Brasil: queda na taxa de desmatamento é boa notícia, mas ações do governo precisam de avaliação

Idioma Portugués
País Brasil

Confira o artigo assinado por André Lima, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS), do ISA, sobre os números divulgados pelo governo para o desmatamento no período entre 2005 e 2006

A possível queda da taxa de desmatamento na Amazônia brasileira pelo segundo ano consecutivo é uma boa notícia. Como já vem sendo dito por muitos, há uma reversão de tendência. Certamente as ações do governo têm correlação com reduções importantes no cálculo geral, ainda que localizadas, como, por exemplo, na área de influência da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163) ou no interior de algumas UCs, se comparado com o ritmo fora delas. Entretanto, se confirmada a projeção de 16,7 mil quilômetros quadrados desmatados no período entre 2005 e 2006, o acumulado de desmatamentos na gestão do presidente Lula (de 2002-2003 a 2005-2006) somará aproximadamente 86,5 mil quilômetros quadrados ou 12% superior ao total detectado no governo anterior.

As principais ações implementadas pelo Plano de Combate ao Desmatamento na Amazônia – notoriamente, a criação de UCs, operações policiais e a fiscalização – estão sendo importantes para reverter o quadro de aumento das taxas imediatamente anteriores (2001 a 2003), mas não têm se revelado suficientes para reduzir os índices a patamares menores que os do final da década de 1990. Ainda que se diga (com muita razão) que aspectos macro-econômicos precisam ser considerados e que sem algumas ações do plano a situação poderia ser muito pior, é absolutamente necessário que o governo e a sociedade brasileira reflitam sobre esses números e tirem conclusões para orientar os novos governos (federal e estaduais) que vêm por aí.

Seja no plano federal ou estadual, não se discutem metas objetivas de redução que, por mais arbitrárias que possam ser, permitiriam um planejamento e uma avaliação real de desempenho das ações do Estado. A questão que se coloca para a sociedade brasileira é a seguinte: qual é o patamar de desmatamento aceitável para a Amazônia?
Os aumentos nas taxas revelados em todos os Estados, exceto Mato Grosso e Rondônia, revelam que um Plano Nacional de Combate aos Desmatamentos deve necessariamente envolver um planejamento e uma forte articulação sub-regional com os órgãos estaduais e até mesmo municipais em alguns casos mais escandalosos, como em São Felix do Xingu (PA), o município recordista na derrubada de árvores pelo quinto ano consecutivo. Não basta uma ação federal.

Desde o início da execução do plano, as principais medidas vêm sendo realizadas pelo governo federal com baixo, se não nulo, envolvimento dos Estados.

Inexiste uma instância pública aberta à participação da sociedade que possa periodicamente monitorar a evolução das ações do plano, avaliar os resultados e apontar as correlações de causa e efeito com base em indicadores objetivos e informações qualificadas oferecidas pelos próprios órgãos públicos. Inexiste ambiente e momentos de avaliação, independente das ações de combate aos desmatamentos, com o objetivo de priorizar aquelas que demonstrem trazer resultados efetivos de curto prazo e fortalecer as de longo prazo. No final do ano passado, o governo ensaiou uma avaliação
( http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2170), mas por falta de informações previamente disponibilizadas às organizações convidadas, ela não aconteceu e nada mais foi dito a respeito.

Ainda no ano passado, durante Reunião Extraordinária do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), ocorrida em Cuiabá, no Mato Grosso, foi recomendado pelo ISA a criação de um grupo de trabalho para avaliação das ações do plano, que até agora não foi instituído. Embora haja redução significativa do ritmo do desmatamento no Mato Grosso e considerável em Rondônia, em todos os demais estados a tendência de queda foi revertida, mesmo em momento de crise no agronegócio. Quais são as razões efetivas para esse aumento em cada um dos Estados? Não é possível uma avaliação mais detalhada do fenômeno para aprimorar as ações do governo federal e responsabilizar efetivamente os governos estaduais?

Discutem-se secundariamente instrumentos econômicos para apoiar a conservação de florestas em terras privadas, mas pouco de concreto se faz. Embora o Plano Safra 2006-2007 preveja um diferencial adicional de recursos (15%) para os agricultores que comprovarem cumprir a legislação ambiental, o volume total de financiamentos efetivamente disponíveis ainda está muito abaixo do previsto para os que nenhum compromisso têm em relação aos padrões ambientais. Portanto, o incentivo é quase nulo.

Conclusões urgentes precisam ser tiradas dessa genérica reversão de tendência, em tempo para replanejar as ações para o ano que vem. O grande temor é que, mesmo com o reconhecimento da importância das ações do Plano de Combate aos Desmatamentos que efetivamente foram colocadas em prática, em uma futura e desejada retomada do agronegócio brasileiro, tenhamos que tirar conclusões mais comprometedoras não somente para o Governo, mas principalmente para a sociedade brasileira.

Socioambiental, Internet, 6-9-06

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