Forum Social Mundial: um outro mundo é possível e necessário

Forças políticas e sociais devem se comprometer com novos valores

A maioria dos cosmólogos acredita que o Universo começou há 10 ou 20 bilhões de anos. O homo sapiens sapiens (o homem que sabe que sabe) surgiu há aproximadamente 50 mil anos. Mas nunca vivemos momentos tão interessantes, perigosos e decisivos para a humanidade. O ritmo da evolução está se acelerando em velocidade crescente e jamais vista. Se considerarmos os fatos científicos conhecidos no ano 1 d.C. como representando uma unidade de conhecimento tecnológico coletivo adquirido ao longo dos 50 mil anos anteriores, em 1500 d.C. a humanidade chegou a duplicar seu conhecimento, em 1750 duplicou novamente e em 1900 se tornou oito vezes maior. Estima-se que o conhecimento tecnológico está se multiplicando hoje a cada 18 meses. Há 6 mil anos ou mais voltamos nossas mãos para a escrita, começando com a simples pictografia. Cerca de 2,5 mil anos mais tarde nascia a escrita alfabética. A imprensa foi inventada há 550 anos. O telégrafo foi desenvolvido no início do século 19, seguido 50 anos mais tarde pelo telefone. Surgiu 25 anos mais tarde a "telegrafia sem fio", seguida pelo toca-discos, televisão, gravador, fotocopiadora, computador e Internet. A velocidade das comunicações e a capacidade de processamentos foram extraordinariamente ampliadas e continuam se expandindo de forma cada vez mais acelerada.

Nosso rápido desenvolvimento trouxe consigo perigos inesperados. Há 10 mil anos a população mundial totalizava 10 milhões de pessoas. Por volta de 1000 d.C., éramos cerca de 340 milhões, em 1800, de 900 milhões, em 1950, de 2,5 bilhões, e atualmente somos mais de 6 bilhões. Mantendo a tendência atual, o número talvez se estabilize entre 10 e 12 bilhões. Nosso acelerado desenvolvimento tecnológico e o crescimento demográfico ampliaram de forma extraordinária as demandas de cada um de nós e da humanidade como um todo. Os recursos para essa demanda acelerada são extraídos do nosso planeta.

Os resultados são devastadores. Menos de 20% da Terra continua florestada. Cerca de 10 mil espécies de plantas e animais se extinguem a cada ano. Metade das 20 bilhões de toneladas do gás carbônico que liberamos a cada ano permanece no ar, provocando o "efeito estufa" que causa o aumento da temperatura do planeta. As conseqüências previstas para os próximos 50 anos são catastróficas. Países inteiros podem ser submergidos pela elevação do nível dos mares. Muitas florestas temperadas poderão desaparecer, regiões agrícolas poderão tornar-se áridas. A camada de ozônio, sem a qual a vida terrestre se tornaria impossível, está sendo destruída pelos gases de CFC liberado por aerossóis, refrigeradores, aparelhos de ar condicionado e por algumas embalagens de alimentos. O nosso lixo químico enterrado no subsolo está se infiltrando em nossos cursos de abastecimento de água. As práticas da agricultura intensiva transformam o solo numa poeira estéril. Às taxas atuais de perda de solo, de 26 bilhões de tonelada por ano, não restará nada em cem anos.

Estudo divulgado pela organização não-governamental WWF (Fundo Mundial para a Natureza) com a participação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) mostra que o uso de recursos naturais pelo homem já excedeu em 42,5% a capacidade de renovação da biosfera. As florestas estão se esgotando e os estoques de peixe estão em colapso. Por exemplo, entre 1970 e 1999, 194 espécies de água doce sofreram um declínio de 50% em suas populações. Espécies marinhas já teriam observado um declínio de 35% no mesmo período. Em 20 anos, metade da população mundial se defrontará com problemas de falta de água. Tudo isso sem falar dos gigantescos arsenais de armas nucleares que a qualquer momento podem aniquilar a vida no planeta. O aumento do fosso entre ricos e pobres e a miséria de bilhões de seres humanos estão tensionando de tal maneira o tecido social, aumentando a violência e a instabilidade social, que crescem cada vez mais as chances de um conflito de grandes proporções.

É nesse contexto que se realiza em Porto Alegre o primeiro Fórum Social Mundial, com a presença de milhares de políticos, intelectuais, sindicalistas, empresários, agricultores, acadêmicos, artistas e dirigentes de movimentos sociais e de defesa dos direitos humanos, representando aproximadamente mil organizações de mais de 120 países. Nos 16 grandes painéis, 12 testemunhos, cinco eventos culturais e mais de 400 oficinas de trabalho, os participantes, através de suas reflexões, análises, críticas, mas também na apresentação de inúmeras propostas e casos concretos, estarão procurando mostrar que um outro mundo é possível.

Nunca antes essa tarefa foi tão urgente e vital. As propostas e os caminhos apresentados apenas terão oportunidade de prosperar se houver uma nova tomada de consciência, diferente daquela que levou o mundo ao atual estágio, e que ainda permanece nas mentes irresponsavelmente adormecidas daqueles que advogam, comungam, aceitam, toleram e colaboram para que a humanidade caminhe cada vez mais rapidamente para a catástrofe final. Albert Einstein já disse que "nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou".
A única chance de salvar a humanidade é imprimir ao desenvolvimento de uma articulação de forças políticas e sociais uma nova visão do mundo, comprometida e fiel a novos valores,com a mesma velocidade que imprimimos ao nosso desenvolvimento tecnológico. Em nenhum outro momento nossa responsabilidade foi tão grande. Que Porto Alegre seja o início de uma nova caminhada: solidária, fraterna, sustentável, socialmente justa e responsável

Publicado en el Suplemento Cultura de Zero Hora

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