Revista Biodiversidade, sustento e culturas #100 (versión Portugués)

"Hoje enfrentamos um mundo que, lado a lado com a atividade humana, superou tudo o que poderíamos imaginar em termos de destruição, violência, desigualdade, hipocrisia e perda dos valores mais elementares da convivência entre os seres humanos e com a natureza. É por isso que nesta edição nos propomos a fazer o exercício de contar até cem, percorrendo parte dos caminhos percorridos e partilhados, as análises que anunciaram parte deste desastre e, sobretudo, reafirmando a convicção dos povos de que existem outros caminhos e que já os estamos percorrendo".

Conteúdo

- Editorial: Contagem até cem

- Louvor a quem merece - Por Silvia Rodríguez Cervantes

- Por que é necessário o reconhecimento dos direitos da Natureza- Por  Elizabeth Bravo-Acción Ecológica

- Os direitos do arroz selvagem - Por Winona Laduke

- A fraude dos gigantes agroalimentares - Por José Godoy, Evangelina Robles, David Sánchez, Colectivo por la Autonomia

- Do patenteamento da vida aos genes de extinção | Grupo ETC

- Cresce o cerco corporativo, mas também as respostas sociais em defesa dos bens comuns - Alianza Biodiversidad

- Nosso caminho: construir unidade popular para radicalizar a disputa pelos sentidos da vida - Por REDES/Amigos da Terra Uruguai

- CLOC: fogo, luz, ação da Via Campesina na América Latina

- Brasil: Diante da devastação, apenas a luta, a memória, a resistência viva- Por Fernanda Vallejo

- Uma panorâmica e muitas vistas: Reunindo palavras

Editorial: Contagem até cem

Quando somos confrontados com situações que nos esmagam e geram o impulso para uma reação de violência ou agressão, uma das estratégias socialmente recomendadas é "contar até dez antes de dizer alguma coisa".

Hoje enfrentamos um mundo que, lado a lado com a atividade humana, superou tudo o que poderíamos imaginar em termos de destruição, violência, desigualdade, hipocrisia e perda dos valores mais elementares da convivência entre os seres humanos e com a natureza.

É por isso que nesta edição nos propomos a fazer o exercício de contar até cem, percorrendo parte dos caminhos percorridos e partilhados, as análises que anunciaram parte deste desastre e, sobretudo, reafirmando a convicção dos povos de que existem outros caminhos e que já os estamos percorrendo.

Então vamos respirar fundo e contar até cem...

Porque há cem números atrás denunciamos que o agronegócio não veio para acabar com a fome, mas para nos transformar a nós e aos nossos alimentos em mercadorias.

Porque anunciamos que os OGMs não vieram para produzir mais alimentos, mas para aumentar o uso de agroquímicos produzidos pelas mesmas grandes corporações que os criaram.

Porque dissemos que estes agroquímicos representavam uma ameaça para a saúde dos ecossistemas e das pessoas, e infelizmente hoje esta afirmação foi confirmada com números e estatísticas escandalosas.

Porque propusemos que o avanço da fronteira agrícola com as monoculturas provocaria uma destruição maciça da biodiversidade. Talvez não imaginássemos, então, que tal destruição equivaleria aos mais de 100 milhões de hectares desmatados nestas décadas no continente.

Porque nós levantamos o alarme sobre a apropriação do conhecimento e know-how tradicional pelas corporações através dos direitos de propriedade intelectual.

Porque antecipamos que as leis da semente seriam a prisão onde as multinacionais pretendem fechar aquele legado dos povos que levou dez mil anos para ser criado. E hoje descobrimos que perdemos 75% dessas sementes, enquanto muitas estão trancadas em bancos de germoplasma longe das mãos dos camponeses.

Porque também denunciamos a apropriação da terra que se intensificou nas últimas décadas e que hoje confina os povos da terra a menos de 25 por cento da superfície disponível para a agricultura.

Porque colocamos o foco no sistema agroalimentar global como um dos principais responsáveis pela crise climática e hoje há cada vez mais evidências sobre isso.

Porque descrevemos uma a uma as implicações da imposição de novas tecnologias que, como falsas soluções e de mãos dadas com o "mercado", tentaram impor às nossas sociedades. Sementes de terminadores, geo-engenharia, edição genética estavam sendo removidas nestas páginas, deixando o que elas realmente representam à vista: armadilhas tecnológicas para fazer negócios e encobrir as soluções reais.

Porque colocamos um nome na forma como o poder empresarial e financeiro procurou (e ainda procura) criar um governo mundial acima de nossos países frágeis (e contraditórios): os acordos bilaterais e multilaterais de livre comércio que foram e ainda são resistidos em toda a América Latina.

E finalmente porque desencadeamos o alarme sobre como a voracidade corporativa ameaçou nossos povos, nossos territórios e nossos bens comuns.

Mas nesta contagem e chegando a cinqüenta (sem contar?) também durante estes anos estávamos sonhando e construindo pontes com as comunidades, povos, organizações e coletivos que desde a resistência vieram a dizer muito alto: OUTRO MUNDO É POSSÍVEL. E, durante estes anos, do "vamos globalizar a luta, vamos globalizar a esperança", marcaram o caminho que devemos seguir.

Visando a preservação integral dos territórios nas mãos das comunidades com autonomia e autodeterminação. Porque sem terra e territórios nas mãos de povos nativos, camponeses, não há futuro para a humanidade.

Propor (e criar) a soberania alimentar como um novo paradigma e horizonte consciente para a agricultura, que tornará possível uma libertação sem precedentes de comunidades, colectivos e indivíduos.

Defender as sementes como herança do povo a serviço da humanidade para produzir alimentos saudáveis.

Demonstrar que a agricultura camponesa (que tem nada menos que dez mil anos de história) é a base sobre a qual podemos construir uma agroecologia que, como aconteceu nos últimos dez mil anos, fornece alimentos sem destruir o meio ambiente.

Ensinar, ensinar-nos, que os camponeses podem arrefecer o planeta e lutar por ele nos territórios.

Partilhar, como os povos sempre fizeram, os conhecimentos e habilidades que continuam a alimentar a diversidade que nos permite ser uma comunidade.

Recuperar as tarefas de reprodução para todos, colocando-as no centro da existência como um horizonte e um significado.

Organizar para enfrentar, onde parecia impossível, o poder corporativo e financeiro e demonstrar que são as pessoas que podem colocar um limite a isso.

Propor uma revolução em nossas relações para acabar com a violência patriarcal e de um feminismo camponês e popular para envolver todos nós na construção de uma sociedade sem violência.

Tudo isto não é pouco, certo?

Sem esse caminho percorrido pelo povo, nosso trabalho perderia relevância e seria apenas mais um testemunho. Entretanto, quando a revista é discutida em oficinas, lida em rádios comunitárias, fotocopiada para fins de treinamento, ou recebe contribuições vivas das comunidades, é quando ficamos entusiasmados e apostamos em mais uma centena de edições.

Esperamos que continue a acompanhar-nos.

- Para baixar a revista completa #100 em português (PDF), clique no link a seguir:

Temas: Crisis capitalista / Alternativas de los pueblos, Defensa de los derechos de los pueblos y comunidades

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