'O capitalismo não funciona', afirmam manifestantes em Londres

Idioma Portugués
País Europa

"Essas são as nossas ruas!", grita um. "Esses são os nossos bancos!", berra outro. "Essa é a nossa revolução", proclama um terceiro. Os lenços tapam o rosto, e parte o ataque ao centro de Londres, coração do capitalismo: mas, provavelmente durante os choques com a polícia, morre um manifestante recolhido na rua sem vida por uma ambulância, enquanto um agente fica ferido

A reportagem é de Enrico Franceschini, publicada no jornal La Repubblica, 02-04-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Durante a tarde, é batalha: um bombardeio de vegetais, ovos e balas de tinta faz com que os cordões da polícia ondulem frente ao Banco da Inglaterra, permitindo que um bando de jovens vestidos de preto, talvez anarquistas, talvez "black bloc", penetrem na Threadneedle Street, onde uma descarga de tijolos quebra uma vidraça na entrada do Royal Bank of Scotland, o banco com dívidas de 20 bilhões de libras esterlinas, salvo pela nacionalização, e que se tornou o símbolo dos bônus milionários aos banqueiros, dos gastos, da cultura do risco. Um grupo de jovens encapuzados se infileira na fenda, irrompe no edifício, começa a quebrar tudo, enquanto outros escrevem "ladrões" com spray nas paredes.

Nas suas costas, o "square mile", o quilômetro quadrado que contém mais riqueza do que qualquer outro, é um pandemônio, invadido por milhares de manifestantes e policiais que se esmagam uns contra os outros. Cacetetes, cavalos da polícia que escoiceam, manifestantes com o rosto ensanguentado, o ruído dos helicópteros que voam baixo, os assovios dos "no-global" que cortam o ar, enquanto banqueiros e bancários, aos quais foi aconselhado que fossem trabalhar sem gravata para serem menos identificáveis como alvos, acompanham a batalha curiosos desde os altos andares dos seus suntuosos palácios. Se Karl Marx, sepultado a poucos quilômetros mais ao norte, pudesse ver isso, talvez pensaria que suas profecias estão por se realizar, mesmo que com um pouco de atraso.

O pai do comunismo, claro, estaria errado. As cenas de violência na cidade financeira envolvem, no fundo, apenas 50 mil manifestantes (e vários agentes), terminam com 24 prisões e uma dezena de feridos. Mas o balanço, com o morto, se torna trágico, mesmo que os choques não atrapalhem o andamento da cúpula do G20, iniciado perto dali, com a recepção oferecida pela rainha aos ilustres hóspedes no Buckingham Palace e a janta de gala em Downing Street, nem criam problemas ao resto da cidade. Mesmo que esses incidentes, agigantados pelas câmeras de meio mundo, repercutem uma raiva popular que cresce como uma mancha de óleo em todo o Ocidente, mesmo que não se expresse com o mesmo furor exibido na City.

Londres viu desordens e manifestações maiores, contra a "poll tax" nos tempos de Thatcher, ou contra a guerra do Iraque nos tempos de Blair: nunca, porém, no sacro tempo dos negócios e do lucro, povoado, desde algumas décadas, exclusivamente por pálidos senhores de chapéu e trajados de cinza.

As manifestações anunciadas para o G20, na realidade, são três. Uma é organizada pelos ambientalistas, que acampam em pequenas barracas diante do European Climate Exchange de Bishopgate para chamar a atenção aos desastres provocados pelas mudanças climáticas, ainda piores – advertem – dos que os da recessão. Uma outra manifestação, promovida pelos pacifistas, que contestam a guerra no Iraque, no Afeganistão, nos territórios palestinos, enfim, a guerra em todo o lugar, converge na Trafalgar Square. Mas ambas congregam menos manifestantes e de idade mais avançada com relação a que ocorreu na City, e também por isso não produzem violências.

Todos os temores da polícia estavam apontados à cidade das finanças, onde esperava-se um confronto duro: que chega pontualmente. E que com o passar das horas se endurece ainda mais, com mais tropas da polícia de choque, acompanhadas por agentes a cavalo e uma militarização dos no-global que as desafiam. Em alguns momentos, as forças da ordem dão a impressão de perder o controle da multidão e tem que retroceder. Depois, porém, prevalecem: estão bem organizadas, usam a força, mas (quase) nunca tornado-se brutais. A cidade do Speaker’s Corner, a esquina do Hyde Park, onde há séculos qualquer um pode fazer um comício, defende também a liberdade de marchar, manifestar, protestar, mais ou menos civilmente.

No G8 de Gênova, para citar um precedente, ocorreu tudo de maneira bem diferente. Hoje de manhã se responde: os no-global retornam à City de madrugada, para uma demonstração de raiva. "O capitalismo não funciona", sentencia um dos seus cartazes. "É um sistema injusto, cruel, antipopular", repetem os jovens que, por um dia, conseguiram conquistar o seu coração. Nem eles, porém, parecem bem com o que devem substituí-lo. E da colina de Highgate, onde jaz Karl Marx, não surgem sugestões.

Instituto Humanista Unisinos, Internet, 3-4-09

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