Movimentos populares na AL: fortalecimento e criminalização

Por ADITAL
Idioma Portugués

Nos últimos anos, os movimentos sociais na América Latina cresceram e se fortaleceram. No entanto, ao mesmo tempo, enfrentaram - continuam enfrentar - uma forte criminalização, estratégia, de acordo com o sociólogo Pedro Oliveira, utilizada por aqueles que veem seus privilégios ameaçados.

Prova disso é o que aconteceu recentemente no Brasil, onde o Congresso Nacional aprovou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Por outro lado, episódios em como a reeleição de Evo Morales na Bolívia e a resistência dos hondurenhos ao Golpe de Estado mostraram que os movimentos populares na América Latina começam a ganhar força e a servir de exemplo para as organizações sociais de outros países na região.

Essas são algumas questões destacadas pelo sociólogo e consultor do Instituto de Estudos da Religião (Iser), Pedro Ribeiro de Oliveira em entrevista à ADITAL. Na ocasião, Pedro Oliveira também avalia a participação popular em países que apresentam presidentes ditos de esquerda, como Venezuela, Equador e Paraguai.

Adital - Em toda América Latina, com pouquíssimas exceções, há uma criminalização muito forte contra os movimentos sociais que se intensificou nos últimos anos. A que se deve essa reação muitas vezes orquestrada pelos próprios interesses dos Estados e a mídia?

Pedro Oliveira - Antes de qualquer coisa, precisamos deixar claro que entendemos por "movimentos sociais" as manifestações públicas de uma vontade coletiva. Eles podem ser bem específicos e se esgotarem quando alcançam seu objetivo (p.ex. o "fora Collor") ou quando são derrotados (p. ex. as "diretas já"), mas também podem ter um programa de ação social com objetivos tão amplos que precisam apoiar-se numa organização permanente (p. ex. as lutas pelos direitos humanos, pela reforma agrária e pelos direitos dos povos indígenas). É sobre estes que recai a acusação de atentar contra a ordem pública, como se quem se unisse para defender os direitos dos excluídos e realizar reformas estruturais na sociedade fosse anti-social. Em outras palavras, a criminalização dos movimentos sociais é uma estratégia de quem não quer perder privilégios.

Recentemente, no Brasil, tivemos aprovada uma CPI que se volta contra um dos movimentos mais expressivos da América Latina, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). O que significa isso em termos de perdas ou fortalecimento para as forças populares e dentro do Governo Lula?

É só ver os nomes dos parlamentares que pediram essa CPI! É a bancada ruralista velha de guerra, que se constituiu logo depois do fim da ditadura militar para impedir que a Constituição de 1988 favorecesse a Reforma Agrária. Ela está hoje mais forte do que antes, porque conseguiu dobrar o governo Lula: ameaçando derrubar no Congresso seus projetos de política social, ela o obrigou a se submeter aos interesses do agronegócio. Para o governo Lula e para a sociedade brasileira a vitória da bancada ruralista é uma perda, porque sem Reforma Agrária não há Democracia. Mas o MST e as forças populares já conhecem bem essa estratégia ruralista e antidemocrática, que só pediu a CPI para fazer barulho e impedir que o governo atualize os índices de produtividade rural.

O Golpe de Estado, instalado em Honduras em junho deste ano, trouxe à tona o poder de mobilização de movimentos, organizações e entidades hondurenhas de toda espécie. O senhor acredita que essa resistência estava sendo esperada?

Conheço pouco a realidade de Honduras e por isso não sei dizer se ela já era esperada. Para mim foi uma grata surpresa perceber aquela reação popular. Mas devo dizer também que, como cristão, fiquei decepcionado com a posição assumida pelas autoridades eclesiásticas. Em outros tempos, elas estariam emprestando sua voz à voz do povo que clamava por democracia. Grata surpresa, para mim, foi a posição do governo Lula, ao bancar a presença e a atividade política de Zelaya na embaixada brasileira e não ceder às pressões do governo estadunidense, que continua tratando a América Latina e Caribe como se fosse seu quintal.

Indo para a Bolívia, mais uma vez Evo Morales foi eleito presidente. Até que ponto o senhor acha que isso reverbera no empoderamento dos movimentos populares?

Mais importante do que a eleição de Evo Morales foi a demonstração de força de vontade dos povos indígenas. O processo eleitoral na Bolívia tem particularidades que o diferem do nosso, pois é bem menos dependente dos partidos políticos. Por isso entendo que a eleição de Evo Morales foi uma demonstração de que as diversas nações que formam o povo boliviano estão a construir um projeto realmente novo de sociedade.

Isso é claramente um passo da maior relevância para o empoderamento dos movimentos populares de todo o Continente, pois a Bolívia, que até pouco tempo atrás era considerada um "país inviável", está nos dizendo que, se outra Bolívia é possível, outro mundo é possível. Só podemos agradecer ao povo boliviano esse bom exemplo!

Hugo Chávez saiu vitorioso de diversas situações - eleições, referendos... - Como o senhor avalia o poder de mobilização popular na Venezuela?

É muito complicado criar estruturas de mobilização política popular a partir da Presidência da República! Chávez tem um projeto de democracia popular, sem dúvida, mas a Venezuela não tem, como há no Brasil, bases populares efetivamente organizadas.Teve, no passado, um Partido Comunista forte, mas nunca teve movimentos sociais autônomos. Nem mesmo a Igreja católica, que noutros países é um fator de conscientização e organização popular, ajuda a democratizar o país. Assim, Chávez vai fazendo a revolução bolivariana com muitos tropeços. Para mim, o governo Chávez pode ser resumido na frase "um governo cheio de erros, mas na direção certa".

Equador, Bolívia, Venezuela, Paraguai...essa reconfiguração de países ditos de esquerdas ou progressistas oferece, de fato, espaços mais amplos para participação popular?

É claro que sim! Não são países de esquerda, mas países com presidentes de esquerda. Por vezes, nem mesmo o governo é de esquerda, como no Paraguai - onde o vice-presidente quer derrubar Lugo e assumir o governo... A diferença desses presidentes em relação a Lula, por exemplo, é que eles optaram pelo apoio dos setores populares e dos movimentos sociais, para enfrentarem as antigas e novas oligarquias. Se essa estratégia vai dar certo ou não, o futuro dirá. Mas com certeza é uma experiência histórica muito rica e original de governos do povo e para o povo, e não simulacros de democracia formal, como apreciam os conservadores.

Ante a atuação ferrenha de interesses cada vez mais transnacionais, qual o papel dessa sociedade civil organizada frente a assuntos de grandes dimensões como os Tratados de Livre Comércio ou mesmo como a crise ambiental ou financeira? Qual o legado desses movimentos?

Legado, não! Legado faz quem já morreu, e os movimentos sociais estão bem vivos e atuantes. De fato, a Conferência de Copenhague mostra que os interesses do sistema financeiro e das grandes empresas continuam dominando o mundo e que os governantes por eles indicados não vão mudar de rota: caminhamos para a grande catástrofe ecológica. Diante disso, nossa esperança reside na força dos movimentos sociais em escala planetária. Daí a relevância do trabalho de conscientização, como dizia o mestre Paulo Freire: na medida em que aumentar nossa consciência de que somos parte da grande comunidade de vida do Planeta, e nos organizarmos para substituir o produtivismo-consumismo por um modo de produção e consumo solidário, ecológico e democrático, viveremos muito melhor. Esta é minha mensagem de esperança, neste natal.

Fuente: Adital

Temas: Defensa de los derechos de los pueblos y comunidades

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