Equipe de Brasília desenvolve variedade da planta com mais carotenóides que o famoso arroz transgênico

Idioma Portugues
País Brasil

Mandioca dourada dispensa transgenia

DA REPORTAGEM LOCAL

Duas novas variedades de mandioca,que estão sendo aperfeiçoadas por pesquisadores daUnB (Universidade de Brasília), podem ajudar a acabar com a famada planta de alimento pobre em nutrientes.

Uma delas tem tanta proteína quanto o milho ou o trigo, enquanto a outra produz boas quantidades de substâncias precursoras da vitamina A.

É bom deixar claro que nenhuma das mandiocas turbinadas é transgênica: ambas ganharam seus traços especiaisde formanão muito diferente do que acontece desde que a humanidade inventou a agricultura, há cerca de 10 mil anos.

O diferencial dos pesquisadores, liderados pelo agrônomo egípcio Nagib Nassar, 67 foi um conhecimento apurado dasmuitas variedades selvagens e tradicionais da planta, bemcomo alguns truques da genética moderna para unir as qualidades mais rústicas desse tipo de mandioca as já testadas e aprovadasda plantavendidanosupermercado.

Nassar, radicado no Brasil há 30 anos, explica que o país tem uma vantagem difícil de igualar em termos de melhoramento de mandioca: como o tubérculo provavelmente foi domesticado aqui, todos os seus parentes selvagens, que representam uma imensa fonte de diversidade genética, são facilmente encontráveis na natureza, em especial na Amazônia.

“Para dar uma idéia, há diferenças enorme entre as espécies: algumas chegamadezmetrosde altura, enquanto outras são anãs”, explica o pesquisador.

Todas, no entanto, ertencem ao gênero Manihot (a domestica tem como nome completo M.esculenta).

Anã protéica Foi justamente com uma forma anã que Nassar e seus colegas deram os primeiros passos para criar uma versão mais rica em proteína.

Aodetectaruma espécie promissora nessa sentido, a M. oligantha, o agrônomo promoveu seu cruzamento com a mandioca doméstica. “Omais interessante é que, ao contrário do que acontece muitas vezes, o híbrido se mostrou fértil diretamente [o esperado seria que essa primeira geração fosse estéril]”, conta Nassar.

“Por isso, eu suponho que já se tratasse de um híbrido, uma forma intermediária que pode ter sido favorecida pela seleção natural”, explica.

Nessa primeira geração, criada nos anos 1980, a equipe já obteve uma planta com raízes grandes e abundantes e 4%de teor protéico—o normal é que a mandioca tenhamenos de2%.

Selecionando as plantas mais promissoras e cruzando-as de novo entre si, a equipe de Nagib conseguiu produzir recentemente uma segunda eração.

“Mal deu para acreditar ela alcançou 7,5% de proteína”, diz o agrônomo.

O feito iguala a planta ao milho e ao trigo em termos protéicos, o que poderia tanto melhorar a dieta das populações pobres do Norte e Nordeste, para quem o tubérculo é a base da alimentação, quanto diminuir os gastos brasileiros com importação de trigo, incorporando farinha de mandioca aos pães.

Mas o Santo Graal do melhoramento genético de mandioca é uma variedade com carotenóides —substâncias que o organismo transforma em vitamina A e cuja falta nos alimentos causa cegueira infantil em milhões de crianças dos países pobres. Nassar, sem saber, deu de caracomessa possibilidade ao receber de presente algumas mandiocas de agricultores do Distrito Federal.

“Eles me disseram que as tinhamobtido de índios do Paraná, e elogiaram muito a cor e o sabor delas”, diz. Melhorqueo arroz Oamarelo forte queas raízes ganharam depois de cozidas era uma indicação da presença de carotenóides, eNassar resolveutirar a prova com análises químicas.

O resultado, 2,5 miligramas de carotenóide por quilo, émelhor que o desempenho do arroz dourado, umtransgênico desenvolvido por um cientista suíço para combater a deficiência de vitamina A.

Nassar calcula que o consumo diário demeio quilo da variedade indígena seria suficiente para resolver o problema.

E, de quebra, ela parece ser mesmo saborosa: “O reitor [daUnB] experimentou a mandioca e comentou que eu nãoera árabede verdade. Se fosse, já ia estar querendo vender a planta”, brinca o cientista, sem se preocupar como estereótipo.

Por enquanto,Nassar e seus colegas estão se dedicando a torn as variedades mais produtivas e viáveis. Uma das técnicas é aumentar o número de cromossomos do vegetal.

Essas estruturas enoveladas armazenam o DNA e, na maioria dos organismos complexos, vêmemduas cópias, uma herdada do pai e a outra da mãe —daí o nome de diplóide dado a esses organismos.

Mas vegetais domésticos podem ser tetraplóides (ou seja, abrigarem quatro conjuntos de cromossomos), algo que, explica Nassar, melhora diversos parâmetros fisiológicosdaplanta.

Essa característica já foi obtida com sucesso na variedade indígena.

O estudo sobre a mandioca rica em carotenóides foi submetido à revista científica “Journal of Food, Agriculture and Environment” ( www.world-food.net) para publicação.

Nassar diz acreditar que os trabalhos posteriores de melhoramento possibilitarão que ambas as variedades estejam prontas para o cultivo em um ou doisanos.

Folha de São Paulo, Brasil, 18-4-05

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