"As respostas às crises dos alimentos, do clima, energética e financeira não serão dadas pela via do mercado"

O fato de que a matriz energética mundial precisa ser reorientada de modo a conter o avanço das mudanças climáticas e a degradação do planeta já é amplamente aceito pela comunidade internacional.

Entretanto, é preciso ter cuidado ao se analisar as políticas que vêm sendo propostas para a promoção das chamadas tecnologias verdes ou renováveis. Seguindo a tendência dominante dos tempos atuais, estamos assistindo às grandes corporações do planeta abraçarem a causa para propor soluções que, além de beneficiarem apenas a elas próprias, poderão gerar novos e imensos problemas.

Como observa a Carta Política aprovada pelo Seminário sobre Proteção da Agrobiodiversidade e Direitos dos Agricultores (Curitiba, 26/08/09), “as respostas às crises dos alimentos, do clima, energética e financeira não serão dadas pela via do mercado, mas sim pela construção de um novo paradigma onde o uso racional dos recursos naturais passa a ter centralidade no futuro da civilização”.

Uma nota preparada por um grupo de ONGs que acompanhou a Sexta Conferência Anual da Biotecnologia e Bioprocessamento Industrial, em Montreal, em julho último, ilustra bem o que tem estado por trás deste debate:

Assalto à biomassa do planeta

As novas energias “verdes” da indústria biotecnológica nada mais são que propaganda. Os governos não deveriam aumentar os subsídios a estas empresas. A matéria prima em que se baseia esta indústria - chamada de “biomassa” em termos gerais - não é abundante e nem facilmente conversível em químicos, plásticos e combustíveis renováveis.

Segundo Jim Thomas, pesquisador do Grupo ETC, por trás do fino véu verde da “energia limpa” e dos “plásticos renováveis” há uma imensa disputa industrial das grandes empresas biotecnológicas para se apropriarem da maior quantidade possível da biomassa do planeta: “O controle que têm os gigantes genéticos sobre os menores componentes da vida, como o DNA, foi alcançado de forma muito mais rápida e sofisticada através do investimento de bilhões de dólares em novas tecnologias como a metagenômica e a biologia sintética. 25% da chamada biomassa mundial - de tido tipo, incluindo vegetais, florestas, resíduos e outras fontes de biomassa - já foram mercantilizados. Agora a indústria está atrás dos 75% restantes. A busca por maiores quantidades de celulose vegetal - o material orgânico mais abundante na terra - fará com que as reservas naturais e as chamadas “terras marginais” se tornem comercialmente mais valiosas do que nunca. Há três anos, muitas organizações não governamentais advertiram que a demanda pelo etanol de milho provocaria uma alta dos preços dos alimentos e fome. Tivemos razão. Agora lançamos o alerta de que esta especulação massiva sobre a biomassa terá consequências igualmente devastadoras para as pessoas - sobretudo nos países do Sul, porque é aí que estas companhias irão buscar matéria prima quando esta se acabar ou quando não puderem consegui-la em seus próprios países.”

Rachel Smolker, da ONG britânica Biofuelwacht, desafia as companhias de biotecnologia com uma pergunta fundamental: “Existe biomassa suficiente no mundo para todos os propósitos previstos? É evidente que não.” Para fundamentar sua afirmativa ela cita metas e números de uso de biomassa utilizados por governos e pela indústria: os Estados Unidos adotaram para o ano 2022 uma meta de produção anual de 36 bilhões de galões de biocombustíveis, argumentando que há trezentos milhões de toneladas de biomassa disponíveis. Mas segundo várias análises, para isto seria necessário arrasar 80% da biomassa disponível em terras agrícolas, bosques e pastagens! E esta é só uma das metas previstas. A força aérea estadunidense pretende substituir 25% de sua demanda de combustível por biocombustíveis, e a indústria aérea comercial está seguindo seus passos. A indústria química tem como meta substituir 10% de sua matéria prima por biomassa. Enquanto isso, a maior parte (70% dos subsídios) das políticas de apoio à energia renovável (principalmente para eletricidade e calefação) se traduzem em consumo simultâneo de biomassa com carbono e outras tecnologias de biomassa. A combinação destas metas é completamente insustentável, sobretudo no contexto da necessidade de alimentar uma população crescente, ecossistemas em declínio e degradação de terras e águas.

Eric Darier, diretor do Greenpeace em Quebeque, exorta os governos e investidores privados a não apostar cegamente no “trem da inovação”: “Precisamos apoiar e aplicar o princípio da precaução, reconhecido pela legislação internacional, e realizar avaliações rigorosas e independentes de todo o ciclo vital das tecnologias propostas antes de chamar qualquer tecnologia de ‘verde’”. Darier denuncia a falta de participação pública nos debates sobre biotecnologia e questiona a falta de apoio a perícias científicas independentes que verifiquem as afirmações da indústria. “A sociedade requer uma avaliação estratégica completa de cada tecnologia durante seu desenvolvimento. Se não a fizermos, teremos que arcar com as consequências décadas mais tarde, como estamos fazendo agora com os químicos tóxicos e os pesticidas”.

Nota à imprensa do Grupo ETC, Greenpeace Quebeque e Biofuelwatch, publicada durante a Sexta Conferência Anual da Biotecnologia e Bioprocessamento Industrial, em Montreal, em 22 de Julho de 2009.

Boletim por um Brasil Livre de Transgênicos

Temas: Crisis climática

Comentarios