Entrevista de D. Luís Flávio Cappio à Folha

Idioma Portugués
País Brasil

Em greve de fome há uma semana em protesto contra a transposição das águas do rio São Francisco, o bispo de Barra (a 610 km de Salvador, BA), Luiz Flávio Cappio, 58, disse ontem ainda esperar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revogue o projeto e "coloque o povo nordestino acima dos interesses do capital"

Cappio reafirmou sua disposição de manter o protesto até a morte. Disse que o governo deveria investir em pequenas obras de abastecimento e que ainda torce pelo "bom senso" de Lula.

Paulista de Guaratinguetá, Cappio se instalou em uma capela a 200 metros do rio São Francisco, em Cabrobó (a 600 km de Recife, PE), município do sertão pernambucano onde será feita a captação da água para a transposição.

Folha - Por que o protesto?

Luiz Flávio Cappio - Há 12 anos lutamos em defesa do rio São Francisco e do seu povo. Quando percebemos que todos os argumentos de razão não foram suficientes para demover o governo de realizar o projeto de transposição, achamos por bem assumir uma postura mais radical. Quem sabe o que não conseguimos pela razão, atingiremos pelo coração.

Folha - Por que o sr. é contra a transposição?

Cappio - Estamos empenhados para que seja levado a efeito o projeto de revitalização. O projeto de transposição carece de transparência, de verdade. Se quisessem resolver o problema de água para os pobres, já teriam resolvido por onde o rio passa. E, a 500 metros das suas margens, o povo não tem água. Esse projeto inaugura no Brasil o hidronegócio. É para beneficiar os grandes empresários, a criação de camarão, as grandes empresas de irrigação.

Folha - O que deveria ser feito?

Cappio - Incentivar e investir em todas as ações que ajudam de fato a levar água para os pobres, que são os pequenos projetos de cisternas, açudes, aproveitar a água da chuva, do subsolo. Existem ações muito mais econômicas que resolvem o problema.

Folha - O que levou o presidente Lula a encampar esse projeto?

Cappio - Não saberia dizer e não gostaria de entrar nesse mérito. Quero apenas fazer essa solicitação ao presidente: que ele repense, porque é uma obra que vai demandar recursos imensos que poderiam ser aplicados em outros tipos de obras muito mais próximas da realidade do povo.

Folha - O sr. acha possível que seu gesto mude o projeto?

Cappio - Eu estou fazendo a minha parte. A gente sente que a sociedade brasileira está respondendo de uma maneira muito bonita, muito solidária. Temos percebido que, em seis dias, conseguimos mais mobilização popular do que em oito anos de luta.

Folha - Até que ponto o sr. vai conduzir a greve de fome?

Cappio -- Até que eu receba um documento assinado pelo presidente revogando o projeto.

Folha - O sr. ainda acha possível o recuo do presidente?

Cappio - Acredito que eles estão vivendo um momento muito difícil no Planalto, porque esse gesto os pegou de surpresa. Eu posso imaginar o conflito que isso gerou. Mas espero pelo bom senso e que ele [Lula] coloque o povo acima dos interesses do capital.

Folha - E se o presidente não mudar de opinião?

Cappio - Se o presidente não mudar seu pensamento, então a gente entrega a vida.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está disposto a "abrir diálogo" sobre o projeto de transposição das águas do rio São Francisco em troca do fim da greve de fome iniciada há uma semana pelo bispo de Barra (BA), Luiz Flávio Cappio, 58.

A informação foi repassada ontem ao religioso pelo assessor especial de Lula, Selvino Heck, 54, em Cabrobó (a 600 km de Recife, PE), onde Cappio cumpre sua promessa, isolado em uma pequena capela construída por um lavrador a cerca de quatro quilômetros do centro da cidade.

Heck entregou ao bispo uma carta assinada pelo presidente. Segundo o assessor, no texto, Lula diz que tem o mesmo compromisso de Cappio com a luta em favor dos pobres e abre a possibilidade de rediscutir o projeto de transposição do governo.

"Evidentemente, tanto o presidente quanto o governo estão preocupados em fazer com que esta situação não se prolongue", afirmou Heck. "Qualquer greve de fome é sempre um momento muito difícil. Há uma preocupação concreta, e o presidente quer ver um caminho por onde possa abrir esse diálogo."

O religioso disse que leu a carta e respondeu ao presidente agradecendo a correspondência. Ele afirmou, porém, que reforçou sua disposição de manter o jejum até que o projeto seja arquivado.

"A carta é muito amiga e solidária, mas não muda nada", disse o bispo, após rezar uma missa para cerca de 200 pessoas.

Agência Folha, Internet, 3-10-05

Comentarios

06/10/2005
Frei Luiz, por Fábio
Ideide, se não consegue entender, procure descobrir. Visite o site www.umavidapelavida.com.br e leia a seção "Por que somos contra a transposição e a favor da revitalização". Daí quem sabe você entenderá. Saiba, Ideide, que nem tudo é tão simples quanto às vezes aparenta ser. Geralmente tendemos a ver as coisas segundo a óptica mais superficial. Mas muitas vezes há interesses e aspectos escondidos que podem dar outra luz às questões.
06/10/2005
Ideide Pereira, por Agencia Folha
Não consigo entender o motivo de tanta repudia ao projeto, se tem fins de beneficiar muita gente no agreste nordestino, acho este bispo meio chupeta.