No coração da Amazônia, o povo caminha: 22ª Romaria da Terra, da Floresta e das Águas reúne fé, denúncia, esperança e profecia

22ª Romaria da Terra, da Floresta e das Águas da Prelazia de Lábrea. Foto: Áila Nascimento / Cimi Regional Norte 1 – Equipe Lábrea

Com um trajeto de quase 5 Km, romeiros e romeiras seguiram de Lábrea até a aldeia Novo Paraíso, do povo Apurinã, Terra Indígena Caititu, para celebrar a vida e assumir o compromisso de cuidar da Casa Comum

No dia 06 de julho, em plena manhã amazônica, antes do sol despontar no céu, centenas de romeiros e romeiras se reuniram em frente à Catedral de Nossa Senhora de Nazaré, em Lábrea, sul do Amazonas, para dar início à 22ª Romaria da Terra, da Floresta e das Águas da Prelazia de Lábrea. Com o tema “Resistir e esperançar cuidando da Casa Comum no nosso rio Purus” e o lema “Sua ternura abraça toda criatura” (Sl 144,9), a Romaria iniciou a caminhada e teve como destino final a Aldeia Novo Paraíso, na Terra Indígena Caititu. Um trajeto de cerca de 5 km marcado por cantos, orações, gritos de denúncia e profundo compromisso com a vida e o território.

A Romaria é mais que uma simples caminhada. É momento de reflexão e ação, é ato de fé e também de luta, um gesto coletivo de denúncia e de compromisso. Ao longo do percurso, os participantes se uniram em torno de um mesmo propósito: defender o Purus, sua floresta, seus rios e seus povos.

“A Romaria é momento de reflexão e ação, é ato de fé e também de luta, um gesto coletivo de denúncia e de compromisso”

22ª Romaria da Terra, da Floresta e das Águas da Prelazia de Lábrea. Foto: Áila Nascimento / Cimi Regional Norte 1 – Equipe Lábrea

Entre as cinzas e o clamor da Terra

Durante a caminhada, reflexões profundas ecoaram sobre a grave situação ambiental vivida na região do Médio Purus. O dragão da morte, representado pelas forças do agronegócio predatório, do garimpo ilegal, da grilagem e da financeirização da natureza, avança feroz sobre a floresta e seus povos. Os sinais do chamado “ponto de não retorno” são cada vez mais visíveis: queimadas, secas históricas, contaminação dos rios e doenças que assolam as comunidades.

Mas o povo não caminha sem resposta. A resistência é feita de valores do coração: a simplicidade frente ao consumismo, a cooperação diante da competição, a espiritualidade encarnada no cuidado com a floresta e com os mais pobres. 

“A Romaria foi um grito coletivo: não aceitaremos que acabem com o nosso Purus, uma das últimas grandes florestas em pé do planeta”

22ª Romaria da Terra, da Floresta e das Águas da Prelazia de Lábrea. Foto: Áila Nascimento / Cimi Regional Norte 1 – Equipe Lábrea

Esperançar com os pés no chão e a memória acesa

Um dos momentos simbólicos foi a parada em frente ao lixão da cidade. Ali, entre o clamor da Terra ferida e o cheiro da degradação, o povo fez memória das conquistas históricas alcançadas com luta e organização: terras indígenas demarcadas, criação de Reservas Extrativistas como a do Médio Purus e do Rio Ituxi, e o fortalecimento de organizações indígenas e ribeirinhas.

O povo celebrou o trabalho persistente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) junto aos povos indígenas, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) com as comunidades camponesas e ribeirinhas, e da própria Igreja da Amazônia, que “armou sua tenda” junto aos povos do território.

Esperançar, como foi lembrado, não é cruzar os braços esperando. É caminhar e construir, com compromisso no presente e fé no amanhã. Deus não age desde fora. Age dentro, por meio de quem se levanta e luta com ternura e coragem.

22ª Romaria da Terra, da Floresta e das Águas da Prelazia de Lábrea. Foto: Áila Nascimento / Cimi Regional Norte 1 – Equipe Lábrea

Mães da fé e guardiãs da floresta

Outro ponto de grande destaque da Romaria foi a ampla e significativa participação das mulheres, vindas das comunidades urbanas, ribeirinhas e indígenas. Em sua maioria, foram elas que organizaram, animaram, cantaram, prepararam a acolhida, carregaram faixas e caminharam com firmeza, como fazem há décadas na Igreja da Amazônia.

Segundo Maria Borrosa da Silva Rodrigues, paroquiana de Lábrea, o cuidado da mãe com os filhos é a continuidade da vida, essa é a importância das mulheres na Romaria. “A importância da participação feminina na Romaria da Terra, da Floresta e das Águas e na conscientização sobre o cuidado com a ‘Casa Comum’ deriva do nosso papel de mães e geradoras de vida”, desejou.

“Queremos garantir que nossos filhos e netos possam viver e ver a floresta como nós vimos na infância: com castanheiras, rios limpos e mata de pé”

Para a ribeirinha Samara da Silva, da comunidade São Raimundo Nonato, as mulheres estendem seu cuidado com a vida para outros espaços, especialmente na igreja. “A presença feminina na 22ª Romaria é reflexo da dedicação das mulheres ao trabalho pastoral e voluntário. Elas são fundamentais na concretização de projetos, nas pastorais, movimentos e serviços. A Igreja com rosto amazônico é moldada por essas mulheres de todas as idades que respondem com coragem ao chamado da fé”, afirmou.

Maria Apurinã, da Aldeia Novo Paraíso, que recebeu a Romaria, expressou sua alegria pelo acolhimento dos romeiros e romeiras em seu território: “Foi uma bênção receber os romeiros e romeiras aqui na nossa aldeia. Ficamos muito felizes. Vieram cuidar da mata, das águas e dos nossos territórios, de onde tiramos o remédio, a comida e a nossa sobrevivência”, congratulou.

“Foi uma bênção receber os romeiros e romeiras aqui na nossa aldeia. Ficamos muito felizes”

22ª Romaria da Terra, da Floresta e das Águas da Prelazia de Lábrea. Foto: Áila Nascimento / Cimi Regional Norte 1 – Equipe Lábrea

Vozes do povo

Na chegada à Aldeia Novo Paraíso, o cacique Marcelino Apurinã acolheu os romeiros com emoção. “A Romaria foi um momento de grande alegria, pois serve para fortalecer a luta dos povos indígenas do Purus e dar mais visibilidade às suas necessidades”, disse, fazendo memória das primeiras romarias que participou.

Para Dom Santiago Sánchez, bispo da Prelazia de Lábrea, que acompanhou todo o percurso com o povo, a Romaria é momento e espaço de defesa e desejos de vida. “Vivenciar a Romaria é defender nossa terra, nossas florestas, nossas águas, e demonstrar que queremos fazer essa defesa a partir da fé. Lábrea é uma região marcada por queimadas e destruição ambiental. Mas a terra, a floresta e as águas são fontes de vida, e precisamos defendê-las”, proclamou.

22ª Romaria da Terra, da Floresta e das Águas da Prelazia de Lábrea. Foto: Áila Nascimento / Cimi Regional Norte 1 – Equipe Lábrea

Sementes que florescem na resistência

A Romaria também foi marcada pela memória viva dos mártires da terra, da floresta e das águas. Nomes como Irmã Dorothy Stang, Padre Ezequiel Ramin, Chico Mendes, Margarida Alves, Antônio Conselheiro, Irmã Cleusa Carolina e tantos outros, foram lembrados como sementes de justiça que continuam a germinar na caminhada do povo.

Foi feita a memória do missionário Günther Kroemmer, do Cimi, que dedicou sua vida à causa indígena na Prelazia de Lábrea e em toda a Amazônia brasileira.

Celebrar para renovar a esperança

A celebração da Eucaristia, presidida por Dom Santiago, coroou o encerramento da Romaria, realizada já em solo indígena. Com palavras firmes e fraternas, o bispo encorajou a todos a continuar resistindo e esperançando com o coração voltado para o Reino de Deus.

Ao final, cada romeiro e romeira assumiu compromissos concretos de recusar o silêncio diante da injustiça, denunciar os crimes ambientais, cobrar políticas públicas sustentáveis e viver em harmonia com a criação.

22ª Romaria da Terra, da Floresta e das Águas da Prelazia de Lábrea. Foto: Áila Nascimento / Cimi Regional Norte 1 – Equipe Lábrea

Seguimos em Romaria permanente

A 22ª Romaria da Terra, da Floresta e das Águas da Prelazia de Lábrea não terminou em seu destino. Ela continua viva no coração das comunidades, das aldeias, nas escolas, nos rios, nas igrejas, nas assembleias populares e nos roçados. A ‘Casa Comum’ clama por cuidado, e o Purus, com seus povos, águas e florestas é hoje um dos maiores campos de batalha entre o lucro e a vida.

A esperança teimosa do povo de Deus segue firme, como o rio que não para de correr, profetiza a  Carta da 22ª Romaria da Terra, da Floresta e das Águas da Prelazia de Lábrea.

“Reafirmamos que a ternura de Deus se manifesta no cuidado com a criação, com a vida, com os pequenos e os que sonham um mundo mais justo”

Inspirados pelo Salmo que diz “sua ternura abraça toda criatura, reafirmamos que a ternura de Deus se manifesta no cuidado com a criação, com a vida ameaçada, com os pequenos e com os que sonham um mundo mais justo. A Romaria é nossa resposta de fé, nossa ação concreta, nossa esperança teimosa plantada à beira dos rios”.

Seguimos em Romaria permanente, resistindo, esperançando e cuidando do nosso Purus.

Leia a carta na íntegra,  aqui.

Fonte:  Conselho Indigenista Missionário (CIMI )

Temas: Defensa de los derechos de los pueblos y comunidades, Defensa del Territorio , Pueblos indígenas

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