

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"Do funcionamento do maquinário capitalista desvelada por Marx é fundamental para compreendermos os horizontes, bem como as causas, da enorme crise ambiental que vivenciamos, derivada do mundo humano engendrado por esse processo econômico em marcha constante, trilhado em caminhos próprios, totalmente desviantes da dimensão física do planeta"

O capital, para Karl Marx, não é uma coisa ou uma instituição como governança, dinheiro ou simplesmente riqueza, e sim um processo em movimento (MARX, 2017, p 113; HARVEY, 2013, p 101), cuja lógica reside na produção de excedentes (mercadorias) para gerar o mais-valor de forma contínua e concentrada (MARX, 2017, p 231). A expansão do movimento do capital em busca desses excedentes para troca no mercado é destituída de limites, ou seja é “infinita”. Na ótica dos ideólogos do capital, não existe barreira para obstruir essa expansão do mercado de excedentes. Por isso, no conceito marxiano, o capital é inexoravelmente moldado por determinações próprias, como a força de sua concorrência interna, a tendência irrefreável à expansão e ao acúmulo de riquezas e a concentração do mais-valor, que conformam algumas das bases de suas sucessivas contradições e crises sistêmicas (MARX, 2017, p. 830).

Na longa história do desenvolvimento do gênero humano, temos, no capitalismo, o primeiro sistema societário, fundado em um modelo econômico, cujo escopo não é reproduzir as bases materiais de esteio da sociedade, senão a si próprio (MARQUES, 2016, p. 59). Por isso, o capitalismo é anárquico, irrefreável em suas tendências, abstrato em suas leis internas e distante da natureza. Seu escopo único: a expansão infinita do desenvolvimento do mercado de troca de mercadorias. (MARX, 2007, 38; 1998, p17; NETTO, 2012, p. 40).

Por óbvio, os conceitos marxianos não são estanques, mas abertos, e ganham tessitura na medida que vão cambiando as condições históricas, sociais e tecnológicas. Assim, na contemporaneidade, o conceito de mercadoria também se alterou. Não é mais preso, apenas, ao sistema de produção. Nos dias que correm, o mais-valor e sua concentração em uma casta cada vez mais ínfima da sociedade, não advêm, somente, dos meios de produção industrial, de serviços ou do comércio – tal qual a tradição histórica – mas de produtos artificiais, derivados do triunfo do sistema parasitário da financeirização do capital, medrado nas últimas quatro décadas de expansão neoliberal.

Como bem destaca István Mészaros, o neoliberalismo fez do “dinheiro a força galvano-química universal da sociedade” (2016, p. 187). A mercadoria – seja qual for sua configuração - seria a célula mater do sistema de produção. A sociedade, sob as regras capitalistas, seria uma enorme coleção de mercadorias (MARX, 2017), dentre as quais, talvez a mais determinante, seja a força de trabalho humano, cuja alienação “livre” em meio ao mercado, sustenta a produção do mais-valor (MARX, 2017, p. 245). A força de trabalho do homem é que realiza a mediação entre a satisfação das necessidades materiais e culturais da sociedade e a natureza, e, quando sequestrada como mercadoria pelo capital, viu sua capacidade produtiva ser exponenciada, seja pela força organizativa ou pela divisão social do trabalho dentro desse sistema, seja pelas inovações tecnológicas que foram introduzidas no processo de industrialização e que alavancaram a capacidade humana de intervir no mundo natural na busca insana da produção de excedentes (MARX, 2017, p 261).

Assim, como relação societária, o capitalismo é o mais avançado e abstrato modelo criado pelo homem para metabolizar, controlar e submeter as forças da natureza. Em suas relações entre homem e natureza, forjou-se outra categoria marxiana, a alienação, responsável pelo fetiche da mercadoria, que faz supor que ela, como mero valor de troca, seja vista como um ente encantado, místico, vindo dos céus e não fruto da força de trabalho humano em metabolismo com a natureza; além de determinar a construção de um mundo artificial, largamente apartado das dinâmicas naturais, urdido pelo homem dentro do capital, que expressa a mais completa tradução da essência da humanidade, que é o seu completo estranhamento com relação ao ser social, um distanciamento crescente de sua gênese, de sua espécie, e da própria natureza (MARX, 2017, p 255; MÉSZAROS, 2016, p 20; MARCUSE, 1969, p. 250).

Embora para Marx a força de trabalho seja um dos pontos fundamentais da teoria social que desenvolveu, ele reconheceu, explicitamente, “que é a natureza a fonte primordial de toda a riqueza”. (MARX, 2012, p. 23). Todavia, o custo dos bens ambientais oriundos da dinâmica espontânea dos ciclos naturais não é levado em conta na lógica da economia capitalista. Se o fosse, os recursos naturais não poderiam ser transformados em commodities, pois a inserção dos custos naturais no processo de produção capitalista inviabilizaria a metamorfose da natureza em mercadoria. 

Diante de todas essas determinações intrínsecas, o capitalismo é inexoravelmente predatório, e um de seus efeitos deletérios na natureza foi percebido por Marx no esgotamento da fertilidade do solo britânico desde o início do processo de industrialização no século XIX (MARX, 2017, p. 313). Essa primeira crise capitalista de esgotamento do solo, nos conta John Bellamy: “(...)levou a um aumento fenomenal da demanda por fertilizantes. O primeiro barco carregado com guano peruano aportou em Liverpool em 1835; em 1841 foram importadas 1.700 toneladas, e, em 1847, 220 mil. Durante tal período, os agricultores reviraram os campos de batalha napoleônicos, como os de Waterloo e Austerlitz, numa busca desesperada por ossos para espalhar em suas áreas de cultivo”. (FOSTER, 2018, p. 30). A crescente capacidade técnica de revolucionar o processo de produção serve como fator de agudização, alimentado por todas essas dinâmicas intrínsecas do capital, ao esgotamento da biosfera em escala planetária.

Temos, em todo o mundo, apenas 2,8% de água doce, dos quais, 69,7% estão confinados em geleiras, 30% nos aquíferos e apenas 0,3% nas águas superficiais. (BEAULANDE, 2018). Como pondera Maurício Waldman, a pegada ecológica da industrialização em meio aos recursos hídricos é ciclópica. Se fossem computados os impactos ambientais na produção de mercadorias, a civilização capitalista estaria inviabilizada: “(...) a fabricação de cerveja consome de 4 a 7 litros de água para produzir 1 único litro da bebida; para a produção de 1 quilo de açúcar são necessários 100 litros de água; a fabricação de papel e celulose é uma das mais impactantes. Um quilo de papel implica no desperdício de 250 litros de água. O alumínio, cada quilo consome 100.000 litros de água. Na agroindústria os impactos ambientais se multiplicam: a produção de 1 quilo de arroz reclama o consumo de 1.910 litros de água; cada quilo de milho exaure 1.400 litros, o trigo 900 litros de água para cada quilo; na pecuária só os bovinos exigem o consumo de 53 litros diários de água ou, em âmbito matemático, 16.193 litros de água para cada quilo de carne ovina posta nas prateleiras. Para a carne de galináceos, essa soma de refração do sistema hídrico alcança o número de 3.500 litros de água por quilo industrializado” (2011, p. 115). 

A gênese, portanto, do funcionamento do maquinário capitalista desvelada por Marx é fundamental para compreendermos os horizontes, bem como as causas, da enorme crise ambiental que vivenciamos, derivada do mundo humano engendrado por esse processo econômico em marcha constante, trilhado em caminhos próprios, totalmente desviantes da dimensão física do planeta. Em obra de justo prestígio e aqui tantas vezes mencionada, averba Luis Marques que, “no capitalismo, ser é crescer. Ser e crescer são, no metabolismo celular desse sistema, uma única e mesma coisa. A locução ‘capitalismo sustentável’ exprime, portanto, num mundo de recursos naturais finitos, uma contradição nos termos”. (2016, p. 59).

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Temas: Biodiversidad, Crisis capitalista / Alternativas de los pueblos, Tierra, territorio y bienes comunes

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