Brasil: terra estrangeira

Idioma Portugués
País Brasil

O sueco Johan Eliasch tem mais raízes no Brasil do que a namorada Ana Paula Junqueira, socialite paulista. Presidente da fabricante de material Head, em Londres, o executivo comprou 160 mil hectares da floresta amazônica por meio da ONG Cool Earth. Aos interessados em preservar a Amazônia, ele oferece pelo site a oportunidade de “comprar” um pedaço da mata. Para o Congresso Nacional, o assunto é caso de soberania

Eliasch foi convidado em 9 de agosto pela Comissão da Amazônia da Câmara dos Deputados a esclarecer de que forma a área foi comprada, mas ainda não respondeu se virá. Ao mesmo tempo, o deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) pediu informações ao Ministério da Justiça sobre a documentação da propriedade. Segundo Bentes, nada foi encontrado. Agora, o deputado prepara-se para pedir ao Ministério Público Federal que investigue o caso. “A suspeita é de se tratar de uma terra grilada, ou seja, totalmente irregular”, diz o representante da comissão.

Eliasch não é o único caso de estrangeiros donos de terra no País que tem chamado a atenção. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), os ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente estão de olho no aumento do número de investidores externos em terrenos brasileiros, seja por meio de ONGs que querem criar áreas de proteção ambiental em plena floresta, seja por interessados em atividades agrícolas. O deputado Fernando Ferro (PT-PE) acredita haver motivos suficientes para uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ou, no mínimo, para uma proposta de fiscalização e controle pelos parlamentares. “Há muitos motivos para preocupação. Isso pode significar a expansão da fronteira agrícola. Em outros casos, sob a idéia simpática de renovação de áreas desmatadas, pode-se colaborar com a biopirataria, para os estrangeiros pesquisarem e registrarem patentes na nossa casa”, argumenta. Pelos números do Banco Central, o crescimento dos investimentos estrangeiros diretos em agricultura, pecuária e extração mineral é visível. Ele acentuou-se até 2005 e recuou um pouco no ano passado. Apesar do volume, em alguns estados, como Mato Grosso, o montante não representa 5% da área explorada. Já os recursos

SOBERANIA

O Incra, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e congressistas estudam limitar a aquisição de áreas no Brasil por investidores de outros países do exterior para a compra de imóveis ainda não interromperam a fase de crescimento (gráfico na pág. 12). Nesse caso, a explicação é o litoral nordestino, uma das preferências de grupos hoteleiros e turistas europeus interessados em ter a região como uma opção de segunda residência.

No primeiro semestre, o Rio Grande do Norte foi o principal destino de dólares com o objetivo de adquirir imóveis, à frente de São Paulo. Para o Incra e o Ministério do Desenvolvimento Agrário, é necessário controlar essa “invasão estrangeira”. Representantes dos órgãos, juntamente com a Casa Civil e o Ministério da Agricultura, reuniram-se há cerca de dois meses para discutir uma proposta de melhora da fiscalização desses investidores e, principalmente, rever um parecer da Advocacia- Geral da União (AGU), de 1994, que facilitou bastante a vida dos donos do capital estrangeiro.

À época, a AGU compreendeu que bastaria o investidor internacional criar uma empresa no País (mesmo que não tenha 1 centavo de capital nacional) para ser tratado como brasileiro, ou seja, não ter limite de hectares. A Lei de Aquisição de Imóveis, de 1971, prevê que as áreas para estrangeiros não podem ser superiores a 50 módulos de exploração definida (MEI) no caso de pessoa física e 100 MEI quando se tratar de pessoa jurídica. A MEI varia de acordo com o município, vai de 5 a 100 hectares. No caso de uma empresa internacional, a aquisição não poderia passar de 10 mil hectares, a não ser que fosse feita uma consulta ao Congresso Nacional por meio do Incra, um recurso raro. O parecer da AGU, feito para possibilitar a entrada de capital estrangeiro nas privatizações brasileiras, acabou com
as restrições também na posse de terra.

“Não se trata de xenofobismo, mas de colocar limites. Num fenômeno internacional de disputa de terra, aquecida pela mudança de matriz energética, a quem vamos destinar o território nacional? Como os agricultores vão competir?”, pergunta Rolf Hackbart, presidente do Incra. Outra preocupação, diz, é o fato de, graças aos recursos de fora, haver cada vez menos terra para a reforma agrária. As áreas tornam-se caras ou simplesmente indisponíveis. Não necessariamente a compra de uma terra por investidores internacionais é feita por mecanismos irregulares, como a grilagem. O primeiro passo é criar uma empresa brasileira, ainda que o capital seja 99% de fora. A suíça Precious Woods, por exemplo, detém 387.119 hectares, distribuídos pelo Pará e pela Amazônia, para a produção e venda de madeira certificada. O principal destino da madeira amazônica é o mercado internacional. O capital estrangeiro em terras brasileiras tem várias origens. O australiano Robert Newel é dono de 11.350 hectares em Rosário, no oeste baiano. Os fundos Calpers, da Califórnia, detêm 23 mil hectares no Paraná e em Santa Catarina. O megainvestidor húngaro George Soros, apesar de profetizar que o etanol pode chegar em breve perto da saturação, comprou, em 2006, por meio do fundo argentino Adeco (do qual é o principal acionista), uma usina de álcool e 12 mil hectares em Monte Belo, em Minas Gerais, e outras três propriedades neste ano em Mato Grosso do Sul. Em 2005, a Adeco tinha arrematado 20 mil hectares também no oeste da Bahia. “Temos aqui argentino, peruano, angolano, paraguaio, canadense, holandês, chinês e japonês”, conta Eduardo Yamashita, secretário de Agricultura e Desenvolvimento de Luís Eduardo Magalhães, no oeste baiano. Favorável aos investidores internacionais, Yamashita garante que a região só ganhou coma chegada de dinheiro de fora. “Há 20 anos a cidade tinha apenas um posto de gasolina. Há faculdades, hospital de referência, indústrias. É um dinheiro que movimenta toda a economia, que incrementa o PIB brasileiro”, opina. Por outro lado, essa mudança encareceu as terras. Se há três anos um hectare custava por volta de mil dólares, agora vale 3 mil. “Aqui o gringo é bem vindo”, diz Yamashita. O consultor Anderson Galvão, da Céleres, é especialista em fazer estudos para estrangeiros interessados no Brasil. Ele representa interesses de americanos, australianos e europeus. “O grande comprador de terra ainda é o brasileiro”, garante. Segundo Galvão, dados da Embrapa estimam que dos 4 milhões de terras agricultáveis do oeste baiano, não chega a 120 mil hectares o que está nas mãos de investidores internacionais. Barreiras, a maior cidade do oeste da Bahia, também foi invadida pelos dólares. Nas contas de José de Sá Teles, secretário de Desenvolvimento Econômico e Agronegócios do município, a participação internacional é maior do que estima a Embrapa. De 1,6 milhão de hectares prontos para agricultura na região (que inclui São Desidério, Riachão das Neves, Formosa do Rio Preto e Correntina), 300 mil hectares seriam de estrangeiros, que plantam eucalipto, arroz, soja, algodão, milho, café, cana-de-açúcar e sorgo. Até um dos irmãos de George W. Bush conheceu a região duas semanas depois da visita oficial do presidente norte-americano ao Brasil, em março. “Esta é uma área historicamente abandonada pelo poder público. Bem ou mal, o dinheiro de fora diminuiu as diferenças sociais. Mas ainda falta investir no beneficiamento da produção para não mandarmos apenas soja e algodão para Chicago”, avalia Teles.

O senador João Pedro (PT-AM), da Comissão de Agricultura do Senado, é totalmente contra a participação estrangeira. Ele pretende apresentar um projeto de lei para punir os laranjas envolvidos nas negociações. “Se querem comprar terra, que apresentem projetos sustentáveis, fiscalizados pelo Incra, pelo Ibama e Instituto Chico Mendes. Ninguém engole essa história de comprar terra na floresta para preservar”, explica. Além disso, o senador defende um padrão mais rigoroso para os cartórios, “que facilitam a posse indevida e a grilagem, principalmente de terras públicas”. Pela lei, os cartórios têm de prestar contas a cada três meses de todo movimento que envolva estrangeiros, mas isso não tem acontecido. Nem todos os representantes do agronegócio estão satisfeitos com a euforia dos dólares. O deputado federal Homero Pereira (PR-MT), presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso, lamenta a situação. “Isso coloca os produtores em uma situação fragilizada. Muita gente vende terra porque precisa pagar os bancos.”

Para os representantes dos agricultores em Goiás e no Pará, não há motivos para preocupação. “Ainda não há um número alarmante, mas com os projetos de biodiesel e álcool no estado, os investimentos internacionais devem aumentar”, avisa Macel Felix Caixeta, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Goiás. Carlos Fernandes Xavier, presidente da federação paraense, é mais entusiasmado: “No mundo globalizado, capital não tem pátria. Os investimentos por ora são pequenos, mas temos potencial para receber mais”. Valdez Farias, procurador do Incra, lembra que as outras nações, em geral, têm algum tipo de restrição ao capital internacional usado para a compra de terra. Nos Estados Unidos, existe a obrigação do estrangeiro de elaborar relatórios das aquisições à Secretaria da Agricultura. Em alguns estados, é preciso se naturalizar, ou residir no país há mais de cinco anos. No México, a compra tem de ser autorizada pela Secretaria de Relações Exteriores. “Não se quer impedir a entrada de dinheiro, mas que a legislação garanta a soberania do País”, afirma.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) é totalmente contrário à presença internacional no campo. “É um absurdo cedermos nossos recursos da natureza para capitalistas virem se locupletar. Há muitas empresas nórdicas do setor de celulose que estão migrando para o Hemisfério Sul para impor a monocultura do eucalipto, que representa um grave desequilíbrio para a biodiversidade. Fora aqueles que estão comprando terra na faixa de fronteira”, lembra João Pedro Stédile.

Stédile cita o caso da Stora Enso, gigante do setor de papel e celulose de capital sueco-finlandês, que adquiriu 45,7 mil hectares sob a justificativa de reflorestamento. Depois de passar pelo Ministério Público Federal, o caso acaba de chegar à Polícia Federal do Rio Grande do Sul. O superintendente Ildo Gasparetto informa que já determinou a instauração do inquérito para investigar se houve falsidade ideológica. A PF quer saber se, de fato, a multinacional estaria utilizando a Azenglever Agropecuária
Ltda. (cujo capital social é de dois ex-executivos da Stora).

A empresa passou a figurar como dona da terra depois que a Derflin Agropecuária Ltda., pertencente à Stora Enso, não pôde legalizar a compra da propriedade por ser de capital estrangeiro. A multinacional nega por meio da assessoria de imprensa ter sido notificada pela PF e diz que parte dos documentos das terras foi encaminhada para o Incra do Rio Grande do Sul, que repassou a papelada para Brasília. Caso semelhante acontece em Mato Grosso do Sul, onde ficam 46 propriedades do sul-coreano Sun Myung Moon, o Reverendo Moon. Entre elas, as fazendas Jamaica e New Hope, todas em nome da Associação das Famílias pela Paz Mundial. Cada uma tem, em média, entre 2,5 mil hectares e 3,5 mil hectares. Quatro foram consideradas improdutivas e desapropriadas pelo Incra.

Projetos como o do Eliasch são os que mais preocupam ONGs como a WWFBrasil. Segundo Cláudio Maretti, superintendente de conservação de programas regionais da organização, mesmo que a intenção seja boa – a de preservar a floresta –, há riscos. Essas iniciativas, diz, servem para alimentar um mercado ilegal, já que 75% das terras da Amazônia são públicas e chegam às mãos da iniciativa privada por meio de grilagem. Tasso de Azevedo, chefe do Serviço Florestal Brasileiro, ligado ao Ministério do Meio Ambiente, compartilha da opinião de Maretti: “Isso é um jeito de mexer com
a boa-fé das pessoas, que acham que ajudam a preservar a floresta.

Há outras formas de apoiar, como o programa Áreas Protegidas da Amazônia, no qual é possível financiar a conservação e o manejo das unidades de conservação”. O fato é que a compra de florestas acontece, apesar das incertezas. “Tenho áreas no Norte do País à venda e o que eu faço é indicar a contratação de uma consultoria jurídica”, explica Joel Antonio Dezorzi, sócio da Ruralbras, que trabalha com a comercialização de terrenos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Enquanto as opiniões se dividem de forma clara quanto à compra de terras para a agricultura ou para a preservação de florestas, por ora os investimentos estrangeiros em imóveis urbanos parecem não ser motivo de uma celeuma da mesma proporção. Ao menos é a opinião de Waldemir Bezerra, presidente do Sindicato dos Corretores de Imóveis do Rio Grande do Norte. Com 32 anos de mercado imobiliário, ele acaba de investir na ampliação do escritório na praia de Ponta Negra, em Natal, para atender melhor aos estrangeiros, com secretárias que falam quatro idiomas. Ele conta que nos últimos cinco anos as terras no estado tiveram uma valorização média de 1.000%.

No estado não se compra um flat por menos de 50 mil euros. Um chalé de cerca de 250 metros quadrados chega a custar 700 mil euros. Os principais interessados são os espanhóis, seguidos pelos portugueses, ingleses, franceses e holandeses. “Dinheiro é sempre bem-vindo, ele movimenta toda a
economia”, garante Bezerra. Por outro lado, há os que escolham as belas praias para lavagem de dinheiro. No ano passado, a polícia prendeu uma quadrilha européia que investiu em imóveis para lavar dinheiro de tráfico e prostituição. A euforia de turistas estrangeiros, é bom lembrar, ainda que irrigue a economia, tem o lado perverso, como a sobrecarga dos serviços públicos, normalmente deficitários. Não são poucos os casos no litoral nordestino de investidores internacionais que simplesmente fecham trechos de praia sem se importar com a comunidade do entorno. Como diz Bezerra, dinheiro é bem-vindo, no turismo ou no campo, mas desde que as regras
sejam obedecidas.

Mariana Duque

Comunicação MST

Escritório Nacional do MST- RJ

Tels: 2533.6556/9736.3678

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