A polêmica reforma agrária na Amazônia: especialistas debatem desconcentração da terra e da renda

Idioma Portugués
País Brasil

“Reforma agrária em síntese é dar ao agro uma tarefa produtiva que está em sintonia com as necessidades sociais. Quando você examina o papel produtivo da sociedade brasileira, que é uma sociedade que produz exclusivamente para exportar, você não pode ter uma agricultura baseada na terra distribuída. Ela tem que ser necessariamente uma agricultura de terra concentrada”

Terra concentrada. Este é o modelo adotado e priorizado pelo governo brasileiro há tempos. Mas essa opção traz conseqüências sociais a longo e médio prazo preocupantes, segundo especialistas como o professor da Universidade Federal do Pará, Aluizío Leal, pesquisador da Amazônia. Falar em reforma agrária no Pará é assunto que rende polêmica, afinal o estado que tem área de mais de 1,25 milhão de quilômetros quadrados concentra 26% da floresta brasileira e é alvo da cobiça não só de empresários do Brasil, mas do mundo inteiro.

João Pedro Stédile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), explica o modelo defendido pela organização. “Aqui na Amazônia, como eu disse, o modelo do capital é esse modelo do agronegócio. Então o que temos dito? A verdadeira reforma agrária daqui é em primeiro lugar respeitar a floresta nativa. E vamos priorizar a desapropriação desses grandes latifúndios que existem na região e que ainda são os resquícios da época da ditadura e que os fazendeiros grilavam imensas áreas e formaram grandes fazendas”.

Mas é com base na lei brasileira que os movimento sociais do campo no interior do Pará organizam a população pobre para a conquista do direito à terra. De acordo com a Constituição Federal, toda área que não estiver cumprindo com sua função social deve ser destinada para fins de reforma agrária. Ou seja, ela pode ser desapropriada caso não seja produtiva, não respeite as leis trabalhistas e o meio ambiente.

Isto é o que diz a lei, mas não é o que os latifundiários pensam. No sul do Pará, onde a equipe da Agência Notícias do Planalto passou uma semana, anda-se se horas na estrada e só vê fazenda atrás de fazenda... Os donos são as famílias que lideram o agronegócio, esse modelo de produção para exportação e não para o mercado interno. Como é o caso da família Mutran, maior exportadora de castanha-do-pará e com importantes negócios no ramo agropecuário. Ao ser entrevistado, Jorge Mutran Neto, que administra o gado da família, afirma que é a favor da reforma agrária.

Mas o que ele não responde é às denúncias de que grande parte de suas terras são griladas, ou seja, foram tomadas da união com documentos falsos. Por causa disso, as fazendas de sua família estão entre os principais alvos de ocupação pelos agricultores sem-terra. Latifúndios como os do Mutran estão na mira de ambientalistas. É o que explica o professor Aluisio Leal. “Hoje os grandes bandidos são todos aqueles que assaltam a natureza ou se apropriam da terra. São eles os grandes mineradores, os grileiros, os madeireiros, os fazendeiros, os sojeiros e os agentes do serviço público.

Terra para plantar - Localizada no município de Eldorado dos Carajás, a Fazenda Macaxeira, com mais de 40 mil hectares, foi o embrião do Massacre que viria a acontecer cinco meses depois da ocupação pelas famílias ligadas ao MST. Antes do massacre a terra foi considerada produtiva, meses após, 18 mil hectares do complexo passaram por nova vistoria e finalmente foram destinados às famílias. Assim nasceu o Assentamento 17 de Abril.

“Não sei o que seria de mim se não tivesse um pedacinho de terra” (Ildimar Rodrigues, 34 anos)
“Tenho milho aqui, abóbora, banana, mamão, tem cacau também” (Raimundo Gouveia, 51 anos)
“Valeu porque hoje tenho o que eu não tinha. Antigamente eu não tinha uma casinha para morar, não tinha um pedaço de terra. Hoje eu tenho” (Miguel Pontes, 42 anos)

Lutas como as dos sobreviventes do Carajás são permanentes no Pará. De acordo com o MST, reivindicar reforma agrária na região e travar o embate entre pobres e ricos.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) afirma ter assentado 41 mil famílias sem-terra só no ano passado. Desde 2003 são 65 mil. Mas de todas essas famílias, o MST afirma que somente 69 são do movimento. Outras milhares continuam em barracos de lona. “No estado do Pará, no ano passado, tivemos 35 mandados de despejo em áreas de assentamento dos companheiros de outros movimento sociais. Ou seja, uma contra-reforma agrária. Nesses três anos do governo Lula, nós temos aqui do MST mais de 2.500 famílias acampadas e outras mil famílias em situação precárias como essa. Então, temos pessoas esperando debaixo do barraco mais de 3.500 famílias e com essa imensidão de terra disponível. No entanto o Incra em três anos assentou nessa região só 35 famílias do MST”, denuncia João Pedro Stédile, da direção do movimento.

Frei Betto, escritor e frade dominicano que participou da equipe do governo Lula, acredita que não mudou muita coisa da política agrária implementada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a atual. “A reforma agrária está com uma agenda muito atrasada. Não foi feito um plano de alteração substancial da estrutura fundiária brasileira. Nós precisamos pressionar o governo, cobrar o governo para eu se agilize a ra para que ela seja substancial e sobretudo para que se reduza drasticamente a violência no campo. E por isso eu só vejo uma saída para aperfeiçoar as nossas instituições democráticas, é o fortalecimento dos movimentos populares e uma mobilização cada vez mais intensa. A violência no campo no governo lula não é menos do que no governo do fh, e isso muito nos envergonha”.

Depoimento de sobrevivente - Meu nome é Miguel Pontes da Silva. Sou sobrevivente do Massacre de Eldorado dos Carajás. Peço que as autoridades façam alguma coisa pelos trabalhadores do Pará. Aqui é o estado que acontece mais conflito no país e é o mais esquecido. A justiça é muito lenta aqui. Aliás, nem tem justiça. A favor dos trabalhadores, a justiça não aparece.
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Reportagem especial produzida pela Agência Notícias do Planalto ( www.noticiasdoplanalto.net)

Ficha técnica
Enviadas especiais ao Pará: Beatriz Pasqualino e Nina Fideles
Produção: Sofia Prestes
Sonoplastia: Leandro Gregorine

Fonte: Noticias de Planalto

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