Brasil: Mulheres agricultoras e escolhas de Luta pela Vida

Idioma Portugués
País Brasil

"Os debates foram protagonizados pelos militantes, juntamente com as famílias camponesas e as famílias urbanas, abordando uma série de questões que impactam nossa sociedade: a Reforma da Previdência Social, a Reforma Trabalhista, a defesa de alimentos saudáveis, a nova geração camponesa e a importância da Bolsa para a permanência dos jovens do campo, saúde popular alternativa com direito de ter uma Farmácia em Casa, além de contextualizar o endividamento das famílias camponeses da Região do Vale do Taquari."

Foto: Adilvane Spezia/MPA

25 de julho, mamãe Lúcia me recebe poeticamente às sete e meia da manhã, em alemão, que é como nos comunicamos no cotidiano, ouvindo os sons dos arredores: “Die Vögel sind immer froh. Sie singen ganz frü. Und eine Hunt ist am bellen” – “Os pássaros estão sempre alegres. Eles cantam bem cedo. E um cachorro está latindo.”

Depois do chimarrão matinal que vou lhe servindo e do café da manhã bem fornido, ela senta no banco centenário ao lado do fogão a lenha, touca colorida na cabeça, fogo crepitando e aquecendo o ambiente em dias de frio intenso. E começa a primeira tarefa do dia: descascar um cesto cheio de aipim. Descascado, será guardado na geladeira e vendido na Feira do Produtor do dia seguinte na cidade de Venâncio Aires, distante 10 kms da comunidade da Vila Santa Emília, onde a família mora, planta e vive como agricultores familiares. Mamãe, agricultora familiar a vida inteira, recusa a cadeira que lhe ofereço para colocar o cesto cheio de aipim em cima. Prefere deixá-lo no chão, mesmo que, aos quase 91 anos, a serem completando em novembro, tenha que se abaixar para pegar o aipim, cortá-lo em pedaços menores, para ficar mais fácil fazer o descascamento.

Estamos em período do Dia do Colono e da Colona, 25 de julho, data comemorativa aos primeiros colonos alemães chegados na Feitoria em São Leopoldo em 25 de julho de 1824. É feriado em Venâncio Aires, minha terra, Mato Leitão, minha paróquia, e municípios vizinhos. Não em casa de mamãe. Meus irmãos mais novos preparam a Feira do Produtor do dia seguinte, quarta: frutas, especialmente gostosas bergamotas e laranjas neste período do ano, e verduras de todos os tipos, milho, aipim, abóboras, batata doce, rúcula, limas e limões, goiabas, moranguinhos, alface, abacaxis e abacates, couve e repolho tudo a seu tempo, de acordo com o clima e a estação do ano.

Foto: Adilvane Spezia/MPA

Enquanto mamãe descasca aipim, vou lendo ‘O Recado da Terra’, jornal do CAPA (Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia), edição de outono/2017 (Ano XXI, número 44), que põe em manchete: Agricultoras Concretizam o Bem Viver. Num dos artigos, ‘Sociedade, Bem Viver e Mulheres’, Melissa Lenz, nutricionista do CAPA Santa Cruz do Sul, escreve: “A Campanha Comida Boa na Mesa contempla toda a temática do acesso à alimentação de qualidade para todas as famílias e isso só é possível se houver justiça de gênero, se a produção dos alimentos for de base agroecológica. Assim o BEM VIVER vai fazer parte da vida de todas as mulheres e homens” (Informações: www.capa.org.br).

Em ‘Atitudes de Mulheres para o Bem Viver’, Liciane Dariva, 28 anos, moradora do km 8, Dourado, Erexim, RS, diz: “Viver bem é trabalhar com alegria, fazer o que gosta junto com a família. Não tem coisa melhor do que mexer na terra”. Já Lorenne Weipert, 57 anos, moradora de Paulo Bento/RS, fala: “Aprendi a melhorar o cultivo das plantas nas reuniões e nos cursos dados pelo CAPA/Núcleo Erexim/RS e das pessoas mais antigas veio o conhecimento sobre as propriedades das ervas medicinais. Eu planto todas no mesmo local: hortaliças, flores e ervas. Esta forma de manejo espanta para longe insetos que poderiam prejudicar minhas plantas.” Rosa Maria Lacerda Siqueira, 35 anos, moradora da Comunidade Quilombola do Algodão, Pelotas/RS, diz: “Tive um passado muito difícil, chegamos a passar fome. Agora a vida é muito melhor. Tendo trabalho tudo fica mais fácil. E a gente se diverte: é bom quando se aprende. Quero aprender ainda mais.”

Os tempos, porém, não andam fáceis para ninguém no Brasil hoje. Maister, do MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), envia mensagem: “O Mutirão da Esperança Camponesa, realizando pelo MPA em Travesseiro, Regional do Vale do Taquari, Rio Grande do Sul, percorreu 8 comunidades dias 12 e 13 de julho. Os debates foram protagonizados pelos militantes, juntamente com as famílias camponesas e as famílias

Foto: Adilvane Spezia/MPA

urbanas, abordando uma série de questões que impactam nossa sociedade: a Reforma da Previdência Social, a Reforma Trabalhista, a defesa de alimentos saudáveis, a nova geração camponesa e a importância da Bolsa para a permanência dos jovens do campo, saúde popular alternativa com direito de ter uma Farmácia em Casa, além de contextualizar o endividamento das famílias camponeses da Região do Vale do Taquari. Os militantes visitaram 248 famílias do campo e 300 famílias da cidade durante dois dias de atividade, contando com enorme protagonismo da juventude e das mulheres camponesas. As reuniões nas comunidades também contaram com a presença de vários artistas locais. QUEM ALIMENTA O BRASIL EXIGE RESPEITO.”

Frei Sérgio Görgen, do MPA, ao me convidar para o próximo Mutirão, na primeira semana de setembro, em Vale do Sol, Rio Grande do Sul, explica: “No primeiro dia, de manhã, começa com uma reunião de organização e depois é visita de casa em casa. Ouvir muito, consolidar solidariedade, mostrar que o MPA está presente e atento à conjuntura e informações de acordo com o ambiente. Os temas: previdência, permanência da juventude no campo, saúde (plantas medicinais), lutas e organização. Almoçamos, jantamos e dormimos nas casas.”

Allea Albina Lermen Chitto, 100 anos, agricultora desde a infância, e que ainda trabalha na roça no interior de Erval Grande, Rio Grande do Sul, diz no jornal do CAPA: “Para viver bem é preciso ter saúde adquirida por meio de uma alimentação adequada e sem agrotóxicos. E ter harmonia com a família e comunidade, estando em paz com todos. Na roça sempre tem trabalho.” Bruna Richter Eichler, jovem de 18 anos, moradora da Linha Andréas, Venâncio Aires, e estudante da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (In Folha do Mate, 25.07.17, Cotidiano, p. 8), diz: “Quero trabalhar na agricultura com alimentos orgânicos. É uma escolha de luta pela vida.”

Há esperança, portanto, desde que se façam escolhas de luta pela vida.

Por Selvino Heck para o MPA Brasil

Fonte: MPA

Temas: Feminismo y luchas de las Mujeres, Movimientos campesinos

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