Brasil: línguas indígenas. Uma riqueza que não pode desaparecer.

Idioma Portugués
País Brasil

"Pesquisadores da FAPESP anunciaram, na última semana, que cerca de 180 línguas tradicionais dos povos indígenas podem desaparecer. Embora conteste alguns dados desta pesquisa, o linguista estadunidense que vive no Pará, Dennis Albert Moore, em entrevista à IHU On-Line, aponta questões muito importantes que estão levando algumas línguas tradicionais ao fim"

Entrevista especial com Dennis Albert Moore

Pesquisadores da FAPESP anunciaram, na última semana, que cerca de 180 línguas tradicionais dos povos indígenas podem desaparecer. Embora conteste alguns dados desta pesquisa, o linguista estadunidense que vive no Pará, Dennis Albert Moore, em entrevista à IHU On-Line, aponta questões muito importantes que estão levando algumas línguas tradicionais ao fim. A principal delas, segundo ele, é a falta de linguistas no país, principalmente nos estados onde a presença dos povos indígenas é maior. “Por exemplo, o estado do Amazonas tem cinquenta línguas indígenas e somente dois linguistas com doutorado. É óbvio que duas pessoas com tantas responsabilidades acumuladas não têm condições de cuidar de cinquenta línguas. O grande problema, principalmente na Amazônia, é que há poucas pessoas treinadas e a infra-estrutura é mínima”, concluiu Dennis.

Doutor em Linguística e Antropologia Cultural pela Universidade de Nova Iorque, Dennis Albert Moore é pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi, onde desenvolve os estudos Documentação de Cinco Línguas Tupi Urgentemente Ameaçadas e Línguas de Rondônia. É também consultor da Organização Indígena Panderej de Rondônia.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Das 180 línguas tradicionais dos povos indígenas em uso no Brasil, hoje, mais de 30 podem desaparecer em pouco tempo, segundo pesquisadores da FAPESP. Quais são as principais línguas ameaçadas?

Dennis Albert Moore – Esses números não são muito precisos. O que se quer dizer exatamente quando se fala em 180 línguas? Sabe o que acontece com o português de Portugal e o português do Brasil? A mesma coisa acontece com as línguas indígenas. A língua do povo indígena Gavião, de Rondônia, é muito parecida com o dialeto do índio Toró, também de Rondônia. É como o português de São Paulo e o português de Belém do Pará, ou seja, muito pouco diferente. Então, se você conta todas as línguas, são quase 180. Então, depende do que se quer dizer com língua. Também não há um critério fixo e bem claro para dizer quais as línguas que estão em extinção e quais não estão. Em longo prazo, muitas línguas podem desaparecer.

IHU On-Line – E o qual o principal causador dessa possível extinção?

Dennis Albert Moore – O diagnóstico se faz na base da transmissão, ou seja, ele se dá a partir do fato de que se está ou não aprendendo aquela língua. Outra questão é que o número de falantes é mais importante para se ter uma ideia melhor de como a transmissão de uma língua está se dando.

Quando se fala uma determinada língua, há várias causas pelas quais ela pode desaparecer. O contexto de seu uso, por exemplo, é uma dessas causas, pois existem casamentos entre pessoas de grupos diferentes, pessoas que viajam para fora da aldeia e índios que são criados na cidade. Qualquer uma dessas situações pode fazer desaparecer o contexto de uso de uma língua, uma vez que a transmissão tende a diminuir.

IHU On-Line – O que tem levado os povos indígenas do Brasil a diminuir a incidência de transmissão das suas línguas nativas para as novas gerações?

Dennis Albert Moore – Vou citar aqui o caso concreto do povo indígena Guaporé. A agência que cuidava dos assuntos indígenas estava tratando de um problema que resultou em um grande número de mortalidade devido a doenças. Os sobreviventes eram levados para hospitais e, então, havia ambientes onde até sete línguas eram faladas. Assim, começavam a falar português até em casa e excluíram a língua nativa. Esta, portanto, perde proporção através de contatos que não são bem regulados, onde toda a cautela para proteger a língua por essas pessoas não foi tomada. Por causa disso, por exemplo, e de muitos outros motivos, as línguas estão sendo menos faladas pelas gerações mais novas. Porém, há uma outra tendência de que as pessoas estão querendo retomar o uso das suas línguas, pois têm interesse de aprender mais sobre a própria cultura.

IHU On-Line – O senhor também concorda com a aplicação de uma política linguística e científica?

Dennis Albert Moore – Sim, mas depende de qual é a política. Isto é muito discutido. Tem um projeto da FUNAI que foi muito bem concebido. O presidente da FUNAI, Márcio Meira, um antropólogo muito inteligente, conseguiu um financiamento de aproximadamente quatro milhões de reais para a proteção e revitalização de línguas, além de treinar indígenas a trabalhar com a manutenção de suas línguas. Isso foi, para mim, uma coisa muito esclarecida e progressista. Dificilmente, irá se achar no mundo uma coisa tão bem pensada. Mesmo assim, essa iniciativa foi criticada por alguns linguistas, infelizmente. Acho muito necessário criar uma política linguística, mas há vários linguistas que estão contra nossa história.

IHU On-Line - Como deveria ser a política linguística e científica para que línguas nativas importantes não fossem extintas?

Dennis Albert Moore – O Brasil é um dos países mais progressistas em termos de política linguística. Houve a iniciativa, em 2006, da Câmara dos Deputados, sobre a possibilidade de criação de um livro de registro de línguas. Nesse sentido, foi levantado um grupo de trabalho de diversidade linguística do IPHAN, vendo as línguas como parte do patrimônio cultural e material. O grupo de trabalho está planejando um levantamento de campo da situação de todas as línguas do país. Isto foi muito bem pensado pelo governo brasileiro e o primeiro passo foi determinar qual é a situação, exatamente, do grau de transmissão das línguas, quantas línguas, de fato, existem e quantas realmente são só nomes de tribos. Com isso, é possível, inclusive, descobrir novas línguas, pois estamos descobrindo várias todos os anos.

Este é um passo que muito importante dado pelo governo, mas temos que ver se ele realmente será realizado. Novamente, havia alguns linguistas querendo impedir o mapeamento, mas a posição do governo é completamente coerente. Identificada a situação, é mais fácil fazer planos concretos em termos de revitalização de línguas e em termos de documentação. Também devem ser criados centros de documentação onde se podem colocar as transmissões que tenham vida limitada, pois as fitas, mesmo CDs e DVDs, com o tempo, vão se estragando.

Mundialmente, o que se faz é colocar as transmissões em forma digital, depois passá-la para servidores, e, posteriormente, migrar para outros meios tecnológicos. No entanto, é preciso manter esses materiais para garantir que daqui a cinquenta anos, por exemplo, ainda teremos todas essas transmissões. Na Amazônia, onde eu trabalho, precisamos de mais linguistas. Estamos trabalhando aqui no museu para selecionar pessoas que possam trabalhar com essa questão.

IHU On-Line – Como a possível extinção de línguas nativas pode influenciar na cultura dos povos indígenas?

Dennis Albert Moore – Se você não falasse português, não seria a mesma pessoa que é hoje. Por isso, os grupos indígenas estão interessados em manter e documentar suas línguas nativas. A documentação, hoje em dia, é fácil com os meios digitais. Tem gravador de áudio digital e gravam no chip de memória; há gravador de vídeo, que também grava em HD. Estamos aqui no museu recebendo muitos convites de grupos indígenas para fazer treinamento sobre essas tecnologias, para que eles mesmos possam fazer coleções de música tradicional, do conhecimento que terão. É preciso aproveitar a tecnologia recente para retomar a cultura dos povos originários.

IHU On-Line – Qual o principal desafio de documentar e preservar as línguas nativas indígenas?

Dennis Albert Moore – É muito trabalho e pouca gente. Temos poucos linguistas. Por exemplo, o estado do Amazonas tem cinquenta línguas indígenas e somente dois linguistas com doutorado. É óbvio que duas pessoas com tantas responsabilidades acumuladas não têm condições de cuidar de cinquenta línguas. O grande problema, principalmente na Amazônia, é que há poucas pessoas treinadas e a infra-estrutura é mínima. Aqui no museu, temos uma boa infra-estrutura e estamos sempre trabalhando para ter os documentos mais atualizados. Há muitas vantagens por parte dos grupos, e a política dos estados, bem como a do governo é muito favorável. Se compararmos o Brasil com alguns países, veremos que ele é muito mais progressista em termos de manutenção de línguas do que outros que, geralmente, padronizam tudo e eliminam as minorias. Acho que o que mais falta é recursos humanos e tempo, já que tem tantas línguas e poucas pessoas que moram onde as línguas são faladas e que estão em contato com os falantes.

Instituto Humanista Unisinos, Internet, 15-8-09

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