Paraguay: militarização e terror no campo

Idioma Portugués
País Paraguay

Representantes de entidades de oito países vão percorrer o território paraguaio para apurar denúncias sobre abusos cometidos por tropas estadunidenses

A presença de tropas estadunidenses, a crescente militarização da zona rural e a criminalização dos movimentos camponeses, fenômenos que vêm se acentuando há dois anos no Paraguai, geraram a convocação de uma Visita de Observacão Internacional ao país, por parte da Campanha pela Desmilitarização das Américas (Cada), rede hemisférica de organizações contra a militarização do continente.

A missão, que iniciou atividades no dia 16 e deve se encerrar dia 20, conta com a presença de diversas entidades de países como Argentina, Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, França, México e Uruguai. Entre elas, a Rede Social de Direitos Humanos, o Observatorio Latinoamericano de Geopolítica e o Servicio Paz y Justicia América Latina.

Decidida durante o 6º Fórum Social Mundial, em janeiro de 2006, em Caracas (Venezuela), a visita faz parte da campanha "Desmilitarizemos nossas consciências, as instituições e a sociedade", da Cada. Seu objetivo fundamental é "observar o processo de militarização do país, com a criminalização dos protestos sociais, a utilização das Forças Armadas no campo como uma forma de repressão e controle social e tudo o que tem significado a mobilização de tropas paraguaias ao interior", segundo Orlando Castillo, do Servicio Paz y Justicia de Paraguay (Serpaj-Py), principal entidade organizadora da visita.

Tropas dos EUA

A missão internacional pretende obter a maior quantidade de dados possível sobre essas questões e sobre outras, como a assinatura do Convênio de Imunidade para as tropas dos Estados Unidos, promulgado como lei em maio de 2005; a assessoria aos militares paraguaios conduzida pelos estadunidenses; a instalacão oficial de escritórios de segurança do governo dos EUA - Escritório Federal de Investigaçao (FBI), Agência anti-drogas (DEA) e Agência Central de inteligência (CIA).

Para facilitar o trabalho e a abrangência da visita, a missão intenacional se dividiu em três grupos. Um, com foco na cidade de Concepción, região onde há a maior presença militar estadunidense e onde ocorre a maior parte dos exercícios militares. O segundo grupo vai a Mariscal Estigarribia, cidade do chaco paraguaio onde está localizado o aeroporto que supostamente pode ser utilizado como pista de pouso de aviões de guerra de grande porte dos EUA. O terceiro permanece em Assunção, onde estão se reunido com organizações camponesas, sindicais e autoridades.

Para Ana Esther Ceceña, da Cada, um convênio como o assinado entre os governos paraguaio e estadunidense significa, na realidade, que o Estado não pode fazer nada frente à presença estrangeira: "Ou seja, caso as tropas presentes no país matem alguém, isso será considerado como dano colateral do trabalho que eles estão realizando na região, e não se poderá sequer levar o caso à justiça".

Insegurança

O convênio prevê, entre outras coisas, a realização, entre julho de 2005 e dezembro de 2006, de 11 exercícios militares bilaterais em qualquer parte do território paraguaio e a formação de militares do Paraguai por parte do Pentágono.

Segundo Castillo, a presença militar de tropas paraguaias assessoradas por militares dos EUA no interior do país, em vez de representar maior segurança, representa maior insegurança. "Os índices de mortes de camponeses aumentaram, assim como os índices de despejos violentos, de repressões. A tensão e o medo da população é muito maior desde que os comandos móveis das Forças Armadas foram para a região rural", diz.

Existem, inclusive, relatos de casos de torturas e de estupro - "justificados" pelo combate ao terrorismo e à guerrilha. Para isso, o Estado paraguaio busca vincular organizações camponesas às Forças Armadas Revolucionárias da Colombia (Farc) e utiliza como prova qualquer documentos com informações sobre Che Guevara, a revolução cubana, Lenin, Stalin etc. A identificação de camponeses com grupos terroristas e guerrilheiros tem influência direta dos escritórios de segurança e militares dos EUA, segundo o Serpaj-Py.

"Recebemos denúncias informais de que em toda a parte Sul do Paraguai começaram hostilizações contra grupos e organizações camponesas e de que estaria se criando um ambiente de terror. Nos interessa muito observar isso, falar com as pessoas, ver realmente o que estão percebendo dessa presença militar", alerta Ana Esther, para quem há antecedentes desse tipo de ação com o Plano Colômbia, no país andino. De acordo o Serpaj-Py, mais de dois mil camponeses paraguaios sem-terra estão sendo processados por realizar ocupações.

Brasil de Fato, Brasil, 18-7-06

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