A opção pelo decrescimento

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Para combater o capitalismo no Sul é necessário conseguir um decrescimento no Norte, segundo o professor emérito da Universidade de Paris Sul XI, Serge Latouche, investigador e divulgador desse sistema, que define como práticas alternativas à destruição do meio ambiente e ao aumento da pobreza

O economista francês propõe abandonar “o objetivo do crescimento pelo crescimento, uma meta demente com consequências desastrosas para o meio ambiente”, ressalta.

A entrevista é de Claudia Ciobanu, da IPS e publicada pela Agência Envolverde, 05-08-2009.

O professor explica que a necessidade de criar uma sociedade do “decrescimento” deriva da certeza de que os recursos da Terra e os ciclos naturais não podem sustentar o crescimento econômico, a própria essência do capitalismo e da modernidade. Em lugar do sistema dominante atual, Latouche propõe “uma sociedade com uma sobriedade assumida, trabalhar menos, ter vida melhor, consumir menos e com melhor qualidade, produzir menos lixo e reciclar mais”. A nova sociedade significa “recuperar o sendo do comedimento e da pegada sustentável do ponto de vista ecológico e encontrar a felicidade na convivência com os demais e não no acúmulo desesperado de aparelhos”, segundo Latouche.

Autor de várias obras e artigos sobre a racionalidade ocidental, o mito do progresso, o colonialismo e o pós-desenvolvimento, Serge Latouche descreve os principais princípios da sociedade do decrescimento em seus livros “Le Pari de la décorissance” (A aposta pelo decrescimento) e “Petit traité de la décroissance sereine” (Pequeno tratado do decrescimento sereno), publicados, respectivamente, em 2006 e 2007.

Serge Latouche explicou à IPS do que se trata a sociedade do decrescimento.

Eis a entrevista.

Quais características tem uma sociedade do decrescimento: existem práticas atualmente compatíveis com sua proposta?

Decrescimento não significa crescimento negativo. Crescimento negativo é uma expressão contraditória que só revela o domínio que a idéia de crescimento exerce no imaginário coletivo. Por outro lado, o decrescimento não é uma alternativa ao crescimento, mas uma matriz de alternativas que permitirão reabrir o espaço à criatividade humana, uma vez eliminado o gesso do totalitarismo econômico.

A sociedade do decrescimento não será a mesma no Texas e no Estado mexicano de Chiapas nem no Senegal ou em Portugal. O decrescimento voltará a lançar a aventura humana para uma pluralidade de destinos possíveis. Pode-se encontrar os princípios do decrescimento em propostas teóricas e iniciativas desenvolvidas no Norte e no Sul.

Por exemplo, a tentativa dos neo-zapatistas de Chiapas de criar uma região autônoma. Também há experiências na América do Sul, com indígenas, entre outras, como ocorrido no Equador, onde foi incorporado à Constituição o objetivo do Sumak Kausay (Bem viver). No Norte também começam a se propagar iniciativas que promovem o decrescimento e a solidariedade.

As AMAP (Associações para a Manutenção de uma Agricultura Camponesa, entre grupos consumidores e fazendas locais a fim de se abastecerem) são exemplos de autoprodução como o Pades (Programa de Autoprodução e Desenvolvimento Social, que implica assumir todas as atividades de produção de bens e serviços, para si e para a comunidade, sem contrapartida monetária).

O movimento de Cidades em Transição começou na Irlanda e sua propagação para o resto do mundo pode ser uma forma de produção de baixo para cima, que se assemelha muito à sociedade do decrescimento. As localidades procuram primeiro conseguir a auto-suficiência energética devido ao esgotamento de recursos e, em geral, promovem a busca da resiliência (a capacidade de adaptar-se às mudanças do meio ambiente).

Qual seria o papel dos mercados em uma sociedade de decrescimento

O sistema capitalista é uma economia de mercado, mas estes não são instituições exclusivas do capitalismo. É importante fazer a distinção entre o Mercado e os mercados. Estes últimos não seguem uma lei de competição perfeita e isso é para melhor. Sempre incorporam elementos da cultura do don, que a sociedade do decrescimento trata de redescobrir. Implica viver em comunidade com outros, desenvolver relações humanas entre compradores e vendedores.

Quais estratégias o Sul pode desenvolver para eliminar a pobreza, sem fazer o que fez o Norte, prejudicando o meio ambiente e empobrecendo o Sul?

Nos países africanos não é necessário nem desejável reduzir a estigma ecológica nem o produto interno bruto. Mas nem por isso se deve concluir que é preciso construir uma sociedade do decrescimento. Primeiro, é claro que o decrescimento no Norte é uma condição necessária para poder abrir alternativas no Sul. Enquanto Etiópia e Somália forem obrigadas a exportar alimentos para nossos animais domésticos em plena escassez e enquanto engordarmos nosso gado com soja cultivada graças à destruição da selva amazônica, estaremos asfixiando toda tentativa de autonomia real do Sul.

Animar-se para o decrescimento no Sul significa iniciar um círculo virtuoso que implica romper a dependência econômica e cultural com o Norte, reconectar uma linha histórica interrompida pela colonização, reintroduzir produtos específicos que foram abandonados ou esquecidos, bem como valores “antieconômicos” relacionados com o passado dessas nações, e recuperar técnicas e conhecimentos tradicionais. Essas iniciativas devem combinar-se com outros princípios, válidos em todo o mundo, como reconceitualizar o que entendemos por pobreza, escassez e desenvolvimento. Por exemplo, reestruturar a sociedade e a economia, restabelecer práticas não industriais, em especial agrícolas, e redistribuir, relocalizar, reutilizar e reciclar.

A sociedade do decrescimento implica uma mudança radical na consciência humana. Como conseguir isso? Pode ocorrer a qualquer momento?

É difícil romper com o vício do crescimento, em especial porque é o que interessa às corporações multinacionais e aos poderes políticos que as servem, para nos manter escravizados. As experiencias alternativas e os grupos dissidentes, como cooperativas, sindicatos, associações para preservar a agricultura camponesa, algumas organizações não-governamentais, sistemas de permuta local, redes de intercâmbio de conhecimento, são laboratório pedagógicos para a criação do “novo ser humano” que a sociedade requer.

São universidades populares que promovem a resistência e contribuem para descolonizar o imaginário. Certamente, não temos muito tempo, mas o curso dos acontecimentos pode contribuir para acelerar a transformação. A crise ecológica, junto com a econômica e financeira, pode servir de choque saudável.

Os atores políticos convencionais podem desempenhar algum papel na transformação?

Todos os governos, queriam ou não, são funcionários do capitalismo. No melhor dos casos, podem, no máximo, reduzir ou suavizar processos sobre os quais já não têm nenhum controle. Para nós é mais importante o processo de autotransformação da sociedade e dos cidadãos do que a política eleitoral. Embora os últimos êxitos relativos obtidos nesse campo por ecologistas franceses e belgas, que adotaram alguns pontos da agenda do decrescimento, pareçam um sinal positivo.

Instituto Humanista Unisinos, Internet, 6-8-09

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