COP30: precisamos reagir!

Idioma Portugués
País Brasil

Com a COP30 em andamento, e sendo o aquecimento global a maior de todas as ameaças, fica difícil escrever sobre outros assuntos. E mesmo em relação à COP, não está fácil seguir uma única linha de argumentos.

Crianças do povo Rikbaktsa

De um lado, temos aquelas  perspectivas otimistas, que se apoiam em dados de realidade como a redução no desmatamento da Amazônia, as declarações de propósitos do governo Lula e a recuperação da credibilidade do Brasil, interna e internacionalmente. Isso nos conforta. Entendemos as possibilidades de expansão de uma bioeconomia que valorize o conhecimento dos povos tradicionais e os recursos naturais de nossos biomas. Sabemos que por este rumo será possível redefinir políticas públicas tradicionalmente discriminatórias e mobilizar a sociedade para construção coletiva de uma nação includente, que coloque as necessidades do povo e a saúde dos ecossistemas na linha de frente das prioridades nacionais. Acreditamos nas possibilidades de melhor utilizar recursos hoje desviados em perdões de multas, isenções de tributos e outras concessões pouco compreensíveis, para construir, no Brasil, uma condição de liderança global na luta contra o aquecimento global e em defesa da biodiversidade. Percebemos como positivos a captação de recursos externos, o controle da inflação, a elevação do PIB e o anuncio de  US$ 5,5 bilhões, já disponíveis para o Fundo Florestas Tropicais indicativos de avanços neste sentido.

Porém, de outro lado, não podemos desconsiderar leituras críticas que apontam movimentos dos golpistas no congresso e a tradição de outras COPs, alertando para intencionalidades relacionadas aos grupos de interesse que patrocinam aqueles espaços e seus eventos.

Nesta perspectiva precisamos lembrar do ocorrido em Dubai, Emirados Árabes (COP28) e Baku, Azerbaijão (COP29). Naqueles países ricos em petróleo as conferências foram dominadas por lobistas do setor de combustíveis fósseis e não apresentaram avanços no sentido da transição de matrizes energéticas. Diante disso seria ingênuo supor que no Brasil,  capturado por interesses do agronegócio predatório, venham a acontecer grandes transformações relacionadas à contenção daquele modelo ecocida, em que pese suas responsabilidades em relação à crise climática. Se observarmos o fato de que a Noruega (que ofereceu US$ 3 bilhões daqueles US$ 5,5 bilhões destinados ao fundo que preservará florestas tropicais) tem interesse no petróleo da Amazônia, onde já explora minérios, aquela preocupação parece fazer muito sentido. Afinal, estamos diante de cenário de disputas de interesses, onde até o Bill Gates já remodelou suas falas, dizendo que o  aumento da temperatura não é a maior preocupação e que se faz mais urgente resolver problemas das populações. Que problemas, de que populações? Incluirão aqueles povos que habitam territórios ameaçados de degradação pela mineração, exploração de petróleo e avanços do agronegócio? Mas Gates também não deixa de ter certa razão. Afinal a  crise climática não vai mesmo acabar com a humanidade, só com parte dela.

E o setor econômico que domina nosso país tem fortes conexões com interesses muito ativos nesta COP de Belém.  Afinal somos o maior exportador global de carnes e de soja. Temos participação muito expressiva em outras comodities agrícolas que no todo são responsáveis pela destruição de florestas e pelo uso maluco de pesticidas que envenenam nossos solos, águas e parentes de todas as etnias. E estas atividades, que respondem por 1/3 das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, estão bem “representadas” na  AgriZone desta COP 30. E não apenas por lobistas nacionais. Ali também estão a Nestlé, Bayer,  Yara e outras forças vinculadas à  CropLife,  trabalhando pela prevalência de suas  narrativas, junto aos representantes dos países participantes daquela Conferência.

Nesta interpretação se percebe que a COP de Belém opera como um espaço de negociações corporativas, onde o argumento de conversão de pastagens degradadas em monocultivos “de exportação” e outras formas de “esverdeamento” de rapina escondem incentivos a práticas de desmatamento e desejos de ocupação de territórios de comunidades tradicionais e povos indígenas, com suas repercussões sobre os direitos e a saúde humana e ambiental.

Não é irrelevante o fato de que nos aproximamos de eleições. Lá, os defensores daquele agro que já domina o congresso operam para consolidar o desejo de expandir seus poderes sobre toda a república. E podem conseguir isso. Afinal, são aqueles mesmos grupos que já garantiram  exclusão do agronegócio de restrições impostas ao mercado regulado de carbono, que substituíram a lei dos agrotóxicos pelo  pacote do veneno, que destruíram a legislação ambiental com o  pacote da devastação e que agora pretendem mudar a história de ocupação deste país, com a obscenidade do  marco temporal.

Isso significa que devemos escolher entre a esperança e o dar de ombros, e relaxar em relação ao que se passa na COP30?

De forma alguma. Significa o oposto: precisamos reagir.

Afinal, o problema do aquecimento global é real. E é tão relevante que apenas  em 2023, quarenta e oito milhões de brasileiros foram afetados por 2819 “desastres naturais” relacionados às mudanças climáticas.

Evolução anual de desastres ambientais no Brasil (Fundação Oswaldo Cruz e Observatório do Clima).

Fonte: https://mapas.climaesaude.icict.fiocruz.br/extremos/

Segundo a  Fundação Oswaldo Cruz e o Observatório do Clima, entre nós o número anual de eventos extremos, que até 2015 tendiam a ficam abaixo de 1 mil por ano, já estão perto de triplicar. Além de mais intensos, são mais frequentes a cada ano. Desastres como os verificados no RS em 2023 e no Paraná semana passada, tendem a se repetir de forma agravada com desdobramentos negativos em termos de tragédias psicossociais, doenças e criminalidade, em todo o pais. Entre 2020 e 2023 o número de doentes devido a este tipo de desastre aumentou de 54 mil para 157 mil casos, com o total de afetados passando de 21 milhões para 48 milhões de pessoas. Em 2024 os problemas se agravaram, com  ondas de calor superando os 40ºC, com uma das maiores secas da história, com muitos deslizamentos de encostas e com aquele desastre sem precedentes, no Rio Grande do Sul. 

Portanto,  não estamos diante de eventos raros . Há um processo em curso e devemos nos preparar para construir soluções envolvendo ativismos populares, em paralelo às negociações governamentais. Tanto na COP30 como fora dela, e independente do sucesso ou do fracasso das discussões sobre as   fontes e o destino de recursos destinados à mitigação dos problemas climáticos.

Nesta COP, nós que não participaremos diretamente do que se passa por lá, precisamos apoiar caminhos que estarão sendo desenhados na  Cúpula dos Povos, para que se concretizem. Talvez a mais óbvia daquelas reivindicações diga respeito ao reconhecimento do papel dos habitantes desta terra, nos diferentes biomas, para a defesa dos ecossistemas que nos definem, e que – em atendimento a ganância e descaso de poucos – vivenciam acelerada transformação destrutiva.

A Cúpula dos Povos  reclama, por exemplo, a justa  demarcação de 29 terras indígenas (TI) que já estão prontas para o decreto presidencial. Segundo a  COIAB, além daquelas áreas, outras 9 TIs já estão delimitadas e 75 continuam em fase de estudo, perfazendo um total de 113 territórios indígenas a serem validados, tão somente na Amazônia Legal. O que poderíamos fazer de mais efetivo, para proteger as florestas, do que reconhecer o papel e empoderar as populações que as defendem como parte natural de suas próprias vidas?

O mesmo raciocínio se aplica a outras áreas. Por isso, em paralelo reivindica-se avanços objetivos na implantação do PRONARA e no fortalecimento de políticas orientadas aos agricultores familiares, quilombolas, ribeirinhos, faxinalenses, quebradeiras de coco e comunidades tradicionais, entre outros representantes de nosso universo rural.

Reconhecendo que demandas desta natureza enfrentarão resistências no legislativo, entende-se a relevância do que nos cabe fazer, como cidadãos conscientes, na preparação do Brasil para as eleições de 2026.

Independente da COP, em defesa da saúde de nossos povos e nossos biomas, em 2026 precisaremos garantir a eleição de vereadores, deputados, senadores e governadores que se coloquem em defesa daqueles objetivos, contra a voracidade dos criminosos, golpistas e negacionistas que aí estão, a nos ameaçar.

Se trata de fazer agora, o que pudermos pelo futuro. E agir de maneira consciente, pensando inclusive no que – sem isso- ocorrerá também com aqueles tolos e inocentes que ainda seguem seus algozes.

Uma música? Falando daqueles que só pensam em grana, que se acham melhores do que os outros, que quanto mais têm, mais querem… de Rita Lee – João Ninguém 

Leonardo Melgarejo, Engenheiro Agronômo, MsC em Economia Rural, Dr. em Engenharia de Produção. Extensionista rural aposentado, fotógrafo. Colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, membro co-fundador do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, da Associação Brasileira de Agroecologia, do Movimento Ciência Cidadã, da Rede Irerê de Proteção à Ciência e da Unión de Científicos Comprometidos con la Sociedad y la Naturaleza de América Latina (UCCSNAL).

Fonte: Brasil de Fato

Temas: Crisis climática, Tierra, territorio y bienes comunes

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