“Não aceitamos a mineração em nossos territórios, em nenhuma hipótese”, reafirma povo Mura em encontro de resistência

O VIII Encontro Geral do Povo Mura da Resistência reuniu mais de 400 participantes, entre indígenas e apoiadores da causa; mais de 3 mil pessoas acompanham o evento de forma virtual.

“O povo Mura está vivo, organizado e seguirá lutando pela vida, pela terra e pela justiça. Demarcação já. Sem negociação. Sem mineração”, afirmaram as lideranças Mura reunidas no VIII Encontro Geral do Povo Mura da Resistência, realizado na comunidade Lago Soares, município de Autazes, nos dias 29 a 30 de maio deste ano.

Com mais de 400 participantes entre indígenas, organizações indigenistas e apoiadores, o evento lançou mais um alerta sobre as crescentes ameaças aos territórios indígenas e denunciou a omissão do Estado brasileiro diante da falta de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas. De forma virtual, mais de 3 mil pessoas acompanharam o evento.

“O povo Mura está vivo, organizado e seguirá lutando pela vida, pela terra e pela justiça”

Participaram indígenas do povo Mura dos municípios de Autazes, Careiro da Várzea, Rio Preto da Eva, Manaus, Manaquiri, Careiro Castanho, Borba, Nova Olinda do Norte, Beruri, Silves, Itacoatiara e Maués, todos no Amazonas.

Em apoio a resistência Mura, os povos Macuxi, Munduruku, Yepamahsã, Baré, Timbira, Sateré Maué, Kaxinawá, Miranha, Apurinã, Kokama, Tukano e Baniwa, dos estados do Amazonas, Pará e Rondônia, enviaram representantes. Assim como, onze organizações indígenas locais, regionais e nacional, entre elas a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e três organizações indigenistas. Representantes da  Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) foram convidados para “prestar informações e esclarecimentos sobre as pautas debatidas no encontro e reafirmar sua missão institucional de proteger e defender os direitos indígenas”.

“Demarcação já. Sem negociação. Sem mineração”

Desde 2009, a empresa Potássio do Brasil, vem se instalando em Autazes (AM) para extração de silvinita (mineral de onde se extrai o potássio) no território do povo Mura. Iniciou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apenas em 2013 e, desde então, vem cometendo diversas irregularidades para obter o licenciamento. Doze anos depois, o EIA apresenta lacunas e inconsistências. Não foi feito o componente indígena em seus procedimentos para obter licenciamento, pois desconsidera o Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Careiro da Várzea (AM), “Trincheiras: Yandê Peara Mura”, elaborado em 2019 e que legitima a Consulta Previa, Livre e Informada exigida para qualquer empreendimento que afete a vida indígena.

O encontro, para os Mura, foi um momento de traçar estratégias para resistir aos ataques e violências que vêm sofrendo em seus territórios. E a união de todos presentes se tornou um forte escudo contra os ataques. Entre os principais pontos debatidos estão a paralisação histórica na demarcação das terras Mura, a tentativa de avanço da mineradora Potássio do Brasil sem consulta prévia às aldeias, e a falta de segurança para lideranças ameaçadas por sua atuação em defesa dos territórios.

“Desde 2009, a empresa Potássio do Brasil, vem se instalando em Autazes (AM) para extração de silvinita no território do povo Mura”

Em  carta aberta produzida no encontro, os Mura reafirmaram sua posição frente ao empreendimento e suas reivindicações ao Estado brasileiro.

“Reafirmamos que não aceitamos a mineração em nossos territórios, em nenhuma hipótese; que a demarcação de nossas terras é um direito constitucional e não será negociado; que resistiremos a todas as tentativas de invasão e destruição dos nossos modos de vida; que não recuaremos frente às ofensivas do agronegócio, das mineradoras, nem de governos omissos ou cúmplices; que somos um povo vivo, organizado e disposto a lutar por nossos direitos; que a autodemarcação é uma alternativa legítima frente à inércia do Estado”, declara trecho da Carta, comentando também que articularão sua participação presencial na COP30, em Belém, para denunciar as violações sofridas e reafirmar a luta pela proteção de seus territórios e modos de vida, a proteção das lideranças ameaçadas e o respeito à Constituição.

“Reafirmamos que não aceitamos a mineração em nossos territórios, em nenhuma hipótese”

Registro do VIII Encontro Geral do Povo Mura da Resistência. Foto: Rede de Comunicadores Indígenas Mura (REDIM)

Um ponto polêmico analisado foi a denúncia de atuação de lideranças indígenas por interesses externos aos interesses do povo Mura, uma clara estratégia de cooptação das lideranças por parte da empresa. Essa situação já havia sido  denunciada pelos Mura, que resistem ao projeto, e pelo MPF, que levou à Justiça Federal do Amazonas, o pedido de apreciação com urgência sobre o cenário de violações de direitos humanos enfrentado pelos Mura.

Em meio ao processo de licenciamento para a extração minerária, parte dos indígenas Mura aceitaram o empreendimento e  realizaram consulta a algumas lideranças que, de acordo com a Juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, da 1ª Vara Federal do Amazonas, “sofreu influências”, levando-a a suspender todas as licenças do empreendimento.

“Determino a imediata suspensão de qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação contra indígenas Mura”

“Determino a imediata suspensão de qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação contra indígenas Mura, praticadas pela empresa requerida ou por quem quer que haja em seu mando. Fixo desde já multa de cem mil reais por cada dia de descumprimento da presente decisão, a contar da intimação da presente decisão”, sentencia a juíza.

De acordo com publicação do  site Estado Político, a “decisão teve como base o agravamento das irregularidades, a partir de uma série de violações, falsas promessas, ameaças e cooptações dos povos indígenas, inclusive de lideranças Mura, servidores e gestores públicos por prepostos e pelo próprio presidente da empresa Potássio do Brasil”.

“Decisão teve como base o agravamento das irregularidades, a partir de uma série de violações, falsas promessas, ameaças e cooptações dos povos indígenas”

Registro do VIII Encontro Geral do Povo Mura da Resistência. Foto: Rede de Comunicadores Indígenas Mura (REDIM)

Meses depois, a decisão foi revertida pelo desembargador Marcos Augusto de Sousa, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), e em janeiro desse ano, a Potássio do Brasil e o Conselho Indígena Mura (CIM) firmaram  Acordo Preliminar de Cooperação.

No entanto, grande parte dos indígenas Mura não estão representados nesse acordo, diz Gabriel Mura, tuxaua da aldeia Lago do Soares, a mais impactada pelo empreendimento, em  entrevista à Revista Cenarium“Quando eles falam que representam o povo Mura, nós não estamos incluídos. Eles defendem causas que, ao nosso ver, não são favoráveis à vida dos povos indígenas. O povo Mura de Soares não é favorável ao projeto Potássio e nem sequer foi consultado como deveria ser feito de acordo com nosso protocolo de consulta”, afirmou.

“Quando eles falam que representam o povo Mura, nós não estamos incluídos”

Na contramão das denúncias e desconsiderando todos os indígenas e suas organizações representativas, o TRF-1 valida as licenças ambientais concedidas pelo Instituto de Proteção Ambiental da Amazônia (IPAAM), o que está incorreto por se tratar de território federal, e considera regular o processo de consulta realizado com apenas uma parte dos indígenas Mura. Questões que a Juiza Fraxe já havia desconsiderado e punido por evidências de interferência parcial por parte da empresa.

O empreendimento está aprovado desde o dia 6 de maio com todas as suas irregularidades e sob a  resistência dos demais Mura, que se sentem lesados no direito de serem consultados e desrespeitados nos processos legítimos do protocolo “Trincheiras: Yandê Peara Mura”.

Vozes que se encontram

Jovens, adultos, idosos, crianças, homens e mulheres Mura celebraram o encontro apresentando seus desejos, sentimentos, conquistas, anseios e desafios diante das ameaças às suas vidas e território. Foram unânimes em dizer que resistirão enquanto existirem, não só pelo presente, mas especialmente pelas crianças e futuras gerações.

O pajé da aldeia Murutinga/Tracajá, Paulo Mura, de 89 anos, comenta que resistir é um dever. “Temos essa luta aqui, não é só lá [na nossa aldeia], como aqui [na aldeia Soares]. Porque isso aí [a exploração de Potássio] nós temos que resolver mesmo, porque a terra é nossa, nós precisamos dela. Tem muitas crianças pequenas e o que pode acontecer, né? Fica até difícil pra nós. Gostei de estar aqui com os parentes pra compartilhar porque isso é dever nosso”, disse o pajé se referindo à resistência e o retorno para a aldeia com informações e as preocupações dos demais parentes Mura.

“Temos essa luta, não é só lá na nossa aldeia ou aqui, é contra a exploração de Potássio, e nós temos que resolver”

Maria Lucia Braga Mura, tuxaua da aldeia Murutinga/Tracajá afirma que a causa é de todos, tanto Mura como outros povos, que estão unidos contra a destruição que a mineração é para os indígenas. “Nós estamos aqui de mãos dadas, não é só brigando por causa da nossa terra, mas por causa de todos os nossos parentes Mura e as outras etnias que estão precisando do nosso apoio, e dando apoio também para nós. Hoje temos organizações indígenas para nos defender dessa grande mineração que vai matar nossos peixes, vai derrubar nossas aves, vai tirar nós da nossa terra”, afirmou a tuxaua. “A empresa Potássio do Brasil queria comprar nós com 25 mil, mas nós, os Muras não nos vendemos”, assegurou.

A exploração mineral no território do povo ameaça gravemente o meio ambiente e a cultura Mura. O projeto de extração de potássio, embora justificado por interesses econômicos, ignora os riscos que advém de desmatamento, poluição dos rios e contaminação do solo, afetando diretamente a fauna, a flora e os modos de vida tradicionais mantidos há gerações pelos indígenas. A maior preocupação dos indígenas é serem apagados da história e ter seus modos de vida destruídos por uma mineradora.

“A empresa Potássio do Brasil queria comprar nós com 25 mil, mas nós, os Muras não nos vendemos”

Registro do VIII Encontro Geral do Povo Mura da Resistência. Foto: Rede de Comunicadores Indígenas Mura (REDIM)

Raniele Mura, comunicadora Mura da comunidade Murutinga/Tracajá, aponta preocupação com a poluição generalizada que a mineradora vai causar e a carestia de alimentos que virá, até mesmo para aqueles que formam a base de sustentação do povo.

“A mineração vai nos prejudicar, vai contaminar nossos rios, nosso ar, a natureza, e não vai ter mais peixe pra gente comer. De onde a gente vai tomar água se isso acontecer? [Como vamos respirar se] vai contaminar o ar? Nossas crianças não vão poder brincar no rio, porque vai estar tudo poluído. E daqui há 30 anos, como vai ser? O que a gente vai ganhar com isso? Só fome. A gente tem que se prevenir, lutar e mostrar que somos fortes, que somos resistência”, questiona a jovem.

“A mineração vai nos prejudicar, vai contaminar nossos rios, nosso ar, a natureza, e não vai ter mais peixe pra gente comer”

Com todas as preocupações apresentadas pelos Mura, a assessora jurídica da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Auzenira Macuxi, questiona a empresa Potássio do Brasil que chegou e almeja se instalar no território Mura, em Autazes, sem respeitar os moradores da região que ali vivem secularmente e impactando a população Mura e toda a região do baixo rio Madeira. A advogada compara o empreendimento com outras mineradoras que destruíram ambientes em outras localidades do Brasil.

“A [empresa] Potássio [do Brasil] encontra-se hoje, desde 2016 e antes [2009], intimidando e trazendo várias fragmentações para o povo indígena que aqui se encontra. Quem são essas pessoas que de repente querem sobrepor os territórios indígenas e já se apossar das terras tradicionalmente ocupadas? São grandes empreendedoras, irmãs gêmeas de outras mineradoras que destruíram outros territórios sagrados em outros locais. Por isso mesmo o povo indígena Mura da resistência continua se colocando à frente de toda essa luta e resistindo em face de todas essas intimidações”, afirma a advogada Macuxi.

“A Potássio encontra-se até hoje intimidando e trazendo várias fragmentações para o povo indígena”

Assim como a Coiab, outras organizações indígenas do Amazonas, como a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a Coordenação de Povos Indígenas de Manaus e Entornos (Copime), a Associação dos Povos Indígenas do rio Aneba (Apira) e a Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), manifestaram seu compromisso na luta do povo Mura em defesa do seu território. A Apib, também esteve presente e assumiu a resistência Mura.

Para o tuxaua da comunidade Lago do Soares, em Autazes, Filipe Gabriel Mura, a união das aldeias Mura e organizações indígenas que realmente representam o povo Mura, junto com o apoio das outras organizações que marcaram presença no encontro, fortalece o povo e a resistência.

“O encontro vem fortalecer o povo, essas pessoas virem para a nossa aldeia fortalece os Mura de Soares pra defender o território”

“[O encontro] vem fortalecer o povo, essas pessoas virem [para a nossa aldeia] fortalece os Mura de Soares pra defender o território. A nossa demanda é permanecer dizendo que queremos a demarcação do nosso território. E dizer que Soares é terra indígena e que tem um povo indígena aqui”, afirma o Tuxaua.

As organizações do povo Mura (Organização das Mulheres Mura – OMIM; Organização de Lideranças Indígenas do Careiro da Várzea – OLIMCV; Organização Indígena da Resistência Mura de Autazes – OIRMA; Organização de professores indígenas Mura – OPIM; Organização de professores indígenas Mura – OLPIMA) representaram parte da população Mura de Autazes e Careiro da Várzea que resistem à exploração de potássio em seus territórios.

“A nossa demanda é permanecer dizendo que queremos a demarcação do nosso território”

Registro do VIII Encontro Geral do Povo Mura da Resistência. Foto: Rede de Comunicadores Indígenas Mura (REDIM)

O movimento indígena exige providências imediatas do Ministério Público Federal (MPF), da Funai e do Governo Federal. Exigem ações efetivas para garantir a demarcação dos territórios. Todas as lideranças das aldeias e organizações representadas denunciaram a histórica negligência na demarcação de suas terras, a falta de consulta prévia sobre empreendimento minerários, a ausência de representatividade política e a vulnerabilidade de suas lideranças. Reafirmaram sua total rejeição à mineração, a defesa inegociável de seus direitos constitucionais e o compromisso de resistência ativa.

O povo Mura se posiciona firmemente contra a tentativa de invasão de seu território por uma empresa de mineração na região amazônica. Para eles, a floresta não é apenas moradia, é vida, ancestralidade e futuro. Na nota, as lideranças afirmam que não aceitarão negociações que coloquem em risco sua terra e seu modo de viver, dizendo “nossa terra não está à venda”. A comunidade reforça que continuará resistindo de forma pacífica, mas determinada, e destaca que proteger o território indígena é também preservar o equilíbrio ambiental para as próximas gerações.

“Não aceitamos negociações que coloquem em risco nossa terra e nosso modo de viver. Nossa terra não está à venda”

O VII Encontro Geral do Povo Mura da Resistência antecedeu a  mobilização nacional dos povos indígenas que tem como objetivo denunciar o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 717/2024 e Projeto de Lei (PL) 2159/2021, que flexibiliza as regras para o licenciamento ambiental no país, o PL da Devastação, também foi alvo de protesto pelos indígenas. Além de reafirmar a inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, chamada de Lei do Marco Temporal, e da Câmara de Conciliação proposta pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que tem travado as demarcações das terras indígenas.

As manifestações convocadas pela Apib mobilizaram os povos de ao menos treze estados brasileiros.

Fonte:  Conselho Indigenista Missionário - CIMI

Temas: Pueblos indígenas, Tierra, territorio y bienes comunes

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