Cumplicidade na destruição III

Todos os dias, soja, carne, minérios e outras commodities produzidas em larga escala no Brasil desembarcam nos portos dos países da Europa, da América do Sul, da China, dos Estados Unidos e outros mercados globais. Muitas vezes, essas commodities deixam um rastro de abusos de direitos humanos e devastação ambiental que ameaçam o futuro da maior floresta tropical do mundo e seus povos e, com isso, o futuro do nosso clima. 

O fluxo de investimentos estrangeiros em empresas que atuam no Brasil se expandiu para uma intrincada rede internacional que, em muitos casos, financia atores responsáveis por violações de direitos socioambientais. Dentro desse paradigma econômico extrativista, os Povos Indígenas são frequentemente tratados como um “obstáculo ao desenvolvimento”, e suas terras são invadidas, ocupadas, saqueadas e destruídas. Liderado por Jair Bolsonaro – o presidente declaradamente antiambiental e anti-indígena do Brasil – o governo federal do país está contribuindo ativamente para a crise crescente atual.

Um dos principais motores do desmatamento na Amazônia é o roubo de terras em áreas protegidas, como Terras Indígenas (TI) e unidades de conservação, para especulação. O desmatamento ilegal e as queimadas criminosas são usadas para converter vastas áreas de floresta primária em áreas agrícolas, beneficiando atores poderosos. Não por acaso, os municípios amazônicos que mais registraram focos de incêndios em 2019 foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento. Influentes interesses econômicos nacionais e internacionais são cúmplices nesse saque de florestas públicas e na violência resultante contra Povos Indígenas e tradicionais.

O ataque aos povos da floresta tem consequências profundas, considerando que eles são comprovadamente os principais defensores da Amazônia. Estudos mostram que as Terras Indígenas são a última barreira contra o desmatamento e a degradação florestal nesta região. As áreas protegidas na Amazônia Brasileira, incluindo aquelas onde vivem os povos das florestas, correspondem a 56% do estoque de carbono total da Amazônia brasileira.

Esta nova edição do relatório Cumplicidade na Destruição, organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) em parceria com a Amazon Watch, é baseada em pesquisas realizadas pelo observatório jornalístico De Olho Nos Ruralistas (DONR) e a instituição holandesa de pesquisa Profundo. Ela revela como uma rede formada por grandes instituições de financiamento internacional está ligada à produção e exportação de commodities envolvidas em conflitos em Terras Indígenas, desmatamento, grilagem e enfraquecimento das proteções ambientais. Ao investigar atores envolvidos na invasão e desmatamento de Territórios Indígenas – bem como outras violações de direitos indígenas desde 2017 –, o DONR identificou um conjunto de empresas brasileiras que foram posteriormente analisadas pela consultoria Profundo, buscando identificar compradores e investidores internacionais cujo suporte financeiro possibilitou esse comportamento.

Este relatório mostra que companhias que representam os três principais setores econômicos brasileiros – mineração, agronegócio e energia – estiveram direta ou indiretamente envolvidas em conflitos que afetam os Povos Indígenas e seus territórios. Os casos expostos aconteceram nos estados amazônicos do Pará, Maranhão, Mato Grosso, Roraima e Amazonas, com as mineradoras Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil; as empresas do agronegócio Cargill, JBS, Cosan/ Raízen; e as companhias de energia Energisa Mato Grosso, Bom Futuro Energia, Equatorial Energia Maranhão e Eletronorte. Juntamente com essas empresas, destacamos seis grandes instituições financeiras sediadas nos Estados Unidos – BlackRock, Citigroup, J.P. Morgan Chase, Vanguard, Bank of America e Dimensional Fund Advisors – que contribuíram com mais de US$ 18 bilhões (R$100 bilhões) para as empresas acima, entre 2017 e 2020.

Desvendar essa rede ajuda a mostrar o quanto é problemática a vinculação entre empresas que atuam na Amazônia brasileira com líderes financeiros globais, destacando as más condutas do mundo corporativo e quem contribui para isso. Essas corporações são apenas alguns dos muitos atores implicados na devastação atual da Amazônia brasileira. Elas não agem sozinhas, e suas ações devem ser entendidas como emblemáticas de tendências mais amplas que põem cada vez mais a floresta em perigo e, com ela, o nosso bem-estar coletivo.

As violações de direitos humanos e ambientais documentados neste relatório não seriam possíveis sem os investimentos generosos dos líderes financeiros internacionais. Os mercados globais têm o poder de contribuir ou moderar a agenda desastrosa de Bolsonaro para a Amazônia brasileira, permitindo ou prevenindo a destruição da floresta tropical. A APIB, a Amazon Watch e uma coalizão de aliados brasileiros e internacionais convocam os principais atores do mercado para parar de alimentar o problema e usar sua influência para se tornar parte da solução.

Este relatório oferece recomendações para empresas que operam ou que têm projetos no Brasil, empresas que importam produtos do Brasil, instituições financeiras que investem nessas empresas, e para governos e legisladores responsáveis pela supervisão do setor privado.

É imperativo que esses atores elaborem e se comprometam com políticas que respeitem os direitos indígenas e o meio ambiente; que se abstenham de toda e qualquer atividade que possa contribuir para o desmatamento ilegal e para ameaças aos direitos e Territórios Indígenas (incluindo atividades de fornecedores); que criem mecanismos de monitoramento mais eficazes e conduzam a devida diligência para identificar possíveis violações; e que usem seu poder para exigir que os produtos importados não contribuam para a destruição da Amazônia. Antigos modelos de negócios (o chamado business as usual), que considera apenas o lucro, não são mais uma opção.

- Para baixar o relatório completo (PDF), clique no link abaixo:

Fonte: Amazon Watch

Temas: Extractivismo, Pueblos indígenas, Tierra, territorio y bienes comunes

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